Três dias no Alemão e Vila Cruzeiro

Em três visitas aos complexos de favelas, a reportagem captou clima tenso e medo dos moradores de contarem suas experiências

Pelas ruas, vielas e becos vazios algumas casas estampavam avisos na porta: “Não invada a nossa casa, ela já foi revistada. Se quiser entrar, a chave está ao lado, com o vizinho”. Foto: Francisco Valdean

Diferente do dia-a-dia de uma favela, que sempre está lotada de gente, com crianças brincando pelas calçadas, alegria e música, circulação de trabalhadores e trabalhadoras, estudantes voltando dos colégios, havia nas favelas do Alemão pouquíssimas ruas com algum movimento. Dois tipos de movimentação chamaram atenção: a forte presença do Exército, da Polícia Civil e Militar, desde a pista de entrada das favelas até as casas e lajes dos moradores; e os vendedores da Sky que corriam atrás dos moradores ávidos por vender o produto.

Pelas ruas, vielas e becos vazios e nas subidas e descidas de ladeiras, algumas casas estampavam avisos na porta, do tipo: “Não invada a nossa casa, ela já foi revistada. Se quiser entrar, a chave está ao lado, com o vizinho”. 
O silêncio não significava paz. Numa das ladeiras, um morador para sua Kombi e grita: “Quero que vocês tirem fotos, filmem o que os policiais estão fazendo nas nossas casas. Eles estão invadindo, agredindo, roubando a gente. Isso eu quero ver sair no jornal, isso vocês não mostram”.

Sob o sol quente, não havia crianças soltando pipas, famílias reunidas em torno do churrasco ou tomando banho de mangueira. No alto das lajes só estavam policiais fortemente armados. Em uma casa, com bela vista, uma senhora se aproxima e é impedida pela filha de entrar. A moça pede que ela volte. No mesmo instante, da pequena casa que parecia ter apenas um cômodo, saem quatro policiais, com fuzis e coletes a prova de balas.

Abusos

Alguns moradores se mostraram receosos em dar informação, e não quiseram se apresentar. Fábio Cruz*, de 30 anos, contou que sua casa foi invadida por policiais: quebraram armário, guarda-roupa e um aparelho de som. “Eles também entraram na casa da minha mãe, arrombaram a porta, quebraram tudo e deixaram os portões abertos. Não tinha ninguém em casa, e muita gente aproveitou para entrar e roubar o que tinha lá dentro”, contou.

Quando a ocupação começou, Maria Rocha*, mãe de dois filhos, saiu do Alemão e foi para a casa da irmã em Belford Roxo, na baixada fluminense. “Quando voltei vi que eles tinham entrado e revirado tudo. A parede estava quebrada e tudo uma bagunça: as roupas que estavam no armário jogadas no chão, o ventilador amassado. Está impossível continuar lá, tudo revirado. Até consertar o estrago vou ficar passando de um lugar a outro.”

Maria discorda da “paz” alardeada por alguns jornais. “Aqui não está toda essa maravilha. Uma coisa é perto do asfalto, aqui dentro a realidade é outra. Muita gente está tendo suas casas destruídas, trabalhadores e mães de família que não têm nada a ver com a guerra”. Maria e outros moradores esperam que melhorias ocorram daqui para frente. “A lei pode ser igual para todos na teoria, mas no morro os direitos são diferentes”. Uma vizinha de Maria, Júlia Gonçalves*, reclamou da falta do respeito dos policiais.

Outra moradora, Ana Silva*, contou que guardas depredaram e roubaram pertences de sua casa, na favela da Fazendinha, uma das que compõem o Alemão. Geladeira, fogão, armário de cozinha e outros móveis foram roubados, além de chuveiros, torneiras, roupas. Ela contou que alguns pertences foram levados por policiais militares, mas moradores também participaram do saque. Um adolescente relatou que os próprios policiais induzem os saques. “Tá tudo quebrado, chorei muito. Estou triste”, disse a neta de Ana, de 7 anos. A sogra, que mora com ela, contou que os policiais agiram dessa forma dizendo que “aquela casa só podia ser de bandido” por causa dos objetos que continha. “Isso é um absurdo, e todas as notas fiscais estavam na gaveta. Tenho todos os comprovantes”, contou.

Desde o dia 30 de novembro um ônibus da Defensoria Pública do Estado está na esquina da Joaquim de Queiroz com a Avenida Itararé, um dos principais acessos ao Morro do Alemão. Foto: Francisco ValdeanEssas denúncias têm sido cada vez mais comuns. Desde o dia 30 de novembro um ônibus da Defensoria Pública do Estado está na esquina da Joaquim de Queiroz com a Avenida Itararé, um dos principais acessos ao Morro do Alemão. Segundo a defensora Darci Burlandy, coordenadora da ação na comunidade, foram cerca de 320 atendimentos por dia. As principais procuras foram para retirada de documentação básica e orientação jurídica. Cerca de 30 moradores registraram queixas contra a atuação da polícia.