Desigualdades digitais

Falta de preparo das escolas para educação a distância aumenta desigualdades

Quase 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador ou tablet em casa, aponta Pesquisa TIC Educação 2019. Desigualdade no acesso à internet é ainda mais crítica no meio rural

Arquivo EBC
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"A educação a distância exige um planejamento e uma série de aspectos que devem ser cumpridos para que ela aconteça", explica coordenadora da pesquisa

São Paulo – Quase 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador, seja de mesa ou portátil, ou tablet, para estudar em casa. É o que revela a décima edição da pesquisa TIC Educação 2019 divulgada, em debate on-line nesta terça-feira (9), pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). De acordo com a série histórica, desde 2016 há uma queda na presença desses dispositivos nos domicílios brasileiros. A pesquisa, que coletou os dados entre entre agosto e dezembro do ano passado, indica também que, nas escolas particulares, o percentual de alunos que não possuem computadores ou tablets em casa é de 9%. 

Ao apresentar os resultados do estudo, o gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), Alexandre Barbosa, afirma que as informações sobre a infraestrutura tecnológica e o acesso à internet pelos estudantes das escolas públicas e privadas, em áreas urbanas e rurais, “já revelam algumas das desigualdades encontradas no Brasil, sobretudo aquelas que se refletem na educação neste período de pandemia que estamos vivendo”. 

Com a suspensão das aulas presenciais e a decisão de manter o calendário letivo via ensino remoto, o estudo aponta para o cenário de desafios e dificuldades que os estudantes, sobretudo os da rede pública, passaram a enfrentar. 

A começar pelas condições de conectividade. Sem acesso a dispositivos mais adequados, são os celulares que vêm sendo usados pelos alunos para tentar acompanhar as “aulas”. Pelo menos 98% dos estudantes de escolas urbanas confirmaram que acessam a internet pelo telefone móvel, enquanto 18% fazem uso da internet exclusivamente pelo celular. Na avaliação do Cetic.br, a limitação na conectividade é preocupante, com implicações não apenas na funcionalidade, mas no desenvolvimento de novas habilidades individuais. 

Coordenadora da pesquisa, Daniela Costa afirma que “aqueles 39% de alunos sem computador no domicílio, provavelmente, quando dizem que acessam à internet em casa, eles estão se referindo a acesso por meio de um celular”. 

O uso do telefone móvel mostrou-se destaque nas regiões Norte, com 26% dos alunos que se conectam exclusivamente pelo aparelho, e Nordeste, com 25%. No total, considerando as escolas públicas de todas as regiões do país, 21% dos alunos têm o celular como única ferramenta para prosseguir seus estudos em tempos de isolamento e pandemia. 

Escolas sem plataformas

Para a pesquisa, foram consultados presencialmente 11.361 alunos, 1.868 professores, 954 coordenadores pedagógicos e 1.012 diretores de escolas urbanas. No caso das escolas rurais, o levantamento foi feito por telefone, a partir de entrevistas com diretores de mais de 1.400 unidades de ensino.

De 2014 até 2019, o estudo indica que quase a totalidade das escolas brasileiras em regiões urbanas já ofereciam ao menos um e-mail institucional. A série também chama atenção para o uso crescente das escolas de um perfil ou página em redes sociais – nas escolas públicas, a prática passou de 46% para 73% das instituições naquele período. E nas particulares, o total de escolas com página ou perfil em alguma rede social foi de 67% para 94%. 

Contudo, as escolas públicas ficam bem atrás quando o critério é o de criar uma plataforma on-line de aprendizagem. Até o final do ano passado, 64% das instituições particulares mantinham um ambiente virtual que permitisse atividades de ensino a distância, enquanto que nas instituições públicas, essa ferramenta era encontrada em apenas 14% delas. 

Educação via WhatsApp

A falta dessas plataformas na escola pública, situação que não dá sinais de se alterar, faz com que a tendência seja de que os conteúdos passem a ser publicados em páginas e perfis das redes sociais, já que o estudo indica que cerca de 50% dos professores já compartilham suas aulas na internet. Além disso, entre 60% a 80% dos estudantes em contexto urbano reportavam o uso das tecnologias para realização de trabalhos. 

No mesmo período, uma média de 20% a 30% dos alunos declararam usar seus dispositivos para se comunicar com os professores – com o WhatsApp como a principal ferramenta usada. Ao menos 85% deles disseram ter baixado o aplicativo e 61%, que o usavam para tarefas escolares. 

“Quando a gente olha para esses dados, por um lado há um ponto de vista positivo, muitos alunos, professores e escolas estavam fazendo o uso de sistemas e plataformas virtuais para troca de conteúdos. Mas a gente verifica também muitas diferenças e desigualdades. Muitas escolas, alunos e professores não estavam preparados para esse momento de ensino remoto”, expõe a coordenadora da pesquisa. 

reprodução
58% dos alunos utilizavam o celular para utilizar atividades escolares e 98% deles acessam a internet pelo celular

Escolas rurais 

As desigualdades de acesso às tecnologias como ferramenta de educação curricular são maiores sobretudo nas escolas rurais. De acordo com o estudo, apenas 40% delas possuíam ao menos um computador com acesso à internet. Outras 9%, embora não tivessem computadores, se conectavam por meio de outros dispositivos. No geral, 24% dessas escolas ainda se abriam para a comunidade do entorno fazer uso de seus equipamentos para navegar na internet. 

Isso comprova, segundo a pesquisa, que a dificuldade de acesso no meio rural ainda é muito relevante e precisa ser enfrentada. “Recentemente foi divulgada uma chamada da Unicef alertando para esse fato e baseada nos dados da nossa pesquisa. Nós temos 4,8 milhões de crianças e adolescentes que vivem em lares e domicílios sem acesso à internet. E é claro que existe um papel muito relevante das políticas públicas e um papel que pode ser realizado pelas operadoras e empresas de provimento à internet. Temos que trazer isso para uma agenda mais ativa no Brasil, para que essas crianças não fiquem sem acesso”, lembra o gerente do Cetic.br. 

Professores sem formação

A nova edição da TIC Educação levanta outros 180 indicadores, entre eles, a implementação planejada da educação a distância. Na prática, a proposta é que o aluno nessa modalidade desenvolva um rol de habilidades, como a capacidade de auto-organização, autonomia e autoria. 

O estudo também observa o uso das tecnologias pelos professores e reporta uma série de dificuldades. De acordo com os docentes das escolas urbanas, há problemas na infraestrutura, com a baixa velocidade de conexão à internet, por exemplo, que impede o uso de novos dispositivos pelos alunos. 

Além de que 53% dos professores criticam a ausência de um curso específico para o uso de computador ou da navegação online em salas de aula. Apenas 33% deles disseram ter feito, no ano passado, um curso de formação continuada. Hoje, a principal forma que os professores encontraram para buscar informações são em conversas informais com outros profissionais da educação ou com vídeos e tutorias on-line

Desafios

Diante desses resultados, o Comitê Gestor da Internet no Brasil espera contribuir neste momento de medidas emergenciais frente à pandemia, que obrigou o fechamento das escolas. 

A coordenadora da pesquisa reforça que os dados são essenciais para entender as condições dos alunos e como eles estão usufruindo das atividades pedagógicas, uma vez que não há ensino a distância. “O que a gente tem nesse momento é um ensino remoto”, explica Daniela. 

“A educação a distância exige um planejamento e uma série de aspectos que devem ser cumpridos para que ela aconteça. Especialmente pensado naquele que vai receber a educação, que é o aluno. Esse é um momento emergencial, está se fazendo o que é possível. As escolas, professores, pais e alunos estão tentando encontrar estratégias para que isso aconteça. Há viabilidade desse ensino acontecer de forma remota. Mas a gente precisa ter atenção às nuances dessas desigualdades entre os alunos para que eles possam fazer uso desses conteúdos e atividades”, cobra.

Coordenador de projetos de pesquisas do Cetic.br, Fábio Senne também alerta que o estudo é um “retrato do que se tinha nas escolas pré-pandemia. O que vai acontecer agora vai depender da capacidade de resposta de cada governo e município. Seja qual for a resposta, a gente sabe pelos dados que a dificuldades vão ser muito maiores, dado que os ambientes virtuais não estavam presentes e vai ser difícil incorporá-los nesse momento”, afirma Senne. 

O coordenador também aponta para as diferentes condições sociodemográficas entre alunos de instituições particulares e as públicas – mais dependentes de aparelhos celulares e de conexões domiciliares com menor qualidade – “não deixam dúvidas que o desafio para a escola pública será maior”, finaliza. 

Confira o lançamento da pesquisa


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