DE GOLPE EM GOLPE

Governo Bolsonaro tenta destruir sistema de financiamento da pesquisa científica no país

Enquanto o orçamento das agências de fomento desaba, governo fala em mudanças que podem desmantelar o protagonismo do país na produção de conhecimento

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Para pesquisadora, mudanças têm como aspecto “mais dramático e danoso a posição subalterna de limitarmos a produção científica do país às pesquisas aplicadas, que proporcionam lucros imediatos”

São Paulo – Entre o golpe de 2016 e o governo Bolsonaro há uma continuidade que ameaça o papel do Brasil como um dos protagonistas da produção científica no mundo. De 2015 para 2019, o orçamento das agências de fomento à pesquisa e produção tecnológica ligadas ao governo federal caiu de R$ 13,97 bilhões para R$ 6,08 bilhões, um recuo de 56,5%, e que não cessa.

Para 2020, segundo dados do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o orçamento das agências recua a R$ 4,4 bilhões. Esses números incluem o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação (MEC), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que atua como órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Não bastasse esse efeito do fiscalismo neoliberal sobre o orçamento, agora o governo Bolsonaro fala em fusões e mudanças no âmbito dessas agências, que na prática podem extinguir importantes instrumentos de desenvolvimento tecnológico e científico, que foram capazes de levar o país, em 2016, à décima segunda posição mundial em produção de artigos científicos, segundo a agência norte-americana National Science Foundation (NSF), que relacionou um ranking com 50 principais países.

De um lado, o governo fala em fundir a Capes e o CNPq, o que daria à pasta da Educação plenos poderes sobre o financiamento da pesquisa, em um governo que ideologicamente se manifesta somente em favor da pesquisa que tem interesse de “mercado”. E de outro diz que pensa em transferir o FNDCT do Ministério da Economia para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa segunda mudança, alerta a comunidade científica, poderia acabar com a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), vinculada ao MCTIC, e que tem muitos de seus financiamentos ligados à inovação.

Segundo a pesquisadora da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) Ana Beatriz Nader, essas mudanças têm como aspecto “mais dramático e danoso a posição subalterna de limitarmos a produção científica do país às pesquisas aplicadas, que proporcionam lucros imediatos, reiterando a filiação ao capitalismo selvagem predatório neoliberal e globalizado”.

Ana Beatriz também afirma que a recomendação do Ministério da Economia de que a Finep deve ir para o BNDES, desqualifica a missão do órgão, na medida em que BNDES é um banco obediente às regras da ‘Basileia’ – acordo em que regula a atuação de instituições financeiras no mundo, ratificado por mais por mais de 100 países em 1988, durante a Convenção de Basileia, na Suíça.

“Qualquer extinção/fusão/incorporação dessas agências será prejudicial e lesiva ao funcionamento do Sistema Nacional de CT&I”, alertaram no dia 2 de outubro 47 entidades acadêmicas, científicas e tecnológicas do país, signatárias de uma carta entregue a parlamentares. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, afirma que agências devem continuar independentes e complementares, como têm sido ao longo das últimas seis décadas.

Toda essa crise provocada pelo governo Bolsonaro se traduz no que disse a professora de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Marilena Chaui à RBA na terça (15): “Mas o que está sendo feito pelo Weintraub?”, perguntou indignada a professora, referindo-se ao ministro da Educação, Abraham Weintraub. “Ele está devastando a educação brasileira, devastando a pesquisa e, portanto, ele está nos tirando da sociedade do conhecimento. Ele nos fará, portanto, apenas servidores daquilo que os criadores de conhecimento farão na metrópole. E nós somos a periferia da periferia.”

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