Contra a especulação

Dólar ‘vai acomodar’, diz Haddad; moeda sobe em diversos países

Enquanto a imprensa atribuiu a alta do dólar às falas do presidente Lula, moeda americana também se valorizou em outros 84 países

Washington Costa/MF
Washington Costa/MF
Dólar "vai acomodar, [por causa de] tudo o que nós estamos fazendo e entregando", disse Haddad

São Paulo – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira (3) que o dólar vai se “acomodar”. A moeda norte-americana encerrou o dia cotada a R$ 5,56, com queda de 1,79%, interrompendo sequência de seis pregões seguidos em alta.

“A minha análise é que o câmbio vai acomodar, [por causa de] tudo o que nós estamos fazendo e entregando, e os compromissos do presidente”, disse o ministro após evento de lançamento do Plano Safra para a Agricultura Familiar.

Nos últimos dias, a imprensa tradicional veio atribuindo a alta do dólar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque ele voltou a fazer críticas duras à gestão de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (BC). Lula reclama do patamar elevado da taxa de juros, após Comitê de Política Monetária (Copom) do BC decidir manter a taxa Selic em 10,5% ao ano na última reunião, interrompendo o ciclo de quedas.

Os agentes do mercado financeiro ainda apontam uma alegada piora nas contas públicas, o que contribuiria para manutenção dos juros altos. Além disso, as supostas incertezas com o quadro fiscal do país também estariam levando à apreciação da moeda americana.

Cenário internacional

Trata-se, no entanto, de uma mistificação, somada aos ataques especulativos contra o próprio presidente, conforme ele mesmo denunciou. Isso porque outros 84 países também sofreram com a desvalorização de suas moedas em relação ao dólar. É o que aponta um levantamento da consultoria Austin Rating, publicado hoje pelo UOL. No entanto, entre as 118 moedas avaliadas, o real é a quinta moeda que mais perdeu valor desde o início do ano.

Considerando, porém, um recorte mais recente, outras moedas latino-americanas se desvalorizaram até mais que a brasileira. É o que aponta o economista José Luis Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista ao Brasil de Fato.

“Se a gente pegar o comportamento das moedas latino-americanas em junho deste ano, mais precisamente de 31 de maio a 1º de julho de 2024, o peso mexicano se desvalorizou 7,6%, o peso colombiano se desvalorizou 6,9% e o real se desvalorizou 6%. Ou seja, o real se desvalorizou até menos do que o peso mexicano e o peso colombiano. Então esse fenômeno da desvalorização do câmbio é um fenômeno geral na América Latina. E o que está produzindo isso é a incerteza a respeito do comportamento da taxa de juros nos Estados Unidos”, explica.

Trump é o principal fator de incerteza

As chances cada vez maiores da volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos é um dos principais fatores para a valorização do dólares. A moeda norte-americana acelerou ainda mais nesta semana, após a Suprema Corte garantir imunidade parcial ao ex-presidente nos processos a que ele responde na Justiça norte-americana. A decisão praticamente deixa o caminho livre para o retorno do republicano à Casa Branca.

Nesse sentido, repetindo estratégias econômicas do seu primeiro governo, os agentes do mercado esperam que Trump reduza impostos sobre a renda e o consumo, ao mesmo tempo em que deve apostar no protecionismo, aumentando os tributos sobre produtos importados. A previsão é que as medidas combinadas aumentem a inflação nos Estados Unidos, impedindo assim a redução das taxas de juros por lá.

Além disso, os investidores também usam o dólar e os títulos do Tesouro dos Estados Unidos como uma espécie de refúgio frente a eventuais flutuações do mercado. “A alta do dólar tem relação com a valorização dos títulos públicos americanos, muito no cenário de manutenção de juros altos nos Estados Unidos, com a expectativa de um momento mais difícil na eleição (presidencial), também por conta do mercado aquecido lá. Os juros mais altos, essa rentabilidade maior dos títulos americanos, atrai capital para lá e tira dinheiro do Brasil”, disse o professor de finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Renan Pieri, em entrevista à Agência Brasil.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos criaram 150 mil empregos no setor privado, segundo números divulgados hoje. A expectativa, no entanto, era de criação de ao menos 160 mil. Assim, o resultado abaixo das expectativas alimenta expectativa de um possível corte na taxa de juros, que saiu de 0,25% ao ano em 2021 para 5,5% atualmente.