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Governo Bolsonaro manda a polícia para tomar as chaves da Cinemateca Brasileira

Após meses de abandono, governo Bolsonaro agora expulsa trabalhadores técnicos da Cinemateca. Acervo de 120 anos de história corre riscos por imperícia

soscinemateca
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Na Cinemateca, existem materiais sensíveis, como películas centenárias. Sem a manutenção devida, o nitrato presente nesses rolos pode entrar em combustão espontânea

São Paulo – A Cinemateca Brasileira teve o controle definitivamente passado para o governo Bolsonaro, na manhã desta sexta-feira (7), depois que o secretário nacional interino do audiovisual, Helio Ferraz de Oliveira, acompanhado de integrantes da Polícia Federal e da Guarda Civil Metropolitana, comandou operação de intervenção que retirou o controle da instituição da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. A ação é parte de mais de sete meses de abandono pelo governo federal das responsabilidades junto à Cinemateca.

Caberia ao governo federal repassar verbas para a manutenção da instituição, o que não ocorre desde o fim do ano passado. O abandono colocou o acervo de mais de 120 anos de história do audiovisual brasileiro em risco iminente. Sem verba, funcionários deixaram de receber e até mesmo a brigada de incêndio local foi desmobilizada.

Funcionários relataram que a chegada dos representantes do governo foi ostensiva e contou com várias viaturas e homens fortemente armados “A situação é muito grave. É inacreditável o que está acontecendo. Temos uma intervenção da Polícia Federal para pegar as chaves da Cinemateca. Há um processo de negociação, mas o governo está irredutível. O principal ponto que nos preocupa é que estão ordenando a retirada de todos os funcionários, sobretudo, os funcionários técnicos especializados”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), que esteve no local.

A ausência do quadro técnico especializado preocupa. Na Cinemateca, são armazenados materiais sensíveis e frágeis, como películas centenárias. Sem a manutenção devida, o nitrato presente nesses rolos pode entrar em combustão espontânea. “Se acontecer alguma coisa com esse material, estará caracterizado crime de responsabilidade e improbidade administrativa”, completou Giannazi.

Guerra ideológica

O parlamentar, representando a Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa, disse que a situação será reportada a órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). “O governo Bolsonaro é contra a cultura, contra o cinema brasileiro, contra a educação pública, contra artistas e contra professores. Esse comportamento faz parte de uma guerra ideológica.”

Mesmo sem salários há meses, os trabalhadores técnicos não abandonaram suas funções essenciais para a manutenção do acervo e da memória brasileira ali presentes. Ao contrário, iniciaram ampla mobilização, que resultou até mesmo em representação do Ministério Público Federal (MPF) cobrando responsabilidade do governo.

O imbróglio começou no fim do ano passado, quando o governo Bolsonaro, rescindiu, unilateralmente, o contrato com a mantenedora da instituição, a Fundação Roquette Pinto. Os argumentos do bolsonarista foram permeados por chavões extremistas. Acusam instituições de preservação histórica de coisas difusas como “marxismo”, “esquerdismo”, e outras coisas sem sentido.

“O governo federal ignora a Constituição com essa intervenção. Não é possível substituir a mão de obra especializada sem uma transição, o que pressupõe transferência de conhecimento. Isso leva meses, se não anos. Estamos perdendo tempo. Queremos uma audiência com ministros e o secretário de Cultura, Mário Frias, para chegarmos a uma solução imediata”, afirmam os trabalhadores.