Apelou à misoginia

Ataque a jornalista é ‘tática machista de quem não tem como se defender’

Renata Mielli, do Barão de Itararé, repudia mentiras disseminadas por testemunha e Eduardo Bolsonaro na CPMI da Fake News contra Patrícia Campos Mello

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Testemunha da CPMI da Fake News mente e insulta jornalista e o deputado Eduardo Bolsonaro corrobora com ofensas 

São Paulo – Hans River do Rio Nascimento mentiu em seu depoimento à Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) das Fake News, nesta terça (11). A mentira – além dos insultos e ofensas misóginas à repórter Patricia Campos Mello – é comprovada por áudios, registros e prints das mensagens trocadas pelo ex-funcionário da empresa Yacows com a jornalista da Folha de S.Paulo.

Patricia Campos Mello e o veículo publicaram, à noite, as provas que desmontam as acusações da testemunha à reportagem. A jornalista revelou a contratação de empresas, entre elas a Yacows, para disparar ilegalmente mensagens em massa pelo WhatsApp para benefícios políticos. Baseada em documentos da Justiça do Trabalho e relatos do ex-funcionário, a matéria mostrou o uso fraudulento de nome e CPF de pessoas idosas para registrar chips de celular e garantir disparos de lotes de mensagens.

Hans, no entanto, declarou durante a CPMI que apura a disseminação de notícias falsas nas eleições de 2018 que se recusou a seguir com as denúncias que tinha por ter atuado na empresa de marketing digital durante a campanha. “Deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?”, afirmou aos parlamentares.

Mesmo com a ofensa, a sessão seguiu normalmente com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ainda corroborando com o insulto. “Não tenho dúvida que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente em troca de informações para prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder”, disse o filho do presidente da República. 

Para a jornalista Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, as acusações falsas da testemunha, endossadas por um parlamentar, revelam “o grau de perversidade das pessoas que assaltaram o poder no Brasil, que recorrem para atacar e minar a credibilidade das informações que circulam e incomodam esses poderosos”.

“É uma grave ofensa, é um atentado à liberdade de imprensa e de expressão esse tipo de recurso que a família Bolsonaro e o que estão ao redor desse movimento político que Bolsonaro lidera de caráter autoritário, fascista, conservador, machista, preconceituoso, esse é o traço distintivo desse tipo de política que eles fazem. Como eles não conseguem dialogar com a sociedade a partir dos fatos, de se defender a partir de circunstâncias reais, eles partem para a tática do ataque”, explica Renata, também coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Escalada de violações

De acordo com Renata, as mentiras e ofensas proferidas ainda demonstram a “lógica das fake news, conscientemente trabalhadas, construídas, uma indústria que passa inclusive por esse tipo de misancene”.

“O depoimento é uma fala voltada para ser reproduzida posteriormente na internet, para viralizar, ser disseminada via WhatsApp, Facebook, outras redes sociais e atingem principalmente aqueles que ainda dão sustentação, aplaudem as atitudes do governo”, ressalta Renata.

No início do ano, entidades que defendem a liberdade de imprensa e de expressão, como o FNDC, tentam uma audiência temática junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O objetivo é denunciar a escalada de violações e ataques a jornalistas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, responsável por por 121 das 208 ocorrências de violência registradas pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O pedido foi aceito e a reunião deve ocorrer no dia 6 de março e as entidades irão aproveitar do ataque à Patrícia para mostrar a situação do país.

A Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo repudiaram em nota o ataque à Patrícia Campos Mello.

“Vamos usar mais esse espaço para cobrar da comunidade internacional que acompanhe mais de perto, mas que também pressione o Brasil porque o que nós estamos vivendo é uma situação muito grave”.

Na Rádio Brasil Atual, Renata Mielli também cobrou das grandes corporações que detêm as redes sociais, para que as mentiras e insultos contra a jornalista não sejam divulgados de forma impune, e manifestou sua solidariedade à repórter premiada internacionalmente. “Muitas vezes as pessoas curtem ou fazem uma carinha triste na postagem, ou curtem o tweet da Patrícia. Isso não é suficiente. Tem que compartilhar, todo mundo precisa compartilhar os desmentidos, porque só assim ele ganha escala e tem possibilidade de romper as bolhas criadas pelos algoritmos”, afirma a secretária-geral.

Na condição de testemunha de uma CPMI, Hans poderá responder por fazer afirmação falsa no processo de inquérito, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa, segundo estabelece a legislação processual penal. 

Ouça a entrevista da Rádio Brasil Atual