"Cidadãos de bem"

Discurso pró-armas domina debate no Congresso, mostra estudo

Mobilização pró-armamento da população se intensificou e se tornou mais clara a partir de 2018. Por outro lado, há passividade dos parlamentares pró-controle das armas, aponta coordenadora da pesquisa do Instituto Fogo Cruzado

Tânia Rêgo/ABr
Tânia Rêgo/ABr
O armamento civil aumenta a violência. E os parlamentares contrários não se posicionam firmemente como deveriam

São Paulo – O discurso pró-armas teve 2,4 vezes mais pronunciamentos na tribuna do Congresso do que o contrário no período entre 2015 e 2023, segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado. Foram 376 discursos de parlamentares armamentistas (69% do total) ante 157 pronunciamentos (29%) contra a ampliação do acesso da população civil a armas. E apenas 11 neutros (2%).

Os pesquisadores, porém, analisaram discursos envolvendo o assunto desde 1951. E constaram que o debate só começou a se aprofundar a partir de 1997, devido às discussões sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), o Estatuto do Desarmamento e o referendo sobre comercialização de armas.

No entanto, a partir de 2015, os discursos com posição pró-armas começaram a predominar. Até 2018 foram 272 discursos sobre armamento, dos quais 198 a favor da ampliação do acesso a armas (73%), 65 contra (24%) e nove neutros (3%). Segundo a coordenadora de Pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, Terine Coelho, foi nessa legislatura que houve uma virada e a mobilização pró-armamento se torna mais clara.

“Isso é uma novidade na história republicana brasileira. Do outro lado, parece que tem uma passividade dos parlamentares pró-controle. Uma das hipóteses que a pesquisa sugere é que isso se deu porque esse campo pró-controle de armas parece acreditar que o tema está pacificado. Há uma crença de setores da sociedade, baseada no Estatuto do Desarmamento e na ideia de que a maioria dos brasileiros é contra o armamento, de que esse tema não precisa mais de discussão”, disse.

Discurso pró-armas caiu com liberou geral de Bolsonaro

Entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando houve facilitação do acesso às armas e munições, as discussões sobre o tema recuaram. Totalizaram 173 discursos, sendo 103 a favor da ampliação do acesso às armas (60%), 68 contrários (39%) e dois neutros (1%).

“O caminho que Bolsonaro adotou para operar uma virada na legislação (com uma liberação maior para o comércio de armas) foi a partir de decretos. E isso ocorreu sem que houvesse uma posição firme no Congresso. Ou seja, no momento mais importante no que se refere à regulação do armamento civil desde o Estatuto do Desarmamento, o Congresso Nacional se comportou como se fosse coadjuvante dessa pauta”, disse.

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Em 2023, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a discussão voltou à tona. Um total de 99 discursos em apenas um ano, sendo 75 a favor do acesso da população civil às armas e 24 contra. “O campo pró-controle parece ter se apoiado na revogação dos decretos (do governo anterior pelo atual governo) e está de novo se acomodando na ideia de que o tema está pacificado. Por outro lado, os congressistas pró-armamento não se desmobilizaram e nem vão, porque esse assunto é central para eles. A gente está vendo que eles estão muito mais mobilizados”, disse Terine.

Parlamentares contra as armas têm discurso tímido

Entre os armamentistas, alguns dos conteúdos que mais apareceram nos discursos foram o direito à defesa, o descontrole da segurança pública, o impacto do desarmamento no aumento da violência, os aspectos legais do uso de armas e a divisão entre bandidos e cidadãos de bem.

“O que a gente conclui, com a pesquisa, é que esse não é um tema pacificado. É um tema que está organizando o debate político. Hoje deputados e senadores (pró-armas) renovaram seus quadros e seus discursos e estão mais bem articulados, com novos argumentos”, disse a pesquisadora.

Entretanto, segundo ela, a participação dos parlamentares pró-controle de armas no debate é ínfima. “A expansão do armamento civil é um fator central para aumentar a violência num país onde tem milhares de pessoas morrendo por armas de fogo. E os parlamentares pró-controle não estão se posicionando firmemente nesse debate”.

No grupo pró-controle, os argumentos foram o monopólio do uso da arma pela polícia, as consequências de uma maior circulação de armas para a segurança pública, a necessidade de uma solução mais ampla para a violência e os impactos para mulheres, população não-branca e em escolas.

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Redação: Cida de Oliveira, com Folha de S.Paulo