Lugar de fala

Faz-se urgente a união de parlamentares negras de todo o país

União de parlamentares negras vai romper lógica da solidão e isolamento da mulher negra numa sociedade racista e machista

EBC
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Projetos de lei de parlamentares negras em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, visam combater o racismo estrutural que acomete os centros urbanos, a começar pelas homenagens feitas a escravocratas em nomes de rua, em bustos, logradouros e edifícios públicos

Vivenciamos fenômenos sociais que há muito tempo escancaram a precária realidade do negro no Brasil, principalmente das mulheres negras. A morte de Marielle Franco escandalizou a sociedade. E mostrou como é difícil ser mulher preta, de esquerda, defensora dos direitos humanos e lutar por justiça social dentro dos espaços políticos.

As mulheres negras, dentro e fora dos espaços de poder, estão expostas a todos os vieses do racismo: solidão, violência policial, silenciamento, encarceramento, exclusão dos espaços de decisão, menores salários e violência doméstica.

A pandemia não só agravou este cenário, como tornou ainda mais necessário esse debate no país que tem mais da metade da população, segundo o IBGE, de negros (pretos e pardos).

Relatório comprova

Recentemente, foi publicado o relatório Mulheres Negras Decidem – Para onde Vamos, que dispõe e acessa parte do universo das mulheres negras comprometidas com o debate de gênero e raça no país. Formulado pelo Instituto Marielle com Mulheres Negras Decidem, apoiado pelo Fundo de Equidade Racial Baobá, trata-se de um relatório potente. Mostra como a maioria das entrevistadas está de acordo com as enormes consequências sociais da pandemia. É uníssona a opinião de que vai ser fundamental lutar, agregar e aglutinar forças para a melhoria da saúde e da educação pública.

O relatório mostra que nós, mulheres negras, estamos conscientes disso: 89% das entrevistadas acreditam que é possível e urgente ampliar o debate do auto cuidado e saúde coletiva. E 76% acreditam no fortalecimento do ativismo e do protagonismo das mulheres negras, inclusive nos espaços de poder, conselhos municipais, legislativos e parlamentos.

Precisamos pavimentar nossos caminhos em união, redes e teias cada vez mais seguras para mudar este cenário durante e pós pandemia. Período em que ficou mais evidente o racismo estrutural, responsável pela alta taxa de letalidade do povo negro, principal público acometido pelas comorbidades que agravam a doença.

Voz da sociedade

Os projetos nos espaços políticos para a população negra devem ser cada vez mais levados à sério pelos parlamentares. A voz da sociedade deve ser escutada e levada adiante, orientada pela Constituição, pelos princípios democráticos e de justiça social.

A aliança de parlamentares negras no Brasil, ao lado das ativistas e daqueles comprometidos com a luta antirracista, precisa ser posta em prática. Vai ser um passo importante para criar uma plataforma digital com projetos de parlamentares negras e contribuições da sociedade civil.

Três capitais carregam o peso de terem sido as principais metrópoles com papéis históricos na construção social do país, e por isso, também, de suas desigualdades: São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Têm em comum um projeto que visa combater o racismo estrutural que acomete os centros urbanos. A começar pelas homenagens feitas a escravocratas em nomes de rua, por meio de bustos, logradouros e edifícios públicos.

Pertencimento

É preciso resgatar o pertencimento de uma população que foi oprimida e teve papel precioso na luta pela liberdade e pelos direitos sociais no Brasil.  Isto só é possível por meio do reconhecimento de nossa história. E fundamental para incentivar a continuidade da luta que travamos há mais de dois séculos por liberdade e igualdade.

Projeto dessa natureza foi apresentado por Erica Malunguinho, deputada pelo PSOL de São Paulo; Monica Francisco e Renata Souza, ambas deputadas estaduais no Rio de Janeiro; pela federal Talíria Petrone, e por mim aqui em Salvador, cidade cuja maioria da população é negra.

Como nos quatro projetos, sugiro que demais monumentos, bustos e nomes de logradouro deixem de ser homenagem e passem a estar no local certo: contextualizando nossa história em museus e memoriais pertinentes ao período escravocrata no Brasil. 

A única diferença é que o projeto de lei apresentado por mim pede a inclusão de artigos no Estatuto da Igualdade Racial e contra a Intolerância Religiosa de Salvador. Foi aprovado em julho de 2019 na Câmara Municipal.

Urgência

Das 57 mil cadeiras de câmaras municipais no Brasil, apenas 2,8 mil são ocupadas por parlamentares mulheres negras e pardas, conforme dados do TSE. Isso mostra a urgência de pensar uma ferramenta que permita o acesso aos projetos voltados para a população negra por setores da sociedade civil do país, por legisladores de outras câmaras municipais e demais parlamentos.

A união de parlamentares negras deve e vai romper a lógica da solidão e isolamento da mulher negra numa sociedade racista e machista. Por intermédio dessa união, poderemos construir projetos a mais mãos, fortalecendo ainda mais nossos propósitos e criando uma teia nacional fortalecida.

A pandemia nos revela que estamos no momento de pensarmos políticas públicas juntas, interligadas com todos os municípios e estados que estão nesta luta antirracista e contra a desigualdade social.

Um viva às mulheres negras e ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, reverenciado todo 25 de julho!

Marta Rodrigues, ativista feminista, mulher negra, 61 anos, é filiada ao PT. Foi presidente municipal do partido por duas gestões. Tem trajetória desde a década de 1980 na luta dos movimentos sociais e de base dentro da sigla nacionalmente. Atualmente, está em seu segundo mandato no legislativo de Salvador e é presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Democracia Makota Valdina