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Os doces

Com açúcar, com afeto: saiba mais sobre o vinho, bebida coringa que vai bem com tudo

Diferente de outras bebidas, o vinho pode acompanhar uma refeição inteira, até a sobremesa. Sempre acompanhado de água

Pixabay | Arte RBA
Pixabay | Arte RBA

O vinho é uma bebida coringa. Diferentemente das demais, ele pode acompanhar uma refeição inteira, até a sobremesa. Ah, claro, você não precisa estar comendo nada para degustá-lo, mas é sempre salutar sugerir não beber de estômago vazio, para o bem do fígado. E água, por favor! Para cada taça de vinho, é recomendável uma de água, para diluir o álcool e, assim, não judiar muito desse órgão tão importante.

Na coluna anterior falei sobre os tipos de espumantes, classificados conforme o teor de açúcar. Nesta eu falarei dos vinhos naturalmente doces para acompanhar as sobremesas ou para serem degustados apenas como aperitivo.

De modo geral, esses vinhos são feitos com uvas naturalmente mais doces. Além disso, a fruta é deixada no pé até que atinja o grau máximo de dulçor necessário para a produção dos vinhos desse estilo. Isso significa que alguns deles, como o do Porto, terão grau alcoólico bem alto também, de uns 14 podendo chegar a até 21.

Por essa razão, você não deve abusar muito deles. Um cálice de 40 a 50 ml para acompanhar a sobremesa ou dar um fecho na refeição é suficiente. Mais que isso corresponde a problemas na certa.

Os mais conhecidos

Colheita tardia (Late harvest): são produzidos com uvas sobremaduras, ou seja, a uva é deixada no pé até que fique um pouco desidratada e, assim, concentre mais açúcares. São fermentados parcialmente, o que significa que a fermentação é paralisada quando o mosto atinge determinado grau alcoólico, de modo a não permitir que todo o açúcar seja consumido pelas leveduras e transformado em álcool. Nesses vinhos, o equilíbrio entre a acidez e teor de açúcar é extremamente importante, para que a bebida não se torne muito enjoativa.

Botrytizados: nos vinhos deste estilo, as uvas também são sobremaduras e, em consequência de razões climáticas, como a umidade, desenvolvem o fungo Botrytis cinerea (“podridão nobre”) na fase final de amadurecimento. Esse fungo, que não faz mal algum à saúde, ajuda a concentrar açúcares e glicerol, um composto orgânico de sabor adocicado, além de propiciar a formação de acidez e aromas muito especiais. Um dos exemplos desse estilo de vinho são os franceses Sauternes, da região de Bordeaux. Trata-se de um vinho branco doce com teor alcoólico de 14%.

Passificados: são produzidos com uvas sobremaduras que, após serem colhidas, são colocadas para passificar ou secar, num processo similar à produção da uva passa, com a finalidade de concentrar açúcares. Quem já ouviu falar do italiano Amarone de Valpolicella? Pois ele é um exemplo desse método.

Fortificados: o brasileiro está mais familiarizado com esse tipo de vinho, afinal, o famigerado Vinho do Porto representa esse grupo. Aqui, a fermentação é interrompida pela adição de álcool vínico, nada mais nada menos que uma aguardente. Como o teor alcoólico é elevado, as leveduras param de agir e, assim, a doçura do vinho é mantida. Outro exemplo desse vinho é o espanhol Jerez (ou Xérèz ou Sherry), da região de Jerez de la Frontera, que tem um sabor e aroma bastante peculiares, graças ao amadurecimento em barrica com um fungo conhecido como “flor”, conferindo-lhe aroma e sabor bastante peculiares.

Ice wine (vinho congelado): esse estilo de vinho é produzido principalmente em países de clima frio, como Canadá, Alemanha e Estados Unidos, onde as uvas sobremaduras são colhidas com os bagos muito congelados (temperaturas abaixo de zero), o que propicia uma concentração bem grande de açúcares. No Brasil, algumas vinícolas têm se arriscado a produzi-lo, mas a oferta ainda é pequena. Além do congelamento natural no pé, há uma técnica chamada crioextração, que é o congelamento das uvas em câmaras frias. No entanto, como o rendimento é baixo e a produção cara, os preços desses vinhos costumam ser salgados.

Refermentação

Como já disse em artigos anteriores, e não custa insistir, esses vinhos são feitos com uvas da espécie Vitis vinifera, utilizada para elaborar vinhos finos. Não confunda os vinhos tratados aqui com os denominados suaves, que no Brasil são feitos com uvas de outra espécie (americanas) e adoçados artificialmente.

Algumas pessoas que leram minha coluna anterior ficaram com dúvidas em relação à adição de açúcar artificial nos espumantes e vinhos em geral, perguntando-me se não havia o risco de ocasionar uma refermentação neles. Sim, isso é sempre um risco na indústria vitivinícola, mas há meios de driblar esse problema.

Como eu expliquei lá, os vinhos tintos secos podem ter um açúcar residual, que são aqueles açúcares não consumidos pelas leveduras, cujo limite é de até 4 gramas por litro (se estiver em dúvidas, volte lá na coluna) para que se enquadrem na legislação dessa categoria. Neste tipo de vinho, o açúcar nunca é adicionado no final. Do modo como ele sai da vinícola, ele vai para o consumidor.

Já nos espumantes, nos suaves e em alguns vinhos de sobremesa é possível, sim, adicionar a sacarose, o nosso açúcar branco.

Como vocês viram acima, no fortificado é adicionada aguardente vínica. O próprio álcool é um limitador da ação das leveduras (elas morrem na presença dele). No caso dos espumantes, a formação da carbonatação (gás carbônico), durante a segunda fermentação, faz o meio tornar-se hostil às leveduras.

Por fim, nos vinhos de modo geral é utilizado um conservante chamado SO2 (dióxido de enxofre), muito usado na indústria alimentícia, que cumpre vários papéis na produção do vinho. Dentre eles, o de não deixar a uva estragar pela ação de micro-organismos que poderiam prejudicar a fermentação e, além disso, não permitir que a bebida vire vinagre.

Seu uso é regulamentado por lei ao limite de 350 mg por litro de vinho, mas dificilmente a indústria usa essa quantidade. Até esse limite, o dióxido de enxofre não causa nenhum dano à saúde.


* O título é em homenagem ao meu muso Chico Buarque. Confira a coluna anterior, Com Açúcar, Com Afeto 1.

Adriana Cardoso é jornalista há mais de 20 anos, apaixonada por vinho antes mesmo de graduar-se em Viticultura e Enologia pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus São Roque, em 2019. Atualmente faz estágio na vinícola Villa Francioni, na Serra Catarinense. Quer comunicar de modo claro o mundo maravilhoso do vinho, ajudando a desmistificar preconceitos e dando um “xô!” na gourmetização.