CINEMA DE RESISTÊNCIA

Documentário reúne histórias de cidadãos que lutam por moradia em São Paulo

Produção em fase final vai apresentar a voz que não ressoa na mídia, das pessoas que vão para as ocupações sem alternativa para sobreviver

Ennio Brauns
Ennio Brauns
As primeiras gravações foram realizadas no acampamento Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo, na região do ABC: mobilização vitoriosa em um momento em que o país começava a assistir ao massacre de direitos

São Paulo – A criminalização e perseguição dos movimentos sociais organizados para a luta por moradia e outros direitos fundamentais são flagrantes no Brasil governado por Jair Bolsonaro. Com base em uma retórica que renega as diferenças sociais, governo e mídia comercial atendem aos interesses da especulação imobiliária, e dão visibilidade à questão da moradia como algo meramente mercantil, um direito que deveria ser de todos – ponto de partida para o exercício dos demais direitos de cidadãos, como estudar, trabalhar, se informar, se alimentar –, mas está ao alcance apenas de quem tem recursos e capacidade para contrair financiamento bancário.

“A luta por direito à moradia é uma luta eterna e as experiências que o povo brasileiro construiu nessa trincheira são diversas e desde o início apontam a forma desigual e injusta como foram formadas e se desenvolveram as cidades brasileiras”, afirma o professor Jonathan Constantino, que assina a direção e argumento do documentário Que povo é esse?, junto com o jornalista e fotógrafo Ennio Brauns.

Com previsão de ser lançado este ano, o documentário se propõe como um antídoto para o discurso homogêneo da mídia, que impõe a todos a visão das classes abastadas. No sentido inverso, o documentário dá vazão à voz dos movimentos por moradia. “Queremos mostrar pessoas que falam em primeira pessoa sobre suas necessidades, quais as razões que as fizeram ir morar em uma ocupação, quais as experiências e aprendizados que tiveram ali, que desafios enfrentam ou enfrentaram. A proposta do filme é dar voz e rosto a essas mulheres (que são a maioria nas ocupações) e homens trabalhadores que resistem nessa luta e buscam melhores condições de vida para si e suas famílias”, afirma Jonathan.

O filme vem sendo realizado há dois anos, colecionando histórias encontradas em diferentes formas de ocupação de moradia na região metropolitana de São Paulo. As primeiras gravações foram realizadas no acampamento Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo, na região do ABC, uma mobilização vitoriosa em um momento em que o país começava a assistir ao massacre de direitos que marcou o governo de Michel Temer e prossegue com Bolsonaro.

Agora, o filme entra em  fase de acabamento e precisa acelerar, até março, uma campanha de arrecadação de fundos no Catarse para viabilizar os trabalhos na ilha de edição.

Segundo Jonathan, os recursos “serão utilizados para garantir a finalização do documentário, a produção e entrega das recompensas a todos que colaboraram com o crowdfunding e o custeio de algumas dívidas que ficaram pelo caminho, já que o trabalho dos últimos dois anos foi desenvolvido com recursos próprios das pessoas envolvidas na direção e produção”.

“São pessoas que ao se verem obrigados a escolher entre o aluguel, o transporte ou a alimentação, sua e da família, tem que eliminar um dos três para sobreviver”, afirma o texto de apresentação da campanha. O filme dialoga com os atuais movimentos urbanos que organizam as lutas dos trabalhadores por moradia digna e serviços públicos de qualidade, buscando compreender sua história, suas práticas e sua visão de sociedade.

O título Que povo é esse? sugere que o filme vai dissipar a visão preconceituosa sobre o povo que luta por moradia, algo que se mostra em voga sobre o Brasil governado por Bolsonaro.

“Pensar a moradia das pessoas, o teto sob o qual elas vão descansar, tem a ver com pensar a cidade onde essa moradia está inserida e que a cidade é um reflexo das contradições sociais, uma fotografia da luta de classes. Quando falamos deste governo em específico, temos que considerar que as políticas públicas de habitação vem sendo extintas (como tem acontecido com o programa Minha Casa Minha Vida)”, diz Jonathan.

“Uma das primeiras medidas do governo foi acabar com o Ministério das Cidades (no qual eram pensadas e planejadas ações relacionadas a uma política urbana mais ampla)”, observa o diretor, ao denunciar que tem aumentado cotidianamente a criminalização e perseguição dos movimentos sociais.

Confira o teaser do documentário