Desenvolvimento em foco

Refugiados no Brasil, em São Paulo e região metropolitana: desafios para o acolhimento

Xenofobia, discriminação e vulnerabilidade são empecilhos graves para o pleno desenvolvimento pessoal e social dos refugiados

Onu/Acnur
Onu/Acnur

Apesar de migrar ser reconhecido como um direito humano, nem toda decisão de migrar é livre. O refugiado, por exemplo, se vê obrigado a abandonar seu Estado de origem em razão de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, filiação a determinado grupo social ou das suas opiniões políticas. Este artigo resume nota técnica publicada na 18a Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Conjuscs). E aborda a situação dos migrantes e refugiados no Brasil, no estado de São Paulo, na capital e sua Região Metropolitana entre 2019 e 2020. Os dados foram retirados, especialmente, das pesquisas realizadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (Acnur). E também pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo Núcleo de Estudos de População Elza Berquó da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Conforme o Acnur, em 2019, existiam 79,5 milhões de pessoas em situação de deslocamento forçado no mundo, sendo 26 milhões classificadas como refugiados – ou em situação de refúgio. A maioria das pessoas refugiadas no mundo vem de Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Miamar e Venezuela. Comparando os dados sobre os países líderes na recepção de refugiados ou deslocados forçados, nota-se que o Brasil não está entre eles.  


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Conforme dados oficiais brasileiros, em 2019, o Brasil reconheceu 21.304 solicitações de refúgio dos 82.552 pedidos de reconhecimento da condição de refugiado no Brasil. Entre as solicitações em trâmite, 65,1% foram realizadas por cidadãos venezuelanos. O estado de Roraima concentrou os pedidos de solicitações de refúgio (56,72%). São Paulo, por sua vez, foi responsável por 8,5% das solicitações.

Considerada a totalidade das solicitações e do seus reconhecimentos, do início de 2011 ao final de 2019, o Brasil recebeu 239.706 solicitações de refúgio, sendo reconhecidas dentre estas somente 31.966. A maior parte desse reconhecimento foi realizado no ano de 2019, aos venezuelanos.

Refugiados em São Paulo

O relatório do governo federal também delineou o perfil apenas dos refugiados reconhecidos no Brasil. A maior parte dos refugiados no Brasil é do sexo masculino tem entre 25 e 39 anos. Isto é, em fase de início ou desenvolvimento de suas carreiras profissionais.

Em 2020, mesmo com a pandemia, o Acnur contabilizou 82,4 milhões de pessoas em situação de deslocamento forçado no mundo, dos quais 26.4 milhões eram refugiados. Com relação ao Brasil, por outro lado, houve uma diminuição expressiva de pedidos de refúgio. Foram 28.899 solicitações, cerca de 30% menos do que as solicitações realizadas em 2019. Mais de 40% foram consideradas procedentes e 96% das solicitações concedidas eram de cidadãos venezuelanos. Em 2020, o padrão das solicitações se repetiu, concentrando-se na região Norte os pedidos de solicitação de refúgio.

No estado de São Paulo, conforme pesquisa Nepo/Unicamp de 2020, a região metropolitana concentra quase três terços dos imigrantes em geral, vivendo especialmente na zona leste da capital e cidades vizinhas. Assim, em 2019, foram identificadas 29.254 pessoas vivendo nessas regiões comparado ao total de 40.586 no estado.


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Os dados obtidos com a pesquisa demonstraram um aumento de cidadãos em todo o mundo em busca do refúgio, asilo ou situações similares em outros países, boa parte em razão das crises político-econômicas, como ocorre na Venezuela, e de conflitos nos países de origem, como na Síria.

No estado de São Paulo, especialmente, na capital e Região Metropolitana, o perfil dos refugiados é de homens e jovens, em busca de trabalho. Por isso concentram-se em grandes centros urbanos e industriais.

Com a pandemia, inúmeras medidas de restrição para a contenção do COVID-19 foram implementadas no Brasil, fato que contribuiu para a abrupta diminuição das solicitações de refúgio no país. No entanto, em 2019, houve um número maior de reconhecimento se comparado com os últimos três anos.


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São muitos os desafios enfrentados pelos refugiados, sendo imprescindível o avanço na criação e implementação de políticas direcionadas para garantir o exercício de direitos básicos para essas pessoas.

O reconhecimento célere da situação de refúgio por parte das autoridades brasileiras, a criação de indicadores específicos para identificar as necessidades, características e a cultura dessa população seriam passos importantes para o embasamento de políticas públicas locais e regionais de refúgio mais eficazes, a fim de garantir aos refugiados o exercício de seus direitos básicos e um efetivo processo de acolhimento e integração.

Além desses pontos, destaca-se a necessidade de se criarem mecanismos de acompanhamento e aconselhamento profissional especializado para esses refugiados homens e jovens que, em muitos casos, têm escolaridade e exercem profissão em seus estados de origem. Mas em razão do desconhecimento da língua portuguesa e da falta de um  aconselhamento direcionado têm mais dificuldade de buscar um trabalho compatível com suas expertises e em locais em que há uma demanda específica. Assim, seria garantido aos refugiados, além do direito ao trabalho, o direito à educação para aprofundar ou aperfeiçoar estudos.

Outro problema enfrentado pelos refugiados ainda é a dificuldade de acesso aos serviços básicos, inclusive de saúde.

Conclui-se, portanto, que a xenofobia e a discriminação e a especial vulnerabilidade constituem empecilhos graves para o pleno desenvolvimento pessoal e social dos refugiados. “Com a exclusão, menos fruição de direitos, mais exposição à violência, ao tráfico de pessoas e órgãos, à exploração do trabalho, à exploração sexual.”

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Daniela Bucci é doutora em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo e coodenadora do Observatório de Violação de Direitos Humanos da Região do Grande ABC (ODHUSCS)

Maiara Matricaldi é graduanda em Direito na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Uscs) e aluna pesquisadora do ODHUSCS

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