Ameaças

PEC da privatização das praias voltará a ser debatida no Senado

Proposta polêmica transfere o domínio de terrenos de marinha da União para estados e municípios, abrindo brecha para a privatização. Autor do pedido de audiência, senador Fabiano Contarato (PT-ES) diz que a versão atual é um risco do ponto de vista social e ambiental

Frame/Bombeiros RJ
Frame/Bombeiros RJ
Entre os possíveis beneficiários diretos da PEC estão 9 dos 81 senadores que vão votar a medida

São Paulo – A polêmica Proposta de Emenda à Constituição (3/2022), apelidada de PEC da privatização das praias, voltará a ser debatida no Senado. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) anunciou na noite desta quarta-feira (5) a aprovação de seu requerimento para audiência pública sobre o projeto que extingue com os chamados terrenos de marinha. Se aprovado, as áreas à beira mar, de lagoas e rios, de domínio da União, serão transferidas a estados, munícipios e também a empresas.

No pedido, o senador destacou a necessidade de mais clareza sobre os risco que a PEC pode trazer à sociedade. A proposta é criticada por técnicos e especialistas pelos riscos ambientais. Isso porque facilita a privatização de áreas do litoral brasileiro, abrindo brechas para a grilagem e a especulação imobiliária em prejuízo das comunidades pesqueiras artesanais e da preservação. Os críticos também apontam a insegurança jurídica e condições para agravar ainda mais os impactos das mudanças climáticas em curso, ao facilitar também a degradação ambiental.

“Já me posicionei contra a proposta do jeito que ela está redigida. Sou a favor de acabar com pesados impostos para quem ocupa terrenos de marinha. Mas sou totalmente contrário à possibilidade de privatizar essas áreas importantíssimas do ponto de vista social e ambiental. Agora, sim, vamos discutir melhor esse assunto, com a devida importância”, justificou Contarato em seu perfil na rede X.

PEC da Privatização das Praias facilita calote

A PEC da Privatização das Praias tem parecer favorável do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da proposta. Em sua manifestação, o parlamentar alegou que o projeto dará mais segurança jurídica aos atuais ocupantes. Isso porque “muitas pessoas adquiriram imóveis devidamente registrados na serventia de registro de imóveis e, após decorridos muitos anos, passaram a ter suas propriedades contestadas pela União, quando da conclusão de processos demarcatórios”, argumenta.

Flávio Bolsonaro também defende que a medida aumentará a arrecadação federal e atenderá necessidades de municípios com grandes áreas litorâneas. A proposta, porém, que já foi tema de audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 27 de maio, coleciona controvérsias e provoca repercussão nas redes sociais. Atualmente, a propriedade desses imóveis é compartilhada com a União, que cobra uma taxa de foro pelo uso e ocupação do terreno. Em caso de transferência para outra pessoa, é preciso pagar outra taxa, o laudêmio.

Ao facilitar a transferência, a PEC, porém, não prevê sanções ou condutas em caso de não pagamento. O que pode provocar diversos calotes no governo quanto ao pagamento de valores devidos por um proprietário. “A PEC é a porta para a privatização”, destacou o o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “A proposta não privatiza a praia. Ela permite que prefeitos e governadores regularizem a participação da iniciativa privada. Logo ela é a porta para a privatização”, completou em entrevista ao portal Congresso em Foco.

Senadores com propriedades no litoral

Levantamento da Folha de S. Paulo, divulgado nesta quinta-feira (6), mostra que entre os possíveis beneficiários diretos da PEC estão 9 dos 81 senadores que vão votar a medida. São eles: Alessandro Vieira (MDB-SE), Ciro Nogueira (PP-PI), Esperidião Amin (PP-SC), Fernando Dueire (MDB-PE), Jader Barbalho (MDB-PA), Laércio Oliveira (PP-SE), Marcos do Val (Podemos-ES), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Renan Calheiros (MDB-AL). Com base em dados públicos da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e da Justiça Federal, o jornal identificou que todos esses parlamentares têm em seu nome propriedades que ficam em área de marinha.

Mas, apesar do conflito de interesse, a maioria deles disseram não se sentir impedidos em analisar a PEC. Dois deles ainda já se declararam favoráveis ao texto: Esperidião Amin (PP-SC) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). O primeiro é dono de um imóvel de 2.982,89 metros quadrados em Guaratuba, no litoral do Paraná. À reportagem, Esperidião minimizou a contradição, afirmou que se trata de uma “casa de veraneio” e que a PEC não terá para ele um “reflexo significativo”.

“São milhares de casas na mesma situação. Importante salientar que, em qualquer hipótese, não haverá alteração no uso do terreno”, afirmou à Folha. A proposta de privatização das praias já teve aval da Câmara, em fevereiro de 2022. Na época, a SPU alertou que a medida seria “deletéria” sobre o patrimônio da União. O cálculo é de que o valor das áreas envolvidas supere R$ 1 trilhão. O prejuízo, contudo, pode ser ainda maior, segundo informações atualizadas pela secretaria a partir do Censo de 2022.

Análise da proposta

A estimativa é que haja atualmente 2,9 milhões de imóveis em terrenos de marinha. Mas apenas 565,3 mil deles estão cadastrados. E os beneficiários tendem a ser pessoas de alta renda, que ocupam terrenos à beira-mar.

Entre os que podem se beneficiar estão ainda Marcos do Val e Laércio Oliveira, que não manifestaram qual posição vão adotar na análise do tema. Oliveira, porém, já votou a favor da PEC da Privatização das Praias quando ela foi aprovada pela Câmara e ele era deputado. Já Fernando Dueire, que também tem propriedade no litoral, se disse contrário à medida.

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Redação: Clara Assunção