PRÉ-DITADURA

Motim de policiais do Ceará foi ato político apoiado pelo governo federal, diz sociólogo

Assembleia Legislativa do Ceará aprovou PEC que proíbe a anistia por infrações cometidas por militares paralisados

JOSÉ CRUZ/EBC
JOSÉ CRUZ/EBC
'Em geral, PMs não estavam satisfeitos com o reajuste, mas estavam incomodados com a bandeira da corporação usada com viés oposicionista ao governo estadual', diz Ricardo Moura

São Paulo – O motim dos policiais militares do Ceará, no mês passado, pode ser considerado um ato político de oposição ao governador Camilo Santana (PT), com aval do governo federal. A avaliação é do jornalista e sociólogo Ricardo Moura, para quem a omissão de Bolsonaro e a atitude do diretor da Força Nacional, Antônio Aginaldo de Oliveira, de chamar os agentes amotinados de “gigantes” e e “corajosos” podem estimular novas manifestações.

Para o jornalista, a declaração de Oliveira assusta, mas não é surpresa. “Em nenhum momento a gente teve uma crítica do Ministro da Justiça (Sergio Moro) ou de outros órgãos, isso tudo estimula o movimento. Essa frase do coronel é uma sinalização de que o governo federal apoia os policiais amotinados”, criticou, em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual.

Nesta última terça-feira (3), foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Ceará proposta de emenda à Constituição (PEC) que proíbe a concessão de anistia por infrações disciplinares cometidas por militares comprovadamente envolvidos em movimentos ilegítimos de paralisação ou motim.

A PEC começou a tramitar no último sábado (29/2), após convocação extraordinária do governador Camilo Santana. O sociólogo acredita que é uma tentativa de freio para os policias amotinados, que promoviam um “ato político”, na sua avaliação.

“Esse motim foi um ato político e as pessoas perceberam isso, pois não iria parar mesmo com o atendimento de demandas salariais. Conversando com alguns policiais militares, eles disseram que estavam incomodados com a politização da demanda. Em geral, não estavam satisfeitos com o reajuste, mas estavam incomodados com a bandeira da corporação usada com viés oposicionista ao governo estadual”, acrescentou.

Período pré-1964

Também em entrevista à Rádio Brasil Atual, Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, chamou a atenção para a omissão do governo federal. “O sumiço do ministro Sérgio Moro e do procurador-geral da República (Augusto Aras) dá a impressão para os policias de outros estados de que é permitido fazer esse motim. O cenário do Brasil é de pré 1964, com a democracia sendo domesticada pelo governo federal, numa doutrina de segurança nacional”, alertou.

Ele também acrescenta que Aginaldo de Oliveira precisa ser processado, seja pela Justiça Federal ou pela Militar. “É tão grave que até os integrantes da bancada da bala fizeram críticas contundentes contra ele. Ele cometeu crimes militares e também de improbidade administrativa, violando os princípios da impessoalidade previstos na Constituição Federal”, explicou.

De 19 a 27 de fevereiro, período da greve policial, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, houve 241 assassinatos no estado, uma média de 26,7 por dia. Dos dias 1º a 18, foram 164 homicídios, média de pouco mais de 9, número semelhante ao de janeiro, que teve 261 assassinatos o mês todo.