Caldo político

Para Roberto Amaral, impeachment começa a aparecer no horizonte de Bolsonaro

Para fundador do PSB, apurações sobre fake news são a grande preocupação do bolsonarismo, enquanto Rachel Meneguello, da Unicamp, acredita que processo depende de respaldo social

Antônio Cruz/Agência Brasil
Antônio Cruz/Agência Brasil
Já que não se importa com a pandemia e nem com a economia, qestão da disseminação de fake news desde a campanha de 2018, que pode levar à cassação da chapa eleita, é a grande preocupação de Bolsonaro hoje

São Paulo – As ofensivas contra bolsonaristas, a partir de segunda-feira (15), com a prisão da “ativista” Sara Winter, e, nesta terça, com a execução de 21 mandados de busca e apreensão contra aliados do presidente Jair Bolsonaro, pela Polícia Federal (PF), além da quebra de sigilo de 11 parlamentares apoiadores do presidente, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, podem apontar para um cenário novo. Nele, as condições para um processo de impeachment podem estar se desenhando. Para o cientista político e fundador do PSB Roberto Amaral, esse é um “momento de se fortalecer o Supremo”.

Em sua opinião, a grande preocupação do bolsonarismo é a questão das fake news, alvo do inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes no STF e tema de uma CPMI no Congresso Nacional.

O tema pode vir a colocar em xeque a própria eleição de Bolsonaro em 2018, se houver conexões claras entre o inquérito relatado por Moraes no Supremo e as ações que contestam o pleito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que poderia cassar a chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão.

Não à toa, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tentou barrar a CPMI das Fake News no STF por liminar, mas seu pedido foi negado pelo ministro Gilmar Mendes. “Tudo isso pode formar um caldo político. Foi assim que começou a queda do Collor”, acredita Amaral.

Reação a ataques

Nesta terça, Alexandre de Moraes acatou pedido da Procuradoria-Geral da República no inquérito que investiga atos antidemocráticos organizados por bolsonaristas e ordenou a quebra do sigilo bancário de dez deputados federais: Daniel da Silveira (PSL-RJ), Cabo Junio do Amaral (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP), Caroline de Toni (PSL-SC), Alê Silva (PSL-MG), Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Otoni de Paula (PSC-RJ). Além deles, está na lista o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ).

Para Rachel Meneguello, cientista política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as ações judiciais desencadeadas a partir do STF têm relevância política e institucional. “Têm relevância porque buscam sinalizar que manifestações tais como vêm sendo praticadas pelos bolsonaristas devem respeitar limites colocados pela Constituição”, afirma.

Na opinião da professora, a atuação desses grupos contra as instituições democráticas e seus representantes não pode ser “normalizada”. “Movimentos dessa natureza precisam ser freados.”

Após o ataque ao STF com fogos de artifício na noite de sábado, Alexandre de Moraes determinou as ações da PF que terminaram  com a prisão da porta-voz do grupo “300 do Brasil”, Sara Winter, e busca e apreensão contra  o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), além de blogueiros como Allan Santos.

Na sexta-feira, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, declarou a Folha de S. Paulo que “o caminho” do partido “é a oposição” a Bolsonaro, mas não apoia o impeachment. “O preferível é que possamos chegar com um grau de naturalidade ao processo das eleições de 2022”, disse Araújo. Tanto para Roberto Amaral, quanto para Rachel Meneguello, a posição dos tucanos não será decisiva se o impeachment se desenhar politicamente.

“Análise tática”

A manifestação do PSDB “é apenas uma análise tática”, avalia Amaral. “Há pessoas favoráveis ao impeachment, mas acham que esse não é o momento, porque ainda não há condições sociais favoráveis. Não que seja contra o impeachment, mas é questão de discutir qual é o momento oportuno.”

Para Amaral, Bolsonaro precisa perder popularidade e também haver pressão nas ruas como houve nos impeachments de Collor e Dilma Rousseff. “O que não dá para imaginar enquanto tivermos pandemia. Toda análise é provisória até agosto, quando vão se encontrar os efeitos da pandemia com a crise econômica”, prevê Amaral.

Na opinião de Rachel, um processo de impeachment “não depende de um só partido nem deve ser considerado inviável por conta de um partido”. Contam muito a avaliação das lideranças, dos presidentes da Câmara e do Senado “e, sobretudo, do respaldo social”, completa.

“Deve resultar da confluência de forças políticas, da reunião de interesses comuns pela volta das condições de governança que estão sendo amplamente perdidas pelo atual governo. Não parece fazer sentido que o presidente do PSDB afirme que o melhor é chegar com um grau de naturalidade ao processo eleitoral de 2022, tendo conhecimento da convergência de crises que estamos testemunhando – sanitária, econômica e política. Mas essa é a análise do partido, de que é possível chegar às próximas eleições tomando como natural a atuação danosa do presidente.”

Militares contra impeachment

Amaral chama a atenção para manifestações reiteradas de militares contra as instituições, especialmente o STF. No sábado, um novo manifesto foi dirigido ao ministro Celso de Mello, com assinatura de membros da Força Aérea Brasileira, da Aeronáutica, Marinha e Exército. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, todos da reserva.

“Há uma articulação militar claramente assumindo a defesa do governo. Não sabemos qual o limite dessa solidariedade”, observa Roberto Amaral.

Ao abrir sua fala na sessão da Segunda Turma do STF desta terça-feira (16), o ministro Celso de Mello deu mais uma dura resposta aos ataques contra a corte e à democracia. “É inconcebível e surpreendente que ainda subsista, na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que pode desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais”, afirmou.

“Esse discurso jamais será de um estadista, pois estadistas respeitam a ordem democrática e se submetem, incondicionalmente, ao império da Constituição e das leis da República”, acrescentou o decano, dirigindo-se a Bolsonaro.

Edição: Fábio M Michel


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