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Alimentação na quarentena

A comida é um território e o estômago é um coração

E pode ser que ele se torne um coração bem saudoso, se você sair da sua terra natal

Geyse Santa Brígida e Ursula Ferro
Geyse Santa Brígida e Ursula Ferro

Como eu saí de Belém há quatro anos, para atravessar as fronteiras e encurtar a distância, os pratos regionais sempre foram destino certo. Mas, para isso, é preciso ter os ingredientes da floresta: tucupi, açaí (“de verdade”, como a gente costuma falar para marcar que estamos nos referindo apenas à polpa da Euterpe oleracea com água, sem qualquer outro ingrediente ou aditivo). Também pupunha, bacuri e cupuaçú (“puro”, fazendo a mesma distinção do açaí, só que aqui nem água entra, só a fruta com a sua acidez adocicada mesmo), para citar alguns poucos. Vou contar para vocês algumas formas clássicas desse aterramento pelo paladar e como consegui recriar minhas raízes adotando mais um território em meu coração. Fica que vai ter biscoito! Conhece o Monteiro Lopes?

Os isopores

Belenenses que não moram mais na cidade são internacionalmente conhecidos (por outros belenenses que moram fora do país, claro) por seus isopores cheios de iguarias. Sempre que estiverem esperando suas malas nas esteiras dos aeroportos desse Brasilzão de minha deusa, se olharem para a esteira ao lado e ela tiver um número considerável de isopores, chequem a origem do voo. As possibilidades são grandes de ele ter saído de Belém.

Os isopores são ilhas flutuantes e como ilhas existem nos mais variados tamanhos. Os maiores são os mais invejados, porque maior será o estoque de polpas de frutas, maniva, jambú (e por aí vai…) da pessoa. 

Nessa pulsão de atracar no porto seguro dos sabores nativos, além de ingredientes, encontramos pessoas. Deveria ser o contrário, mas é que antes de o encontro ocorrer, rola uma pergunta: “o que é que tu tens de comida aí?”.

Nunca soube de ninguém ter ficado de fora de almoços ou jantares paraenses por não ter alguma comida de lá. Sempre se tem um resto de farinha, em algum canto da casa, que valerá como passaporte para o banquete coletivo. 

Os encontros

E foi nesse ir e vir em São Paulo, em torno da comida, com o coração saudoso de Amazônia, que encontrei a Patrícia Lio. Nós nos conhecemos em Belém, mas foi a vivência na babilônia paulistana e o desejo de traduzir em pratos as nossas experiências entre a cidade e a floresta, que verdadeiramente nos aproximou.

Juntas, em 15 dias, montamos  o projeto Açaí à Paulistânia. Em agosto e setembro de 2019, realizamos três eventos. Servimos cerca de 60 pessoas e 300 pratos pensados para misturar a cultura alimentar da paulistânia com a amazônica.

Parte de nosso cardápio incluía o cuscuz samparaense, tacacáshiro, dadinhos de maniçoba e o açaí à paulistânia. Tudo sem qualquer ingrediente animal, totalmente vegano, servido em pratos comestíveis, feitos de fécula de mandioca, da Oka Bioembalagens. 

Na pandemia

Foi um trabalho exaustivo, mas que nos aproximou da realização de nossos sonhos, ideais, e de uma equipe maravilhosa (Juanita, Kaian e Guilherme). 

E aí chegamos em 2020. A Patrícia retornou para Belém. A pandemia chegou. Decidimos continuar o projeto em lives semanais no Instagram. Passamos receitas de preparos tradicionais ou populares com ingredientes da Amazônia, mas que podem ser encontrados em qualquer outro lugar do país. Brasileiríssimo que é. 

Monteiro Lopes

Em tempos de pandemia, começamos a série de “ao vivo” com uma receita que inspira colinho de mãe e de avó. É o Monteiro Lopes, um biscoito com nome e sobrenome, bem comum em Belém. Mas, como é o propósito do projeto, usamos o nosso raio veganizador na receita original e acrescentamos o amendoim para dar mais sabor e ter um pouco do chão sudestino também.

E aqui envio a receita e dedico aos corações que nasceram em Belém – ou em qualquer outro lugar – mas que renascem todos os dias em São Paulo.

Monteiro Lopes mais legal do mundo

  • 8 colheres de sopa de farinha de trigo
  • 6 a 8 colheres de sopa de óleo vegetal (uso de girassol)
  • 3 colheres de sopa de açúcar
  • 4 colheres de sopa de amendoim triturado
  • Misture todos os ingredientes até dar ponto de massa de modelar. Acrescente mais óleo se achar que a massa está muito seca.

Cobertura

  • 1/2 colher de sopa de cacau em pó
  • 1/2 colher de sopa de açúcar
  • Água para dar o ponto
  • Misture o açúcar e o cacau em pó. Coloque água aos poucos até dar a cor e a textura que você deseja. Mais água, mais líquida e mais clara a cobertura. Pode mergulhar seu biscoito na mistura até a metade ou ir jogando com uma colher ou criar seu método.

alimentação viva

Úrsula Ferro é jornalista de formação e cozinheira de coração. Em 2018, decidiu deixar o jornalismo um pouquinho de lado para passar um mês entre aldeias acreanas, fazendo dietas espirituais e aprendendo sobre a culinária nativa. Quando voltou dessa jornada, começou a se dedicar exclusivamente à Ayá Comidas Veganas.