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STF abre julgamento de medidas de proteção a indígenas contra a covid-19

Ação busca corrigir “falhas e omiissões do poder público” na proteção dos povos indígenas, cada vez mais em risco de extermínio, agravado pela pandemia

Alex Pazuello
Alex Pazuello
"Esta ação é a voz dos povos indígenas. É o grito de socorro", disse o advogado indígena Luiz Henrique Eloy Amado

São Paulo – O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou hoje (3) a julgar processo relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, de proteção dos povos indígenas ante a ameaça da covid-19 e a falta de ações do governo Bolsonaro para esses povos. A decisão cautelar provém da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos de oposição: PCdoB, PDT, PSB, Psol, PT e Rede.

“O pedido tem como objeto falhas e omissões do poder público no combate à pandemia da covid-19 entre os povos indígenas com alto risco de contágio e mesmo de extermínio”, disse Barroso, ao detalhar sua decisão favorável como relator. Nesta tarde, além dele, foram ouvidas partes interessadas no processo a respeito de pedidos objetivos em assistência aos indígenas que sofrem com a ausência de políticas públicas voltadas à proteção sanitária, como evidenciado também por documento do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) para a ONU. Os demais ministros devem proferir voto sobre o tema na quarta (5), às 14h.

As medidas

“O pedido inclui a criação de barreiras sanitárias, a instalação de sala de situação, a retirada dos invasores das terras indígenas, o acesso de todos os indígenas ao subsistema indígena de saúde e a elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da covid-19”, explicou o ministro. Barroso ressaltou a importância do deferimento no sentido de abrir um debate entre os três poderes e os povos indígenas frente à maior crise de saúde dos últimos 100 anos.

A decisão do ministro indica, no sentido de participação dos povos atingidos, integrantes indígenas para a sala de situação e para o grupo de trabalho. Esses instrumentos devem funcionar como conselhos mistos entre poder público e sociedade civil para o gerenciamento das ações efetivas a serem adotadas.

Barroso ainda teceu críticas à condução da questão ambiental e indígena por Bolsonaro, e ressaltou a questão territorial. “O governo, por decisão política do presidente, uma decisão contestável em face da Constituição, tem afirmado que não homologará mais um centímetro de terra indígena. Que não é uma questão de política discricionária, mas uma questão constitucional.”

A posição bolsonarista coloca ampla parcela dos povos indígenas em risco. “Se o governo não vai mais homologar terras indígenas, ele também diz que os não aldeados não receberão tratamento médico adequado. A contradição é visceral. Me parece por bem estender o atendimento de Saúde às comunidades aldeadas, ainda que em terras não homologadas”, completou.

Território e história

Representando a Apib, o advogado Luiz Henrique Eloy Amado defendeu a importância da pauta. “Esta ação é a voz dos povos indígenas. É o grito de socorro. Esta iniciativa é uma ação histórica. Pela primeira vez os povos indígenas vêm ao Judiciário em nome próprio, com advogado próprio e em defesa do interesse próprio”, disse.

A defesa dos territórios indígenas e do respeito à ancestralidade e às tradições destes povos são lutas intrínsecas à defesa da vida indígena no contexto de pandemia. “Não há espaço para protelar o debate sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas. Para se proteger as vidas indígenas, faz-se necessário proteger os territórios. É preciso entender que proteger os povos indígenas é dever do Estado brasileiro”, completou Eloy.

“Este vírus chegou em nossas aldeias. A história se repete. No período da ditadura (1964-1985) doenças foram utilizadas como forma de extermínio dos povos indígenas, conforme aponta relatório da Comissão Nacional da Verdade. Agora, essa pandemia assola comunidades indígenas. Desde a precariedade do sistema de saúde, à negativa de atendimento de indígenas e ao desrespeito à biodiversidade dos territórios”, argumentou o advogado de origem indígena.

Muitas culturas indígenas carregam a ancestralidade como eixo central do desenvolvimento sócio-cultural. O grupo que corre maior risco com a covid-19 é justamente o das pessoas mais velhas. Este impacto é dilacerante dentro do contexto originário. “Nossas lideranças estão morrendo; nossos anciões, nossos troncos vivos, guardiões da cultura e dos saberes tradicionais estão indo”, disse Eloy.

Política genocida

Durante sua sustentação, o advogado e representante do PDT Lucas de Castro Rivas endureceu o discurso contra o governo Bolsonaro. Em sua avaliação, trata-se muito mais do que omissão na atenção a esses povos. “Estamos diante de uma verdadeira política de extermínio dos povos indígenas, patrocinada pelo Estado brasileiro”, disse.

“Não é coincidência que da última vez que se teve notícia de um crime contra a humanidade em território nacional, encontrávamos no eclipse do poder civil, durante a ditadura”, argumentou.

“Hoje, a pandemia é apenas uma desculpa (…) militar não é gestor de saúde, muito menos de saúde indígena. O Estado brasileiro desmontou seus serviços públicos de atenção aos indígenas”, completou, ao fazer referência ao desmonte do Incra, da Funai, e da condução do ministério da Saúde por um ministro interino desde 15 de maio, o general Eduardo Pazzuelo.

Pelo Instituto Socioambiental (ISA), a advogada Juliana de Paula Batista destacou ações governamentais que fragilizam o direito à terra indígena. “O governo tem editado atos infralegais cujo objetivo é consolidar o entendimento de que apenas terras homologadas por decreto do presidente são terras indígenas. Com isso, o governo abre caminho para que particulares invadam terras não homologadas”, disse.

O advogado do PCdoB Paulo Machado Guimarães reafirmou a contextualização de Rivas e Juliana no sentido de explicitar uma posição do governo federal de omissão e ataques aos povos indígenas. “Essas medidas voltadas à contenção de uma pandemia tão grave precisam ser consideradas gravemente (…) Não fosse essa cautelar, a interlocução entre agentes públicos e comunidades indígenas não teriam ocorrido até o momento.”

Apelo

Antes do início do julgamento, o fotógrafo Sebastião Salgado se pronunciou a respeito do tema. Ele cobrou a aprovação da medida cautelar relatada por Barroso. ‘Não é só necessário hoje socorrer as comunidades criando este cordão sanitário de proteção (…) como também a expulsão dos territórios indígenas dos invasores’, disse”. Confira:


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