Passando por cima

Tentativa de rever prisão em segunda instância no Congresso é ‘ataque à democracia’

Advogado criminalista diz que projetos na Câmara e no Senado passam por cima do Judiciário e comprovam a desarmonia dos três poderes, visando apenas atacar o ex-presidente Lula

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Para Portela, não há nenhuma preocupação com situação carcerária do país. PECs buscam atingir o ex-presidente Lula, afirma

São Paulo – Para o advogado criminalista José Carlos Portela Júnior, o avanço de projetos de lei que tratam da instauração da prisão em segunda instância, retomados para derrubar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que foi contrário à execução antecipada da pena, passa um recado do Congresso ao STF que “nada mais é do que um ataque à democracia”. Portela deu entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.

Em reação imediata ao julgamento da Suprema Corte, na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara retomou nesta segunda-feira (11), o debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 410/2018, que autoriza a execução da pena de prisão após a condenação em segunda instância. Enquanto no colegiado do Senado, parlamentares colocaram em pauta a PEC 5/2019, cujo texto é diferente, mas o teor é o mesmo.

Professor de Processo Penal no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) e membro do coletivo Advogadas e
Advogados pela Democracia, Portela explica que as investidas do Congresso são um ataque à democracia não apenas por passar por cima da Justiça, mas também por desrespeitar a Constituição que garante, no quinto artigo, a presunção de inocência como um direito fundamental de qualquer cidadão. “Não pode ser alterado nem por projeto de emenda constitucional”, destaca. “Se o Judiciário dentro da sua competência assegurou que a Constituição deve ser defendida, nos termos do texto constitucional, não pode o parlamento querer passar por cima dessa decisão do judiciário, rasgando a Constituição. E se aprovada essa PEC, fatalmente ela será declarada inconstitucional pelo Supremo, se ele seguir a mesma linha que seguiu no julgamento que nós vimos semana passada”, antecipa o advogado.

Mas, apesar do avanço da pauta, as movimentações ainda esbarram em um minoria apoiadora que, até o momento, também não conta com apoio dos presidentes das duas Casas Legislativas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Para o advogado criminalista, no fundo toda essa discussão proposta nas PECs tem como único objetivo atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos beneficiados com a decisão, sem qualquer relação com a situação carcerária no Brasil e as demais pessoas que estão presas. De acordo com Portela, toda esse paradoxo não deixa de ser responsabilidade do próprio Judiciário quando tratou com morosidade a discussão sobre segunda instância.

“O próprio Judiciário, na toada da Lava Jato, da operação política que levou à prisão o ex-presidente Lula, acabou reforçando esse autoritarismo ao rasgar a Constituição acerca da presunção de inocência (…) Mas a gente tem que lembrar que, embora queiram afetar o presidente Lula, esse tipo de ataque à democracia contaminará setores imensos da sociedade, o judiciário todo, porque ele receberá um recado de que a efetividade da justiça não vale nada, porque se decide hoje no judiciário, amanhã o parlamento edita uma lei e passa por cima da decisão”, observa o professor acrescentando que a reação do Congresso também dá o entendimento de que um direito fundamental, como o da presunção de inocência, depende de “ares da política”.

“O que é extremamente perigoso em uma democracia, porque as maiorias políticas mudam, e se cada mudança de maioria política tivermos no Brasil, nós vamos rasgar a Constituição para atender os reclames dessa maioria, assim podemos já dizer que não há mais democracia possível no país”, afirma Portela.

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