Entrevista

Para Kakay, Moro no Ministério da Justiça ‘é um tapa na cara do Judiciário’

De Paris, criminalista diz que as cortes internacionais estão perplexas. 'Um juiz que influenciou na eleição assume um superministério'

Sergio Dutti/UOL/Folhapress

“Ninguém sabe o que Bolsonaro pensa sobre nada, a não ser sobre o que ele sempre assumiu: que é contra o gay, contra a mulher, contra os direitos”

São Paulo – “O juiz Moro nos deu a oportunidade de comprovar que ele é um juiz parcial. Depois de todas as ações que ele fez contra o grupo contrário ao Bolsonaro, ao aceitar ser ministro da Justiça de Bolsonaro, ele dá um presente para nós advogados e para nós juristas que somos sempre preocupados com a legalidade e o cumprimento da Constituição.” A opinião é do advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, sobre a indicação de Sérgio Moro, pelo presidente eleito, para ocupar o Ministério da Justiça a partir de 1° de janeiro.

O advogado lembra que os defensores dos acusados na Operação Lava Jato têm apontado, ao longo de toda a operação, que as atitudes do juiz são parciais. “Sempre apontamos isso e não conseguíamos nunca que o Poder Judiciário e o CNJ tivessem a coragem de fazer esse enfrentamento. Para mim, agora, ficou claro.”

Na opinião de Kakay, o episódio envolvendo Bolsonaro e Moro em seu ministério “é um tapa na cara do Judiciário”. Os advogados que têm clientes submetidos à jurisdição de Moro, acrescenta, poderão apontar que essa parcialidade poderá tornar nula uma série de decisões anteriores do magistrado de Curitiba. 

O advogado, um dos mais importantes criminalistas do país, está em Paris. Segundo ele, “as cortes internacionais – até onde pude começar a conversar – estão perplexas“.

Qual o significado de Sérgio Moro ser nomeado ministro da Justiça em um superministério?

Uma das questões mais delicadas e mais difíceis é você provar a parcialidade de um juiz. Existe um certo grau de subjetivismo que sempre dificulta. Nós, advogados, desde o início da Lava Jato, temos apontado a parcialidade do juiz Sérgio Moro, em alguns fatos que são reais. As prisões que ele faz de forma abusiva, as delações de forma abusiva, o vazamento das conversas que ele fez da Dilma, a delação do Palocci. São vários pontos que apontamos. É sempre difícil, sempre fica no ar uma questão subjetiva.

O fato de ele ter aceitado o cargo descaracteriza a Lava Jato?

O juiz Moro nos deu a oportunidade de comprovar que ele é um juiz parcial. Depois de todas as ações que ele fez contra o grupo contrário ao Bolsonaro, ao aceitar ser ministro do Executivo, ministro da Justiça de Bolsonaro, ele dá um presente para nós advogados e para nós juristas que somos sempre preocupados com a legalidade e o cumprimento da Constituição. É raro você ter essa oportunidade. Claramente agora ele se assume como um juiz parcial. Para mim foi um tapa na cara do poder Judiciário. Ele deu um tapa na cara, talvez por autossuficiência, no Judiciário ao aceitar ser ministro.

Ele vai deixar o cargo onde era o juiz mais importante do país. Lá ele já tinha a coordenação do Ministério Público, mandava na Polícia Federal, tinha o Tribunal Regional Federal ao lado dele. Mas nós sempre apontamos isso e não conseguíamos nunca que o Poder Judiciário e o CNJ tivessem a coragem de fazer esse enfrentamento. Para mim, agora, ficou claro. Ele acaba de dizer exatamente isso: não tem mais nenhum tipo de resposta a não ser assumir que foi parcial.

Quais os possíveis desdobramentos de Moro ministro da Justiça para o país ou para a Justiça?

O Judiciário tem que ser isento. Evidentemente, os advogados que tiverem clientes submetidos à jurisdição do Moro – eu tenho 17 clientes na Lava Jato, mas nenhum submetido à jurisdição dele – vão poder apontar que essa parcialidade poderá tornar nula uma série de decisões anteriores.

Eu estou agora em Paris, e hoje conversei com duas ou três pessoas importantes aqui. As cortes internacionais – até onde pude começar a conversar – estão perplexas. Um juiz que influenciou na eleição assume um superministério.

Por outro lado, como cidadão, eu tenho uma curiosidade enorme de ver como vai ser essa relação do Moro com o presidente eleito. Veja bem, ninguém sabe o que o Bolsonaro pensa sobre segurança, ninguém sabe o que ele pensa sobre quase nada, porque ele nunca se manifesta, e isso é um fato. Então não sabemos como será a relação do Moro com o presidente eleito. É diferente de um juiz que manda, desmanda, tem o Judiciário a favor dele, tem boa parte da imprensa a favor dele. Agora deve obediência a um presidente eleito. Um presidente que, repito, ninguém sabe o que pensa sobre Justiça, sobre segurança. Ninguém sabe o que Bolsonaro pensa sobre absolutamente nada.

Vão ser momentos interessantes. Eu quero que ele assuma o ministério. Ele assumir é um ato de coragem, de ousadia até, desprezo absoluto pelo poder Judiciário. Mas não quero que tenha um ato como o do ministro Gilmar (Mendes), que proibiu o ministro Lula de assumir.

Ele assumir é a normalidade democrática. E vamos ver como vai ser a relação dele com o presidente da República eleito. Porque, claro, ele assume na perspectiva de assumir o Supremo daqui a um ano e meio, dois anos, e depois ser candidato a presidente da República. Mas muita água vai passar por baixo dessa ponte. Muita água.

O Moro desnudou uma questão interessantíssima: ele conseguiu fazer a comprovação de que ele era parcial, uma coisa dificílima de fazer. Agora, dentro do questionamento institucional, nada mais do que isso, vamos fazer esse enfrentamento. Aqueles que tiverem clientes prejudicados tomarão suas providências.

Mas não está claro o que Bolsonaro pensa sobre segurança?

Acho que não, acho que ninguém sabe o que ele pensa. Acho que nem o próprio Bolsonaro sabe o que pensa sobre segurança. Ele é um tosco, uma pessoa que me parece de uma mentalidade tosca, que se escondeu através de um discurso populista, e a população brasileira comprou isso. Se você perguntar o que ele pensa sobre economia, ele não sabe, delega a outro. Eu quero saber como vai ser esse enfrentamento daqui a seis meses. O presidente da República vai aceitar esse superministro Moro mandando no país, acima dele?

São conjecturas que eu faço. Ninguém sabe o que Bolsonaro pensa sobre nada, a não ser sobre aquilo que ele sempre assumiu: que é contra o gay, contra a mulher, contra os direitos, que é preconceituoso, a favor da tortura. Isso já ouvimos ele falar quinhentas vezes. Mas qual é o plano dele para a segurança pública? Ninguém tem ideia. O plano dele para a saúde? Ninguém tem ideia.

As instituições estão funcionando no Brasil?

Penso que sim. Acho que é importante que nós fortaleçamos a visão de que as instituições estão funcionando. Não é porque um juiz ousou esbofetear o poder Judiciário, primeiro usando o poder que ele tinha de forma passional, agora comprovada, que vamos chegar ao ponto de dizer que as instituições não estão funcionando. Acredito que estão.

Eu sou contrário a qualquer tipo de golpe. Através de um não discurso, de uma não proposta, Bolsonaro ganhou a presidência da República. Vamos deixá-lo cumprir a regra. Eu me lembro de falar para o Aécio, lá atrás, para não mexer com o impeachment da Dilma. O PSDB foi com muita sede ao pote e deu no que deu.

O Supremo Tribunal – se instado, porque o Judiciário não pode se manifestar sem ser chamado – vai ter que se manifestar e dizer a que veio, principalmente o Conselho Nacional de Justiça. Nós temos um juiz que agora assume que atuou nas eleições de forma parcial. Então espero que as instituições se manifestem. Mas vamos dentro da legalidade, cumprindo a Constituição.

Mas a Constituição não foi violada ao longo de todo esse processo?

A Constituição é violada muitas vezes, mas essa violação não pode ser tida como sendo um sistema que está sendo violado. Vamos enfrentar essas violações.  

 

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