Protestos

Espanto e indignação resumem as redes sociais sobre Sergio Camargo na Fundação Palmares

Até na família houve quem se manifestasse "envergonhado" pela nomeação do jornalista, conhecido por desprezar as lutas do movimento negro. "É mais uma violação desse desgoverno de Bolsonaro", afirma deputada

Irmão de Sérgio Camargo, o produtor Wadico Camargo, disse "ter vergonha de ser irmão desse capitão do mato". O novo presidente é filho do jornalista e militante da causa na literatura, Oswaldo Camargo

São Paulo – A nomeação do jornalista Sergio Nascimento de Camargo provocou uma onda de manifestações indignadas com a nomeação do jornalista e militante bolsonarista para a Fundação Palmares. A escolha foi oficializada nesta quarta-feira (27). Camargo substituirá Vanderlei Lourenço na presidência do órgão responsável pela formulação de ações e políticas públicas em favor da cultura afro-brasileira.

O jornalista é conhecido por uma coleção de discursos que relativizam a escravidão no Brasil, tendo já afirmado que não existe “racismo real”, que o movimento negro precisa ser extinto e o Dia da Consciência Negra “precisa ser abolido”, entre outras declarações ofensivas e de ataque a lideranças e personalidades na luta antirracista, como Angela Davis. Nas redes sociais, Camargo se diz “negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Segundo ele, a escravidão “foi benéfica aos seus descendentes”, e um dos símbolos da resistência negra contra a escravidão,  Zumbi dos Palmares, seria um “bandido ou defensor de bandido” no Brasil de hoje. Além de posicionar contrário às ações afirmativas como as cotas raciais, “são mais do que um absurdo”, avaliou.

Para o escritor Ale Santos, existe material suficiente para processar e impugnar a nomeação. Autor do livro Rastros de Resistência – Histórias de luta e liberdade do povo negro, Santos afirma que o novo presidente “não tem conhecimento” e “é puro ódio dirigido aos próprios negros”. “Está na hora das instituições da república interferirem nesse escárnio do governo”, cobrou pelo Twitter o escritor.

O novo presidente já antecipou que a Fundação Palmares irá atender aos preceitos bolsonaristas, que não divergem dessa posição de “negação” da história. “Grandes e necessárias mudanças serão implementadas na Fundação Palmares. Sou grato a Deus por essa oportunidade. Minha atuação à frente da Fundação será norteada pelos valores e princípios que elegeram e conduzem o governo Bolsonaro”, escreveu em suas redes.

Nesta quinta-feira (28), o Psol entrou com representação no Ministério Público Federal contra a nomeação de Camargo. “É evidente que quem relativiza o racismo e ataca e ofende lideranças negras não pode estar à frente do órgão que fomenta a cultura afro-brasileira”, afirmou o deputado David Miranda (RJ).

Interesses pessoais

A nomeação acompanha outras novas indicações que atenderiam aos interesses pessoais do secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, que recentemente assumiu a pasta vinculada hoje ao Ministério do Turismo. Além da Fundação Palmares, a Secretaria do Audiovisual e a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura tiveram novos dirigentes escolhidos nesta quarta.

Em defesa de Jair Bolsonaro, Camargo já atacou inclusive a memória da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018 e cujas investigações indicam motivações políticas executadas por milicianos, associados com diversas ligações ao clã da família Bolsonaro. A mais recente mostrou que um dos suspeitos de matar Marielle, Élcio Queiroz, teria entrado no condomínio onde o também acusado pela morte Ronnie Lessa é vizinho do atual presidente da República. A proximidade veio à tona depois do porteiro do condomínio de Lessa e Bolsonaro afirmar que Élcio teria sido autorizado a entrar na residência pelo presidente, no Rio de Janeiro. A ligação, no entanto, foi negada pelo Ministério Público fluminense. Na época do caso, o militante rebateu as informações dizendo ser “inacreditável que tenham tentado ligar nosso presidente ao assassinato dessa mulher sem valor” E emendou: “É preciso que Marielle morra, só assim ela deixará de encher o saco!”.

Para a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ), amiga de Marielle, a nomeação de Camargo “representa o ápice do que a ideologia do embranquecimento pode fazer”. “Ao mesmo tempo que nega as estruturas racistas da nossa sociedade, se presta ao papel de cabo do chicote em busca de alguma migalha da casa-grande”, acrescentou. A parlamentar Áurea Carolina (Psol-MG) lembrou que a Fundação Palmares é uma conquista da luta do movimento negro, agora “ferida de morte”. “Camargo é mais uma peça na engrenagem de ataque  e violação de direitos que o desgoverno Bolsonaro vem impondo ao Brasil”.

Até na família

Irmão de Camargo, o músico e produtor cultural Oswaldo de Camargo Filho, o Wadico Camargo, também usou as redes sociais para protestar contra a nomeação. “Tenho vergonha de ser irmão desse capitão do mato”, declarou. Wadico e Sérgio são filhos do jornalista Oswaldo de Camargo, conhecido por fazer a militância na literatura, como costuma descrever. Oswaldo é poeta, contista, romancista, pesquisador e, aos 83 anos, é coordenador de literatura do Museu Afro Brasil.

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