contra a fome e para o futuro

MST lança plano emergencial de reforma agrária: ‘Vamos reerguer o Brasil com os trabalhadores’

Diante das consequências da pandemia, movimento divulgou conjunto de medidas por trabalho, alimentação, moradia e vida digna. E destaca impactos positivos da reforma sobre as famílias do campo e das cidades

MST/divulgação
MST/divulgação
Principais eixos do plano é são assentar famílias, gerar renda e alimentar a população

São Paulo – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançou nesta sexta-feira (5) seu Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular. A entidade avalia a proposta como uma das principais ferramentas para superar a crise social e econômica agravada pela pandemia do novo coronavírus. 

Segundo o MST, o objetivo é superar o quadro de insegurança alimentar, o modelo do agronegócio e a concentração desigual de terras. E, com isso, favorecer a criação de empregos a partir de um novo modelo de produção que garanta alimentos saudáveis e sem veneno na mesa dos brasileiros. 

“O nosso programa de reforma agrária passa a ser uma alternativa para superar essa crise que estamos vivendo”, destacou Roberto Baggio, da direção nacional do MST no Paraná, durante o lançamento do plano em debate virtual, acompanhado de Débora Nunes, da direção em Alagoas. Eles ressaltaram a dimensão da reforma e seus vínculos com o mundo urbano. 

“Já passou do tempo de quem está na cidade achar que o problema da reforma agrária e da terra é algo exclusivo de quem está no campo. A sociedade brasileira vive e sente as consequências daquilo que acontece no campo. A expulsão de famílias de suas terras e o êxodo rural atinge quem está na cidade, com o inchaço (populacional), a falta de moradia”, afirma a dirigente. 

Há 36 anos na luta pela reforma agrária no país, o MST propõe dessa vez a combinação da demanda histórica com medidas emergenciais para lidar com os custos humanos causados pela Covid-19. Construído em quatro pilares, o plano se apresenta como um modo para lidar com as necessidades humanas e garantir, sobretudo, dignidade à vida. 

Terra e trabalho 

A proposta de terra e trabalho é um dos eixos centrais do plano emergencial. Integrante da coordenação nacional do MST, Kelli Mafort explica, em entrevista ao site do movimento, que é fundamental assentar as famílias da reforma agrária. Principalmente porque o país conta com uma quantidade enorme de terras disponíveis.

Kelli Mafort, da coordenação nacional (Arquivo MST)

“Um dos temas que está lá no nosso plano, neste item de terra e trabalho, é a arrecadação imediata das terras públicas devolutas e a destinação para a reforma agrária. Nós temos também diversas empresas que têm dívidas com a União por sonegação fiscal. Entre estas empresas, 729 empresas detém, em conjunto, 6 milhões de hectares de terra e devem um montante de 200 bilhões de reais para os cofres públicos”, comenta Kelli. 

O quesito ainda agrupa a demanda pelo assentamento de famílias próximas a centros urbanos. Além de exigir a imediata suspensão dos despejos e reintegração nesse momento em que as pessoas precisam ter um teto para cumprir o isolamento social. O MST também aponta a necessidade de que sejam assegurados aos povos indígenas e quilombolas a demarcação e o reconhecimento de seus territórios. 

Produção saudável 

No segundo item do plano, a cobrança é pela garantia da produção de alimentos saudáveis. Desde o início da pandemia, o MST encontra na política de solidariedade uma forma de lutar contra os impactos sociais da covid-19. Ao menos 17 estados contam com pontos de ações e de doação de alimentos. Mas a coordenadora pondera que para essa produção farta continuar ocorrendo é preciso estímulo e investimentos na ponta. 

“Nós defendemos a retomada do Programa de Aquisição de Alimento (PAA) que foi sucateado durante o governo Temer e também pelo governo Bolsonaro”, contesta Kelli. “A segunda medida é que o Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), seja assegurado também agora durante a pandemia.” 

A proposta de produção de alimentos também chama atenção para que, em meio à pandemia, sejam liberados recursos para um plano nacional de agroecologia. E cobra uma linha de crédito especial desburocratizada. 

Proteger a natureza

O movimento também cita a importância de zelar pelos bens naturais do país e incentivar o plantio de árvores e a proliferação da agroflorestas. Neste terceiro quesito, o MST destaca que a produção de alimentos só pode ocorrer dentro de um equilíbrio entre preservação ambiental, enfrentando as mudanças climáticas. Além de, principalmente, se opor à política de desmonte e de estímulo ao uso de agrotóxicos do governo de Jair Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles.

Dignidade no campo

“Temos que garantir para as populações no campo de assentamentos e acampamentos, moradia digna para que também a juventude permaneça no campo. E não permitir que nenhuma criança esteja desassistida neste processo de pandemia em relação às escolas do campo” propõe a coordenadora nacional. No último eixo do plano, o MST faz referência à continuidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). 

A proposta também levanta a preocupação com o aumento da violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos e pessoas LGBTs. E cobra políticas públicas voltadas à realidade rural e que dêem conta da necessidade de canais e mecanismos de denúncias eficientes. 

O plano se encerra defendendo o fortalecimento e ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS) para os trabalhadores rurais, especialmente nas equipes de saúde da família.

“Esse plano é uma proposição do MST, mas ele não é só nosso e não pode ser uma tarefa apenas do MST. Fazer o debate e compreender a natureza do plano e da reforma agrária popular, e os caminhos e os passos necessários para que a gente possa sair construindo e conquistá-lo, é uma tarefa de toda a sociedade”, adverte Débora Nunes no lançamento virtual. 

Reparação histórica

A apresentação do plano também foi marcada pela participação de diversos artistas e personalidades políticas e da luta, entre elas, a cineasta Anna Muylaert. Em sua intervenção, a diretora e roteirista do premiado Que Horas Ela Volta? questionou se o assassinato do homem negro George Floyd – morto de forma brutal por um policial branco nos Estados Unidos – e os consequentes protestos globais contra o racismo poderiam impulsionar a nação brasileira a compreender a importância da reforma agrária. 

Na pergunta, a cineasta resgatava a Lei de Terras, datada de 1.850, que determinava que toda a aquisição de propriedade no país se desse em leilões, garantindo-a a quem ofertasse o maior lance. O que excluiu negros e negras – ainda escravos – do mercado de terra.  

Para Roberto Baggio, toda essa perversidade histórica contra essa população comprova “que além de concentrar renda e riquezas, o capitalismo é na essência um sistema violento, de assassinato, de punir e prender os que lutam e se organizam”. “Não temos dúvida nenhuma que esse caldo de resistência, de luta pela soberania e preservação da vida, é uma caldo que vai crescer para que a luta popular se enraíze em todo o território nacional, em todos os rincões”, ressalta. 

Brasil dos trabalhadores

O dirigente ainda destaca a adesão do MST pelo movimento #ForaBolsonaro. “A nossa tarefa nesse contexto é reconstruir um projeto para o Brasil. E, nesse projeto para o Brasil, a reforma agrária é um componente. A gente sai dessa crise com um grande programa de reforma agrária, geração de milhões de empregos para a população urbana, para que dê condição de trabalhar e comer e que também se alimente. A gente quer reconstruir um estado protetor das políticas públicas, que nos ajude a garantir a saúde e a educação para todo o seu povo. E a ideia é que todas as pessoas participem desse processo. Vamos reerguer o Brasil dos trabalhadores com os 150 milhões de trabalhadores. São esses que vão ajudar a erguer o Brasil”, finaliza Baggio. 

Ao longo desta sexta, as organizações apresentam seus planos em ações simultâneas em mais de 21 estados. A programação pode ser vista pelas redes sociais do MST. 


Leia também


Últimas notícias