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Na quarentena, vamos provar vinhos diferentes?

Dê uma chance ao vinho nacional, especialmente agora. A indústria precisa de ajuda devido à parada na economia e em nossas vidas

Pixabay | Arte RBA
Pixabay | Arte RBA

Nós, brasileiros, ainda estamos aprendendo a amar vinho. O consumo per capita por aqui fica em 1,7 litro por pessoa anualmente, segundo dados de 2018 da OIV (Organização da Vinha e do Vinho, em português). Em Portugal, uma pessoa consome 51 litros da bebida por ano. Do vinho consumido aqui, quase 50% corresponde ao de mesa, aquele adoçado artificialmente e feito com uvas chamadas americanas, enquanto o consumo de vinhos finos é de cerca de 24%.

Veja bem: estou falando de consumo per capita. Quando se trata do mercado em geral, a conta é outra. Os Estados Unidos são o maior mercado consumidor de vinho do mundo, seguido por França, Itália, Espanha, Alemanha e China (sim, os chineses!). O Brasil ocupa a 17ª posição. O maior produtor é a Itália.

Mas, como eu ia dizendo, nós brasileiros ainda estamos engatinhando nesse mercado, e muita coisa melhorou nas últimas décadas. A produção nacional está melhorando a cada ano que passa, graças a gente especializada que chegou aqui de outros países, além de novos empreendedores, muitos vindos de outras áreas, e as escolas de enologia que surgiram para formar mão de obra qualificada. O desafio, contudo, é chegar ao consumidor, especialmente os mais jovens e os fãs de cerveja.

Sem regras

Fora a questão cultural (somos mais cervejeiros que fãs de vinho), um dos impeditivos para que isso ocorra é que o mercado de vinho, há anos, padece da gourmetização. Há muitos “enochatos”, aquele tipo de gente que impõe tantas regras para tomar vinho, que acabam afastando os consumidores.

Para degustar vinho, você não precisa tornar-se um chato. Basta beber o vinho de que você gosta, sem frescura de taças, de deixar a garrafa respirar, de usar decanter desnecessariamente, de pagar muito caro por isso etc. etc. Deixe a chatice para quem trabalha com isso! O importante é que você beba vinho, pois, especialmente em época de quarentena, enleva a alma, acalma a sensação de solidão, além de fazer bem à saúde (sem exageros, claro, pois aí é alcoolismo). 

Dito tudo isso, quero focar em uma coisa: você já deve ter percebido que há uma infinidade de vinhos disponíveis por aí, o que acaba confundindo na hora da escolha. Há muitos tipos, de muitos países, de castas distintas. E há diversos tipos de vinhos: branco, tinto, rosé, espumante, fortificado, varietal e de corte… Nature, Brut, Démi-Sec etc. etc. Há os jovens, de guarda, envelhecidos em barrica não sei quantos anos. E há vinhos que compramos e que ainda nem estão prontos.

Zona de conforto

Bem, há muitos, muitos vinhos, de todas as partes do mundo. Mas, há anos, nós recebemos uma enxurrada de vinhos chilenos, especialmente da trilogia das Santas (Santa Helena, Santa Carolina, Santa Rita) e, do outro lado, tem o “Armário do Diabo” também (Casillero del Diablo). Aí, nós nos acomodamos nessa zona de conforto (veja bem: isso não é uma crítica, mas uma constatação).

E quando falamos das castas? “Ah, Cabernet Sauvignon!”. A maioria dos meus amigos simplesmente ama Cabernet Sauvignon, pelo fato de não se abrirem para outras variedades. Há inúmeras uvas usadas na produção de vinho. Nem sei dizer quantas, mas há muitas (estou falando da espécie Vitis vinifera, ok?, usada para fazer o vinho fino). Aqui entra outra classificação: para um vinho brasileiro ser considerado varietal, ele precisa ter 75% daquela variedade na composição do vinho. Isso significa que, quando você vai ao mercado e está escrito no rótulo “Malbec” ou “Cabernet Sauvignon”, significa que boa parte do que está na garrafa foi feito com essa ou aquela uva. Isso muda em outros países. Em sua maioria, os vinhos vendidos são de corte, ou seja, um blend de várias uvas (alguém já ouviu falar do corte Bordeaux? Este é assunto para outra coluna). 

Voltando à Cabernet Sauvignon, não tenho nada contra ela, pelo contrário. Quando de boa qualidade, dá vinhos ótimos! Mas vamos dizer que a CS é o chuchu das uvas finas: dá em qualquer cerca. Exageros à parte, das viniferas, é a uva mais plantada no mundo, porque uva fina é muito chata, exige muitos cuidados, são muito suscetíveis a pragas. A CS é um pouco mais resistente, daí o seu sucesso. Essa varietal é conhecida por um composto chamado pirazina, o mesmo do pimentão verde (por isso que tem rótulo que fala “aroma de pimentão verde”. Sacou?!?). Se não tiver uma boa maturação, dará vinhos com essas características. Agora, se tiver uma boa maturação, dará uns vinhaços!

Sem preconceito

Enfim, nesta nossa primeira conversa, quero propor-lhe o seguinte: da próxima vez que for ao supermercado, tente provar algo diferente, sem medo. Abra-se! Essa é a melhor forma de educar o seu paladar. E, por favor, liberte-se do seu preconceito contra vinhos brasileiros. Eu lhe garanto: nossa produção está melhorando ano após ano. Há rótulos produzidos aqui sendo premiados internacionalmente e já não precisamos provar nada para ninguém quando o assunto são nossos espumantes.

Veja bem, não tenho nada contra vinhos chilenos, pelo contrário. O Chile é um país tradicional na produção de vinho e há muita coisa boa por lá. Mas preciso dizer-lhe uma coisa: muito do que chega ao mercado brasileiro de países vizinhos é refugo de produção, e você acha que está comprando um vinho chique, por ser chileno, argentino ou português, e não é.

Vamos dar uma chance ao vinho nacional, especialmente agora que a indústria vitivinícola vai precisar da nossa ajuda por causa dessa parada geral na economia e em nossas vidas.

Há muita gente séria e batalhadora fazendo de tudo para levar um bom vinho à mesa do brasileiro. Acredite nisso.


Adriana Cardoso é jornalista há mais de 20 anos, apaixonada por vinho antes mesmo de graduar-se em Viticultura e Enologia pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus São Roque, em 2019. Atualmente faz estágio na vinícola Villa Francioni, na Serra Catarinense. Quer comunicar de modo claro o mundo maravilhoso do vinho, ajudando a desmistificar preconceitos e dando um “xô!” na gourmetização