Brasil parado

Por uma retomada da economia para além do mundo de faz de contas

Governo Bolsonaro prevê gastar R$ 30 milhões em propaganda para divulgar ações de “retomada do país, reduzindo os efeitos deixados pela crise da pandemia do coronavírus”

arquivo abr
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Retomada da economia não virá com propaganda. Brasileiro só voltará a comprar, a investir e a fazer planos quando se sentir seguro

Uma notícia recente publicada pela imprensa mostra bem o modo de pensar e agir daqueles que hoje governam o país. Em meio à pandemia, o mesmo governo federal que acaba de vetar uma campanha publicitária destinada a incentivar o uso de máscaras, prevê gastar R$ 30 milhões numa outra campanha. Esta, segundo o Diário Oficial, para divulgar ações de “retomada do país, reduzindo os efeitos deixados pela crise da pandemia do coronavírus”. Questionada pela reportagem da Folha de S.Paulo, a Secretaria de Comunicação (Secom) afirmou que a campanha “justifica-se pela necessidade de renovar as esperanças do brasileiro para que voltem a acreditar no Brasil com otimismo, vislumbrando um futuro melhor”.

Enquanto o faz de contas é acertado na Secom, em outro prédio da Esplanada dos Ministérios – de onde se pode tomar medidas efetivas que assegurem a vida real e devolvam a esperança de futuro à população – o foco continua o mesmo de antes da pandemia. Querem concluir o processo de privatizações, reduzir direitos trabalhistas, agora em especial dos servidores públicos, e acelerar as reformas do Estado, tornando-o mais fraco, mais atrativo aos grandes conglomerados internacionais e aos grandes rentistas. Eles, com quem de fato o governo tem seu compromisso.

É nisso que o Ministério da Economia concentra suas energias enquanto o país vive as consequências da maior crise sanitária e econômica da história recente. Não em encontrar formas para proteger a população em geral. Não em amparar os trabalhadores, as pequenas e médias empresas que estão falindo e um contingente enorme de desassistidos que padece diante de um cenário de mais de 70 mil mortes e desemprego.

Até mesmo o auxílio emergencial – o mínimo que poderia ser feito – além de demorar demais para chegar de fato às mãos da população, só atingiu valor razoável depois de muita pressão dos movimentos sociais.

Pressão pelo Brasil

E essa pressão vai continuar, especialmente por parte do movimento sindical. As cinco maiores centrais sindicais brasileiras elaboraram uma agenda de propostas com ações concretas para o enfrentamento emergencial das consequências da pandemia, focadas na preservação da vida, do emprego e renda.

Pensando no médio e no longo prazos, as centrais apresentam soluções voltadas para a retomada sustentável da economia. Na semana passada, o documento foi entregue ao Ministério da Economia, após um ato sem aglomeração em frente ao prédio, na Esplanada. O mesmo documento foi entregue dias antes ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Um dos pontos fundamentais da agenda é a garantia da prorrogação do auxílio emergencial no valor atual até o final deste ano. Nossa proposta é que ele seja o ponto de partida para a construção de um programa mais amplo de renda básica. O ideal é o que o auxílio seja mantido até acabar a pandemia, protegendo aqueles que tiveram perda parcial ou total de suas rendas.

Entre as medidas emergenciais estão também a ampliação da quantidade de parcelas do seguro desemprego até o final do estado de calamidade pública, sem tempo de carência para aquisição do benefício, além de medidas urgentes de proteção do emprego nas micro e pequenas empresas, apoio aos microempreendedores individuais (MEI), aos empreendimentos solidários e às empresas de tamanho médio.

Crédito para crescer

Uma das questões fundamentais é o acesso ao crédito. É preciso que as MPs 944 e 975, que instituíram alguns programas, incluam os microempreendedores e os MEIs, e também que esses recursos possam ser utilizados para capital de giro e investimentos.

Defendemos que o governo conceda crédito a fundo perdido, especialmente àqueles que necessitam fazer a reconversão dos seus negócios, medida que será fundamental em alguns setores. É necessário também criar linhas de crédito desenhadas especialmente para empreendimentos da economia solidária sob a forma jurídica de cooperativas e associações.

Ainda pensando em ações emergenciais, as pequenas e médias empresas, assim como os MEIs, precisam de programas e linhas de financiamento específicos destinados à assistência técnica e implantação de tecnologias para atender às novas demandas de comércio online e logística. É necessário investimento público para inovação e desenvolvimento tecnológico.

Mundo real

A retomada da economia, é certo, não virá com propaganda. No mundo real, o brasileiro só voltará a comprar, a investir e a fazer planos quando se sentir seguro. Isso só vai correr se ele souber que terá seu emprego preservado, sua pequena empresa em segurança. E que o Estado está fazendo tudo com competência e responsabilidade para conter a pandemia.

A agenda da retomada da economia terá de passar pelo fortalecimento dos sistemas públicos, que necessitam de investimento e atenção. A agenda que as centrais propõem para a retomada defende o investimento público em programas de ampliação do saneamento básico, da infraestrutura e da agricultura familiar. Também a implantação de programas de reconversão industrial, de reindustrialização e um amplo programa habitacional.

Público e para todos

Aliás, para aqueles que discordam da importância do setor público, este é bom momento para reflexão. Qual a importância do SUS para o enfrentamento da Covid-19? Como estaria sendo sem um sistema único e gratuito de atendimento? 

A pandemia não é um problema exclusivo do Brasil e suas consequências estão impactando as economias de todo o mundo. A grande maioria dos países, no entanto, já compreendeu o papel imprescindível do Estado nesse enfrentamento, mesmo as economias mais liberais. Esse é o caminho. Só assim teremos a retomada da economia e da esperança na vida real. Sem isso, só nos restará assistir ao Brasil da propaganda de TV. Com certeza será um belo Brasil, muito bem produzido, mas irreal.