Gás para mudanças climáticas

Diocese cita papa Francisco e se levanta contra projeto de termelétrica de Caçapava

Comissão Socioambiental da Diocese de São José dos Campos menciona encíclica ambientalista do Vaticano para justificar descompasso do projeto altamente poluente. E conclama comunidade a participar de audiências públicas nestes dias 2 e 4. Movimento é cada vez maior

Pere López Brosa/Wikimedia Commons
Pere López Brosa/Wikimedia Commons
Projeto de termelétrica prevista para Caçapava (SP) gera eletricidade com a queima de grande quantidade de combustítvel fóssil

São Paulo – A Comissão Socioambiental da Diocese de São José dos Campos divulgou carta aberta contra o projeto da usina termelétrica de Caçapava. No documento assinado no último dia 28, a coordenação menciona trecho da encíclica Laudato Si’ 8 sobre o meio ambiente, de autoria do papa Francisco:

“[…] Por isso, tornou-se urgente […] fazer com que, nos próximos anos, a emissão de gás carbônico e outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável […]” (LS 26). “[…] Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser, progressivamente e sem demora, substituída. Enquanto aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis, que já deveria ter começado, é legítimo optar pelo mal menor ou recorrer a soluções transitórias[…]” (LS 165)”.

E alerta que a pretensa movimentação econômica local defendida pela empresa Natural Energia, dona do empreendimento, deve ser olhada com cautela por toda a comunidade. Isso porque “não pode mascarar os impactos ambientais advindos. O projeto prevê a geração de 1.750 Megawatts de potência, tornando-se a maior na América Latina, promovendo, assim, uma enorme sobrecarga ambiental”.

A carta se refere à queima de metano. O projeto previsto para Caçapava, na divisa com Taubaté, vai produzir energia elétrica a partir da queima do combustível fóssil altamente poluente. Com isso, a estimativa é que mais de 3.000 toneladas de monóxido de carbono serão lançadas todo ano na atmosfera, segundo a Frente Ambientalista do Vale do Paraíba. Trata-se de um gás de efeito estufa, causador do aquecimento global e das mudanças climáticas.

Diocese defende soluções sustentáveis, e não usina termelétrica

Por isso, diante da demanda crescente por energia, a comissão socioambiental defende que a sociedade procure com urgência uma transição de soluções sustentáveis “cada vez mais necessárias diante do cenário emergente das mudanças climáticas”. E lembra a intensidade das consequências que se abateram sobre o Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio. As chuvas extremas, segundo a Diocese, são “sinais visíveis da dificuldade em tratarmos, de forma sábia, a relação homem e natureza”.

Além dos impactos à economia da região, à saúde e ao meio ambiente, a Diocese lembra também os prejuízos sociais. É o caso do deslocamento de comunidades, causando desintegração social e perda de laços comunitários. E também o aprofundamento da desigualdade social. Afinal, os benefícios econômicos de tal empreendimento geralmente não são distribuídos de maneira equitativa. “As grandes corporações lucrando enquanto as comunidades locais arcam com os custos ambientais e de saúde”, destaca o documento.

A comissão ainda apela à comunidade para que se mobilize, converse com seus parentes e vizinhos, e participe da audiência pública em São José nesta quinta-feira (4), às 19h, no auditório do Hotel Nacional Inn. Haverá audiência também nesta terça (2), em Caçapava, às 19h, no Summit Hotel Caçapava.

O posicionamento da Diocese de São José dos Campos se soma ao movimento das organizações ambientalistas, associações de moradores e pesquisadores reunidos na frente ambientalista do vale do Paraíba, que não para de crescer. A 85ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de seu presidente, Dr. Everton Rodrigues, se manifestou publicamente contrária à instalação neste dia 30.

No último dia 17, o Sindicato Rural de Caçapava enviou ofício ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Com duras críticas ao projeto, os produtores rurais pediram o cancelamento das audiências.

Foto: Divulgação/Frente Ambientalista do Vale do Paraíba

Sindicatos rurais aderem à luta contra o projeto

O Sindicato Rural de Lavrinhas e Cruzeiro enviou ofício ao Ministério Público Federal em Taubaté repudiando o projetando e a realização das audiências públicas nos próximos dias 2, em Caçapava, e 4, em São José dos Campos. Os produtores criticam a localização do projeto, entre a Serra da Mantiqueira e a do Mar, cujo regime de ventos vai dificultar a dissipação dos poluentes. Destacam ainda a queima de gases de efeito estufa e a piora na situação do clima, primordial para a agricultura.

No último dia 30, o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Caçapava enviou oficio ao presidente do Ibama para manifestar “veemente repúdio” à possível implantação da termelétrica. O documento reitera alertas sobre danos substanciais ao meio ambiente, à saúde dos moradores de todo o Vale do Paraíba e os problemas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima). E mais: não há nenhuma Certidão do Uso do Solo válida. Isso porque, conforme as próprias publicações da interessada, o último documento é datado de julho de 2022, encerrando sua vigência em 29 de janeiro de 2023.

Para completar, os moradores dos municípios da região têm se manifestado contrariamente também por meio de seus vereadores. A Câmara Municipal de Campos do Jordão, Santo Antonio do Pinhal, Tremembé, Taubaté, São José dos Campos, Jacareí, Jambeiro e Monteiro Lobato aprovaram moções de repúdio.

Em nota enviada à reportagem da RBA, a assessoria do Ibama confirmou as audiências para discutir a instalação de usina termelétrica em Caçapava. E que esta é uma das etapas do licenciamento conduzido pelo órgão. Mas ressaltou que, “até o momento, nenhuma licença foi emitida e que tem como praxe em todos seus processos de licenciamento ambiental realizar audiências públicas nos locais identificados como necessários, durante a fase de análise”.

Isso porque, segundo o órgão, “é na audiência pública que se tem a oportunidade de colher informações adicionais que porventura não constem dos estudos ambientais, e que devem ser consideradas nas análises técnicas pela equipe técnica”.

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