Ensurdecedora ostentação

Versalhes, o palácio da imponência, de onde o rei não percebeu a chegada da revolução

No palácio há cerca de 700 quartos, todos com decoração suntuosa (foto © João Correia)

Para a maioria dos que visitam o Palácio de Versalhes, a 25 quilômetros da capital francesa, luxo, riqueza e ostentação dominam o passeio. Decoração suntuosa em infinitos cômodos e salões levam à história de um império que não poupou esforços, do povo pobre, para sustentar a vida abastada de reis e rainhas e nobres. São cerca de 700 quartos, 2.153 janelas, num habitáculo onde viviam 2.000 integrantes da nobreza, sem contar a criadagem. Alguns historiadores falam em algo em torno de 20 mil pessoas. Cenas de um modelo de governo e de acumulação de riqueza que levou o país a uma das mais drásticas revoluções da humanidade, a Revolução Francesa, que influenciou o mundo com seus ideais­ de liberdade, igualdade e fraternidade­ – hoje rapidamente esquecidos a cada estouro de bolha financeira.

Versalhes começou a ser construído em 1668, para representar a glória do reinado de Luís XIV, conhecido como Rei Sol, e era também a forma que a nobreza encontrou de ficar um pouco mais distante de seus súditos e críticos, que se aglutinavam em Paris e outras regiões da França. Seu filho, Luís XV, subiu ao trono com apenas 5 anos, e gozou de toda essa opulência até a morte, aos 59 anos, em 1774. Caberia a seu sucessor arcar com os efeitos da vida mansa levada pelos antepassados.

Pouco preocupado com os problemas do reino, Luís XVI se casa com Maria Antonieta e segue a vida ilhado em seu castelo, sem perceber o clamor popular cada vez mais alto. Nasce daí uma anedota que por muito tempo atribui-se à rainha, que ao ser indagada por um grupo de miseráveis a reclamar não ter pão para se alimentar, teria respondido: “Se não tem pão, que comam brioches”. Embora seja consenso entre os historiadores que a frase não foi dita por Maria Antonieta, era muito usada para incitar a população e os inimigos do rei.

Deu no que deu. Em 5 de outubro de 1789, Versalhes foi invadido e a família real­ detida e levada para uma prisão em Paris. A Revolução Francesa fazia vítimas na nobreza e invertia o ciclo do poder – aboliu os direitos feudais, a servidão e serviu de base para a declaração dos princípios universais do homem. Quatro anos mais tarde, Luís XVI e Maria Antonieta seriam levados à guilhotina, engenhoca cujo nome é derivado de seu inventor, um francês chamado Joseph-Ignace Guillotin.

O palácio hoje

Sala dos Espelhos (foto: © João Correia)

Após a revolução, o Palácio de Versalhes chegou a ser praticamente abandonado. Muitas das obras que ali estavam foram levadas a museus como o Louvre e seus salões foram ganhando outras funções – ministério, biblioteca, museu, entre outras menos nobres. Quase chegou a ser vendido a particulares, mas, no início do século 19, teve seu valor histórico reconhecido e foi restaurado nos moldes que seus reis tinham desfrutado por mais de um século. Hoje, o que se vê em seus salões luxuosos é uma mostra dos símbolos daquela classe esnobe. Cenas com deuses mitológicos como Apolo, Diana, Hércules e Mercúrio são magistralmente representadas nos tetos, pelas mãos dos melhores artistas da época.

Entre os aposentos mais procurados estão a Capela Real e a Sala dos Espelhos, que esbanjam beleza e, de antemão, provocam o imaginário de quem pretende visitar a França. Na Sala dos Espelhos foi assinado o Tratado de Versalhes, em 1919, pondo fim à Primeira Guerra Mundial. O quarto do rei e o da rainha também chamam a atenção. São distantes um do outro (pois dormiam separados) e levam a mais uma contradição domiciliar: apesar de toda a grandiosidade do ambiente, a julgar pelo tamanho das camas, as pessoas eram muito pequenas. Não que tamanho seja documento, mas é notável o olhar de estranhamento dos visitantes: tanto poder para metro e meio de cama.

Depois de ser sufocado pela ostentação interna, nada como um ar puro em seus jardins. Não à toa são considerados entre os mais belos do mundo. Sua grandiosidade leva o horizonte para longe. São dezenas de escadarias, fontes, canteiros e, ao fundo, um grande lago, construído em forma de cruz, que acompanha o padrão dos desenhos geométricos do jardim como um todo. Em seus 800 hectares, há 50 fontes, mais de 2.000 estátuas e cerca de 20 quilômetros de trilhas, prato cheio pra quem gosta de andar.

Jardins de Versalhes (foto: © João Correia)É essa, aliás, a forma mais tradicional de conhecer os jardins de Versalhes. Claro, ainda se pode alugar um carrinho elétrico e cruzar tudo com maior agilidade, ou uma bicicleta, ou ainda ir de micro-ônibus aos principais pontos. Próximo aos lagos centrais, há barcos para percorrer a remo parte do jardim, romanticamente. Consta que Luís XIV dava grandes festas em barcos que reuniam a nata da nobreza.

A revolução conseguiu diminuir a diferença de vida entre os nobres e o povo. Hoje, a França é um dos melhores países­ do mundo para viver, embora seja constantemente assolada pelas crises que perpetuam a desigualdade social em todo o mundo. E onde a xenofobia de Estado afeta, inclusive, os imigrantes provenientes de colônias que ajudavam a bancar os brioches de Maria Antonieta. Algo a se pensar. Afinal, viagens não são apenas para encher os olhos, mas para refletir sobre o mundo, olhar a história do outro e refletir sobre a nossa, ver o passado e pensar no futuro, tentar entender o que mudou no mundo nos últimos séculos. Se é que mudou.