50 anos

Brasil x Uruguai: um gol que abriu as portas para o tri na Copa do México

Ex-jogador Clodoaldo lembra do duelo com o rival sul-americano, pela semifinal, que completará 50 anos na quarta-feira (17). Uma Copa cheia de histórias

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O momento do chute, e o empate aos 45 do primeiro tempo: "Só desobedeci o treinador Zagallo porque o Gérson e o Carlinhos mandaram"

São Paulo – “Sai pro jogo, não estou conseguindo”, grita Gérson ao jovem Clodoaldo já na parte final do primeiro tempo. Era a semifinal da Copa de 1970, diante do Uruguai, que vencia por 1 a 0. O gol marcado por Cubillas aos 17 minutos reforçou as previsões dos arautos do apocalipse, que previam nova derrota brasileira, 20 anos depois da tragédia do Maracanã. Uma rápida mudança tática, decidida no calor da partida – e sob o inclemente calor no estádio Jalisco, em Guadalajara – pode ter alterado a sorte do próprio campeonato. Valeu a pena ter perdido cinco quilos apenas naqueles 90 minutos e só conseguir comer frutas, basicamente melancia, depois da partida.

“Só desobedeci (as ordens do treinador Zagallo) porque o Gérson e o Carlinhos mandaram”, brinca Clodoaldo, lembrando ainda do capitão do time, o lateral-direito Carlos Alberto. Sua principal função em campo era cobrir os laterais e evitar que os zagueiros ficassem expostos – mais do lado direito, porque na esquerda Everaldo avançava menos. “A orientação era que eu fosse o ponto de equilíbrio à frente da defesa.” Mas naquela altura do jogo ele trocou de posição com Gérson, que vinha sofrendo dura marcação dos uruguaios, preocupados com seus passes certeiros.



Rivais e fantasmas

Assim, Clodoaldo – que minutos antes dera um chute perigoso (“Um balaço”, diz) contra a meta de Mazurkiewicz, apontado como melhor goleiro da Copa – avançou e passou a bola para Tostão, que estava aberto na esquerda. Passou e já arrancou em direção à área adversária. O companheiro mandou rápido de volta, a bola quicou duas vezes no chão, até que o pé direito do camisa 5 chutasse para a rede. 

Ele ainda levou um tranco do marcador, mas era tarde: a seleção empatava aos exatos 45 minutos do primeiro tempo. Iria para o vestiário sem o peso do placar adverso. Na volta, a história do jogo seria outra. 

Muitos não têm dúvida de apontar o gol de Clodoaldo como aquele que abriu caminho, definitivamente, para o tricampeonato mundial. “Eu fui compreendendo a importância do gol ao longo dos anos.” Tostão, por exemplo, já escolheu o jogo contra o Uruguai como o mais marcante de sua vida. Clodoaldo considera que a partida mais complicada foi contra a Inglaterra, ainda na primeira fase.

Os ingleses eram os atuais campeões mundiais e tinham um time forte. O Brasil havia conquistado as Copas anteriores, em 1958 e 1962. Em 7 de junho de 1970, as duas seleções fizeram um jogo disputadíssimo, que terminou 1 a 0 para o Brasil, gol de Jairzinho. Foi a única vez naquela Copa que a seleção marcou apenas um gol. Depois de passar com relativa facilidade pelo Peru nas quartas, chegava a vez do Uruguai, que tinha ido aos trancos e barrancos, mas sempre foi um adversário difícil e também era um bicampeão mundial. 

Além da rivalidade, a própria imprensa alimentou o “fantasma” de 1950. Jogando em casa, no Maracanã, e precisando de apenas um empate, o Brasil perdeu a Copa de virada para os uruguaios. O inesquecível Maracanazo.

Gols e não gols

“Jogamos pilhados por causa dessa história de 1950”, lembra Clodoaldo sobre a partida que completará 50 anos na próxima quarta-feira (17). Pelo menos no primeiro tempo, o tal fantasma também esteve em campo. O gol em cima da hora tranquilizou a seleção. No vestiário, a preleção inflamada de Zagallo ajudou a mexer com os jogadores. “Ele era muito emotivo”, lembra Clodoaldo. O treinador falou do país, da camisa “amarelinha” e disse que o time estava “respeitando demais” o adversário.

O segundo tempo foi o que se viu. Com o time mais tranquilo e esbanjando preparo físico, Jairzinho fez o gol da virada aos 31 minutos, recebendo lançamento de Tostão. Aos 45, Rivellino fechou o placar após receber passe de Pelé. 

O camisa 10 da Seleção, que disputava sua última Copa, é lembrado também por alguns “não gols”, como no lance em que aplicou um drible de corpo no goleiro uruguaio e, mesmo perdendo o equilíbrio, chutou no contrapé do zagueiro. A bola passou a centímetros do gol. Ou mesmo uma forte cotovelada em Fontes, depois de receber falta do zagueiro. O lance passou batido. “Cotovelada de UFC”, brinca Clodoaldo.

O Brasil estava na final. Iria enfrentar a Itália, que no mesmo dia eliminou a Alemanha, em um jogo dramático, que exigiu prorrogação – e terminou 4 a 3 para os italianos.

Clodoaldo Tavares Santana era um dos mais jovens do elenco – e o mais novo do time titular. Tinha 20 anos, completaria 21 em setembro. (Pelé e Gérson, por exemplo, já estavam com 29.) Mas tinha rodagem de veterano. Formado na base do Santos, aos 16 anos estreou no time titular. Ele seria o substituto de Zito, outra lenda santista. E se acostumou a viajar pelo mundo com o Santos de Pelé e companhia. “Eu era um jovem com experiência”, comenta. Sua primeira convocação ocorreu ainda em 1968.

Troca de técnico

Nos primeiros meses de 1970, João Saldanha, que ainda treinava a seleção, tinha dúvidas na escalação. Uma delas justamente na posição de Clodoaldo: outra opção era Piazza, do Cruzeiro. Em março, Saldanha foi substituído por Zagallo, que recuou Piazza para a defesa, ao lado de Brito, e fixou Clodoaldo como volante.

A súbita mudança de técnico, a poucos meses da Copa, não abalou a equipe. “(Zagallo) era um cara muito querido, tinha vivência de atleta. Os jogadores já entenderam perfeitamente o que ele queria. O grupo recebeu o Zagallo de braços abertos.” 

O volante lembra ainda que entre os atletas não havia qualquer problema com João Saldanha. “A gente tinha boa relação com ele. Começaram a surgir alguns rumores. Quando houve a mudança, foi uma coisa muito rápida.”

O país vivia o momento mais agudo da ditadura. Desde 13 de dezembro de 1968, havia o AI-5. A repressão estava no auge. Clodoaldo conta que esse clima não chegou ao grupo, que estava com foco na competição. “Todo mundo quer jogar uma Copa do Mundo. Tocamos nossa vida normalmente. Não nos afetou em nada, nosso pensamento era coletivo. Eu, como eu era muito jovem, talvez não tivesse noção de algumas coisas.”

Sistema avançado

A linha de frente daquele time era bastante ofensiva: Jairzinho, Gérson, Pelé, Tostão e Rivellino. “Gérson era um segundo volante, mais à frente. E ele (Zagallo) deu uma função para o Rivellino, de retornar para o meio de campo”, descreve Clodoaldo.

Era um time de muita movimentação. E com força física, que ajudou a fazer a diferença. Dos 19 gols que a Seleção brasileira marcou naquela Copa – em seis jogos –, 13 foram no segundo tempo. “Foi um sistema de jogo muito avançado na época”, diz o camisa 5. Ele lembra que o treinador Pep Guardiola, que fez história no Barcelona, tinha o Brasil de 1970 como referência. A Holanda de 1974, chamada de Laranja Mecânica, também teve influência do time brasileiro.

Clodoaldo cita ainda o exemplo de Carlos Alberto, com quem jogava no Santos. Perto dos 26 anos, já atuava como “ala”, termo que se tornaria comum décadas depois. O capitão do tri, que morreu em 2016, foi seu companheiro de quarto durante a Copa. No clube, dividia as concentrações com o ponta Edu, mas durante o campeonato mundial a comissão técnica optou por mesclar jovens e mais experientes. “Ele (Carlos Alberto) me passava muita confiança. Tivemos grandes conversas nas longas noites antes de dormir”, recorda. 

De pé em pé

Clodoaldo está há três meses em casa, obedecendo a quarentena. A situação é completamente diferente, mas a seleção também passou três meses se preparando para aquela Copa, a começar do chamado Retiro dos Padres, em Itanhangá, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Na concentração do México, antes de subir para os quartos, muito bate-papo, orações, alguma descontração na sala de jogos. “Depois, a resenha ficava somente com o companheiro de quarto. A gente não perdia o sono (na véspera do jogo), mas a noite às vezes se alongava um pouco.”

Na final contra a Itália, em 21 de junho, Clodoaldo iniciou o lance do quarto e último gol. Ele vai lembrando. Dá a bola a Pelé, que rola a Gérson, que recua a Clodoaldo. Os italianos apertam a marcação, e ele se livra de quatro adversários, sob gritos de “olé”, até passar a Rivellino na esquerda. De seus pés sai um lançamento para Jairzinho, deslocado – não por acaso, diz Clodoaldo, mas para atrapalhar a sólida defesa adversária. Jair passa por Facchetti e dá no meio para Pelé, que nem olha para rolar a bola a Carlos Alberto. Da saída da defesa até o arremate, passaram-se apenas 30 segundos.

Na última quinta-feira (11), Clodoaldo trocou mensagens com Rivellino, que permanece em seu sítio no interior de São Paulo. Ele faz questão de mandar um abraço a seus companheiros de seleção. “Foi um privilégio estar com aquelas feras”, diz, usando um termo que ficou famoso com Saldanha. Conselheiro do Santos, o ex-atleta não trabalha mais profissionalmente com o futebol. Mas não perde um jogo. E espera pela festa que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pretende fazer para abraçar seus parceiros e recordar tantas histórias. 

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