Para Miraglia, USP precisa ‘se meter’ em questões da sociedade

Candidato a reitor da universidade de São Paulo, Francisco Miraglia afirma à Rede Brasil Atual que sujeito da história da USP não deve ser a oligarquia que a controla, mas aqueles que trabalham todos os dias por seu crescimento

Para Francisco Miraglia, falta de participação política na universidade se explica em parte porque pessoas não se sentem como sujeitos da história da USP (Foto: Daniel Garcia. Adusp)

Apoiado por nomes de professores como Marilena Chauí (Filosofia), Antonio Candido (Letras), Aziz Ab´Saber (Geografia), Fábio Konder Comparato (Direito) e Maria Victoria Benevides (Educação), Francisco Miraglia considera-se o único candidato oficial de oposição à reitoria da Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista à Rede Brasil Atual, ele considera que a instituição é guiada por interesses das oligarquias do país.

Com forte histórico de atuação sindical, tendo sido presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), ele defende abertamente a democratização da universidade. O modelo para isso seria bem específico: eleição de uma estatuinte em que tenham espaço professores, alunos e funcionários e um Conselho Universitário – instância máxima de decisão da instituição – em que todos os lados realmente tenham voz.

Entrevista

Francisco Miraglia

Professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da USP e candidato de oposição a reitor da universidade

Pelo modo centralizado de escolha de reitor, em que apenas 0,3% da comunidade acadêmica pode votar no segundo turno, Chico Miraglia tem chances reduzidas de ser escolhido. Mas o titular do Instituto de Matemática e Estatística aposta em um bom resultado na primeira rodada e principalmente na votação simbólica organizada pela Adusp, em que se simula como seria a eleição caso todos tivessem direito a voto.

O professor reclama que a USP está desvinculada da sociedade e precisa participar mais dos debates do país.

RBA – Entre as candidaturas oficiais, o senhor entende que a sua é a única à esquerda?

Diria que é a única candidatura de fato de oposição. Tem a candidatura também do meu amigo Chico de Oliveira, mas que tem uma perspectiva diferente, de protesto em relação ao estado da estrutura de poder da Universidade de São Paulo. Há muitos pontos em comum, ambos defendem a convocação de uma estatuinte, mas eu estou tentando de algum jeito capitalizar a perspectiva dos docentes se manifestarem. Vai haver uma votação direta e gostaria de saber qual a opinião dos docentes, e não apenas o colégio eleitoral, do jeito que é feita a indicação de reitor na USP.

RBA– A expectativa de vitória é na votação simbólica organizada pela Adusp?

Tem essa expectativa. Agora, acho que não vamos fazer feio no colégio eleitoral no primeiro turno porque o número de votantes é razoavelmente grande. Como dizia Tancredo Neves, eleição só depois da apuração.

RBA – Caso consiga chegar à reitoria, como seria passar para o outro lado das negociações?

Seria normal dentro da proposta que está colocada, de diálogo, de negociação. Uma perspectiva de reitoria que é, na verdade, um coordenador de atividades da universidade com capacidade de entender e articular, catalisar a instituição a agir de uma certa maneira. Seriam negociações salariais conduzidas junto com o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas), mantendo respeito às entidades, com absoluta transparência do dinheiro, quais as possibilidades.

RBA – Que avaliação o senhor faz da gestão atual?

“Precisava mudar a carreira, mas ampliar para o pessoal mais jovem. A USP é muito jovem do ponto de vista de uma universidade, mas está envelhecendo” – Francisco Miraglia

A Suely Vilela, no final do mandato do Melfi (Adolpho José Melfi, reitor de 2001 a 2005), constituiu uma comissão de reforma do estatuto, mas isso não andou de jeito nenhum. A única coisa que aconteceu foi uma mudança na estrutura da carreira que, na verdade, nós somos contrários por conta da introdução de níveis horizontais para doutores e associados (segundo nível da carreira docente na USP).

Precisava mudar a carreira, mas ampliar para o pessoal mais jovem. A USP é muito jovem do ponto de vista de uma universidade, mas está envelhecendo. A idade média dos docentes é de 54 anos. Era preciso que a carreira fosse mudada introduzindo os professores com mestrado e eventualmente até os recém-formados, os bacharéis. Isso permitiria à universidade a formação dos próprios quadros e o rejuvenescimento da instituição, que é muito importante para a democracia.

RBA – Algum dos demais candidatos está realmente disposto a reformar o estatuto? Está na pauta tornar a USP mais democrática?

Essa pergunta é difícil de responder. Muitos deles falam de forma meio vaga sobre essa questão. A proposta que a gente defende é uma estatuinte livre, democrática, com representação de professores, funcionários e estudantes, que vai instituir um novo estatuto e que se dissolve depois disso para separar quem exerce o poder de quem institui a maneira como o poder é exercido. Analogamente ao que era a luta na Constituinte (que resultou na Constituição de 1988) – aliás, naquele caso, a gente perdeu.

Eu não gostaria de passar juízo sobre a eventual intencionalidade. O que eu sei é que no Brasil existe tradicionalmente uma tendência a fazer transições, que são conservadoras, e essa tendência talvez determine os caminhos no interior da universidade. Essa é a experiência histórica que a gente tem: o rei de Portugal declarou a independência do Brasil, um monarquista proclamou a República…

RBA – Sobre a participação do corpo docente além da sala de aula nos últimos anos, que análise faz um ex-presidente da Adusp?

Penso que existe na sociedade brasileira como um todo um grande espaço para aumentar muito a democracia social. Estamos diante da falta de uma ação republicana, você vê executivos mandando nos legislativos, o que é uma coisa profundamente antirrepublicana.

“Não acho que os poderes que estão por fora determinaram que o  sistema fosse assim. Campinas (Unicamp) é mais aberta. Unesp é mais aberta. Nas federais foram conquistados avanços significativos na questão da democratização” – Francisco Miraglia

O mesmo acontece dentro da universidade, porque do jeito que está agora o reitor ou a reitora indica, a partir de listas tríplices, o diretor de unidade. Não queremos isso, precisamos mudar isso, a unidade decide quem é seu diretor.

Os 2.700 doutores da universidade têm apenas um representante no Conselho Universitário. Do corpo docente da universidade, 25% é de professor associado, e eles têm apenas um representante. São três funcionários e cerca de nove estudantes. É uma coisa anacrônica que no fundo foi imposta pela ditadura militar e que não foi mudada durante todo esse tempo.

RBA – Essa “não-mudança” é algo interno à universidade ou há também um fator externo?

Acho que é uma coisa interna. Não acho que os poderes que estão por fora determinaram que o  sistema fosse assim. Campinas (Unicamp) é mais aberta. Unesp é mais aberta. Nas federais foram conquistados avanços significativos na questão da democratização.

A democratização é importante porque ela ajuda a tornar mais estáveis certas políticas. É mais fácil, evidentemente, ter alguém que é um imperador. Agora, a democracia vai melhorar a qualidade do trabalho e a grande pergunta é: quem deve ser o sujeito da história dessa instituição? O sujeito da história é a oligarquia que controla a instituição até hoje ou são as pessoas que trabalham efetivamente no cotidiano construindo a universidade? Eu tenho um lado claro. O sujeito da história da instituição tem de ser quem faz o trabalho cotidiano da universidade, e não é a oligarquia. Eu não faço parte dessa oligarquia, sou um candidato declarado de oposição ao status quo que está aí.

RBA – A USP está desvinculada da sociedade?

Eu penso e vejo isso. Não me lembro de uma manifestação do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo defendendo, por exemplo, o financiamento e a ampliação do ensino fundamental e médio no estado. Isso é muito importante. Sobre políticas de saúde, sobre políticas de transporte, tributária.

A universidade precisa se meter nessas questões, discutir. Essas coisas serão resolvidas pelo Congresso, pela política, mas a universidade precisa dar sua opinião. Um pedaço importante do trabalho intelectual é a emancipação, quer dizer, a produção de clarificações. Clarificações dos significados de nossas experiências históricas e sociais. E a universidade não tem feito isso da maneira que ela teria obrigação de fazer. Porque não tem uma postura só, uma solução só, uma única maneira de discutir o mundo.

RBA – O senhor vem da área de exatas, na qual as unidades nos últimos anos têm registrado participação muito baixa de alunos. Isso é um sinal de uma tecnicização do ensino?

Tem uma parcela disso, que o ensino não é mais formador e crítico. Inclusive essa é uma questão importante porque tem de formar profissionais cujo prazo de obsolescência seja muito longo, que a formação dele seja tão forte que seja capaz de ir para a sociedade e, em seu trabalho, aprender e se adaptar, porque hoje em dia o trabalho não está fácil.

Agora, tem outro aspecto que vale também para o docente e para o funcionário. Por que eu vou deixar de fazer meu trabalho neste momento se não sou sujeito da história, se não voto, se não decido? Se você tornar as pessoas sujeitos de seu cotidiano, da história da universidade, isso pode mudar.

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