Açoite e castigo

Em carta aberta, demitidos do Museu Afro Brasil denunciam desmonte e pedem apoio

Imediatamente após decreto do governador João Doria que diminuiu o repasse à Cultura, e sem nenhuma proposta ou negociação, organização que gere o museu deixou sem emprego e ainda mais vulneráveis 23 dos 80 funcionários. “Ninguém demitiu mais”, acusa comunicado

Divulgação
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Importante espaço de memória e resistência da luta dos povos escravizados, Museu Afro Brasil está entre as entidades culturais mais ameaçadas pelas medidas de João Doria, que usa a pandemia para justificar cortes no orçamento

São Paulo – Trabalhadores demitidos do Museu Afro Brasil, equipamento mantido pelo governo estadual de São Paulo, divulgaram carta aberta à sociedade na qual denunciam desmonte na entidade e clamam pela defesa do patrimônio cultural afro-brasileiro. O documento foi divulgado na quarta-feira (19).

Localizado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, dentro do do Parque Ibirapuera, o Museu Afro Brasil mantém um acervo com cerca de 6 mil obras, entre pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, documentos e peças etnológicas, de autores brasileiros e estrangeiros, produzidos desde o século 18 até a atualidade. Com temas como religião, trabalho, arte e a escravização, tanto o acervo permanente, quanto suas exposições temporárias registram a trajetória histórica e as influências africanas na construção da sociedade brasileira.

De acordo com o manifesto, 23 dos 80 funcionários da instituição foram demitidos como consequência imediata de um decreto do governador João Doria (PSDB), de 22 abril, que cortou 14% (68 milhões) dos recursos repassado às organizações sociais que gerenciam a cultura no estado, sob a alegação de crise decorrente da pandemia de covid-19.

Ainda conforme os trabalhadores, outros museus e entidades culturais demitiram funcionários, mas não houve tantas demissões quanto as promovidas pelo órgão gestor do Museu Afro Brasil, que não apresentou nenhuma proposta sobre redução de salário, de carga horária ou de suspensão de contrato aos dispensados, nem mesmo abriu um canal de negociação para tratar do tema com os trabalhadores.

“A medida adotada pela Direção do Museu Afro Brasil revela a irresponsabilidade dessa gestão na condução de uma crise dessa proporção, colocando uma grande quantidade de trabalhadores em uma situação de vulnerabilidade material em meio a uma profunda crise sanitária e econômica, sem antes apresentar o esforço de reduzir danos através de outros meios previstos na legislação atual”, afirma a nota.

As demissões, dizem os ex-funcionários, representam não só perdas individuais, mas grande prejuízo à cultura afro-brasileira. Por fim, os trabalhadores pedem que lideranças do Movimento Negro, artistas, entidades de cultura e toda a sociedade manifestem solidariedade aos trabalhadores demitidos e exijam responsabilidade na gestão do Museu Afro Brasil.

“A Cultura e o Museu Afro Brasil precisam ser defendidos por aqueles que são seus principais agentes: toda a Sociedade!

Leia a íntegra do manifesto dos trabalhadores demitidos do Museu Afro Brasil

CARTA ABERTA À SOCIEDADE

Fundado em 2004, o Museu Afro Brasil se constituiu como uma das mais importantes instituições de arte, história e memória afro-brasileira. A inauguração do museu, assim como outras iniciativas, a exemplo da Lei 10.639/2003, são conquistas históricas das ações do Movimento Negro que, ao longo de todo o século XX, pautou a necessidade de salvaguardar a memória afro-brasileira como elemento central de compreensão da nossa sociedade.

Esta carta aberta tem como objetivo denunciar as 23 demissões ocorridas na instituição, dentro de um quadro já reduzido de aproximadamente 80 funcionários, e conclamar lideranças do Movimento Negro, entidades e trabalhadores da Cultura e toda a Sociedade na defesa desse patrimônio, diante de cortes constantes no orçamento da Cultura no Estado de São Paulo e, sobretudo, da irresponsabilidade da atual gestão do Museu Afro Brasil na condução da crise instaurada pela pandemia do COVID-19, bem como de outras crises que se apresentaram ao longo da história institucional do museu.

Assim, destacamos os seguintes pontos:

1. O Governo do Estado de São Paulo, por meio de Decreto publicado em 22 de abril de 2020, anunciou um corte de 14% (68 milhões) no repasse às Organizações Sociais que fazem a gestão de equipamentos de Cultura, em decorrência da crise causada pela pandemia do COVID-19 (Folha de São Paulo). Esse corte representa a redução de 50% do orçamento das OSs nos meses de maio, junho e julho e, até o momento, impactou 94% dos funcionários de museus, teatros e outros projetos culturais de São Paulo, que tiveram contrato suspenso, redução de salário ou foram demitidos (CBN);

2. Diante desse corte, em conformidade com as Medidas Provisórias recentemente publicadas pelo Governo Federal, as Organizações Sociais têm realizado um esforço para evitar as demissões, preferindo a suspensão de contratos e/ou redução de jornadas de trabalho, a fim de adequar seus orçamentos ao corte anunciado (Veja São Paulo). Essa também foi uma recomendação feita pela própria Secretaria de Cultura e Economia Criativa, que sempre reforçou o esforço que deveria ser feito pelas OSs para evitar demissões nesse período;

3. A Associação Museu Afro Brasil, OS que faz a gestão do Museu Afro Brasil, indo na contramão de outras OSs, demitiu um grande número de funcionários – 23 pessoas até o momento. Salientamos que foram feitas demissões em outros museus, mas em nenhum deles esse contingente foi tão alto como no caso do Museu Afro Brasil (ABRAOSC). Essas demissões foram realizadas sem ser feita nenhuma proposta aos trabalhadores acerca da suspensão de contrato ou redução de salário e carga horária;

4. A medida adotada pela Direção do Museu Afro Brasil revela a irresponsabilidade dessa gestão na condução de uma crise dessa proporção, colocando uma grande quantidade de trabalhadores em uma situação de vulnerabilidade material em meio a uma profunda crise sanitária e econômica, sem antes apresentar o esforço de reduzir danos através de outros meios previstos na legislação atual (Jornal Contábil);

5. Não é de agora que a Direção do Museu Afro Brasil, se mostra irresponsável na gestão do Museu. Essa direção já protagonizou sucessivas situações de crises institucionais, que revelam uma postura altamente personalista na condução de um bem público. Esse conjunto de situações, além de ser notória para funcionários que já trabalharam na instituição, estão amplamente noticiadas na imprensa. Ver, por exemplo: “Museu Afro Brasil vive crise na direção” e “Programa Roda Viva Emanoel Araújo 18/12/2017”, entre outros. Reconhecemos o papel fundamental desempenhado pelo diretor Emanoel Araujo, ao longo de sua trajetória, no sentido de criar e manter uma instituição como o Museu Afro Brasil, o que foi e é feito através do árduo trabalho de funcionários engajados nesse projeto. No entanto, não podemos nos silenciar diante dos excessos protagonizados pela gestão da instituição, que trata o bem público como um bem privado;

6. Essas demissões representam não somente uma investida contra os trabalhadores, como também fragiliza a produção e disseminação do conhecimento que o acervo do Museu Afro Brasil salvaguarda, uma vez que os trabalhadores demitidos desenvolviam, com reconhecido desempenho, atividades de pesquisa, estratégias de difusão, comunicação e ações educativas.

7. É reconhecido, no contexto museal, que a preservação de um acervo como o do Museu Afro Brasil se relaciona diretamente com o trabalho desenvolvido pelo núcleo de educação e pelos funcionários que atuam diretamente com o público. Foram justamente estes funcionários, em sua maioria negros, os mais impactados pela atual decisão de demissão, tornando ainda mais frágil o cumprimento da missão do museu, que consiste na valorização e difusão da memória afro-brasileira.

Considerando os pontos acima, convocamos lideranças do Movimento Negro, artistas, entidades de Cultura e toda a Sociedade a manifestarem solidariedade aos trabalhadores demitidos e a exigir responsabilidade na gestão do Museu Afro Brasil. A crise decorrente da pandemia do COVID-19 impacta e impactará a todos nós. Mas não podemos aceitar que ela seja ainda mais aprofundada pela falta de responsabilidade das instâncias que fazem a gestão de instituições que são do interesse de toda a Sociedade.

A Cultura e o Museu Afro Brasil precisam ser defendidos por aqueles que são seus principais agentes: toda a Sociedade!

Trabalhadores demitidos do Museu Afro Brasil


Com informações dos portais Brasil de Fato e Esquerda Diário