À sombra da impunidade

Enquanto esta edição era produzida, cenas constrangedoras do trote promovido por veteranos da Universidade de Brasília corriam o país. Alunas e alunos recém-ingressados na Faculdade de Agronomia e Veterinária eram […]

Enquanto esta edição era produzida, cenas constrangedoras do trote promovido por veteranos da Universidade de Brasília corriam o país. Alunas e alunos recém-ingressados na Faculdade de Agronomia e Veterinária eram coagidos a praticar simulações públicas de sexo oral. Num momento que marca o início de uma etapa no processo de formação do indivíduo – e que coincide com a transição da adolescência para a vida adulta –, em vez de celebração com festa, cultura e criatividade, jovens são submetidos a rituais que desprezam noções de dignidade e direitos humanos.

Nesse início de ano letivo, a revista recupera momentos lamentáveis da história de algumas faculdades para lembrar que os trotes violentos, ainda que em decadência, não acabaram. Em parte porque o caráter violento de quem os pratica está presente também naquele calouro que aceita a baixaria na ânsia de reproduzi-la depois, fragilizando o poder de reação dos que a desaprovam. Cabe às faculdades assumir mais responsabilidades para dar fim a esse ciclo. E estimular a vítima a denunciar agressões físicas e psicológicas, e o agressor a perder a sensação de impunidade.

Nos momentos finais desta edição, o engenheiro Ricardo Martins morreu ao receber descarga elétrica em obra do Metrô de São Paulo. Martins trabalhava para uma empresa terceirizada contratada pela Alstom, integrante do consórcio responsável pela obra. A poucas quadras dali, há quatro anos, sete pessoas morreram ao cair numa cratera aberta em obras de escavação. Como é possível uma pessoa em serviço se aproximar tanto de uma linha de altíssima voltagem ou uma escavadeira avançar num subsolo sujeito a sugar casas e pessoas são questões que ficam para a história, mal contada, do Metrô paulista, cuja situação de lentidão, superlotação e suspeitas de superfaturamento também é abordada.

Ainda ao final desta edição, ditaduras do mundo árabe, como a do Egito, ruíam diante da revolta popular. A uma revista mensal, ainda que com o ônus de mergulhar em fatos sem desfecho definido, resta a tentativa de ajudar o leitor a entender um momento que pode ser crucial em um ambiente que exibe ilhas de tirania e riqueza cercadas de pobreza. Também não se dispunha do saldo final dos prejuízos materiais e emocionais da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro. Ficam, então, os registros da reação de empresas, poderes públicos e pessoas anônimas – muitas envoltas num mundaréu de destruição que pode lhes ter tirado até a própria identidade, mas não a esperança e a vontade de se reconstruir.