Mudança de lógica

Para Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi, partidos de oposição deveriam abandonar “maus ensinamentos” e mudar a relação entre Executivo e Legislativo

(Foto: Nélio Rodrigues/Revista Viver Brasil)

O senso comum, que manda votar contra o governo independentemente de o projeto ser de interesse do país, deveria ser repensado pelos partidos de oposição, na análise do diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, em entrevista à Rede Brasil Atual. Isso poderia evitar episódios como o da votação do Código Florestal – a aprovação do texto, posteriormente vetado em parte pela presidenta Dilma Rousseff, teria ocorrido não apenas pela força da bancada ruralista, mas por uma soma de forças de oposição, ou nem tanto, interessadas em impor uma derrota ao Palácio do Planalto. 

“Os setores da mídia que se relacionam com Cachoeira usam o conceito de ‘liberdade de imprensa’ para se proteger, para proteger uma prática francamente condenável. Não se conhece nos anais da imprensa política internacional um caso desse tipo”

Coimbra relaciona o sucesso do governo Dilma à capacidade da presidenta de demarcar mudanças na política tradicional. “A Dilma, ao contrário dos políticos tradicionais, não tem um projeto de ficar no poder. Tem um projeto de administração e enxerga dificuldades para executar esse projeto de administração de uma maneira bem diferente de um político mais tradicional”, afirmou.

Em outra ponta, o adversário de Dilma em 2010, o tucano José Serra, mostra sinais de desgaste, ­segundo o analista político, e por isso poderá ter dificuldades em sua campanha à prefeitura de São Paulo. “Ele é 100% conhecido e tem, digamos, entre 25% e 30% da intenção de voto. Significa inversamente que 70% a 75% da cidade em princípio não vota nele.”

A seguir, leia trechos da entrevista.

De que maneira todos sairiam ganhando com uma mudança na relação entre os partidos e entre o Legislativo e o Executivo?
Uma das razões que explicam a duração dos embates políticos no Brasil é a partidarização excessiva de algumas questões. É totalmente natural que alguns temas sejam tratados a partir da identificação partidária do parlamentar. Mas existem outros em que o que está em jogo é uma coisa mais ampla, que é o interesse nacional, para usar uma expressão que serve em situações como essa. Não é incomum nem diferente em outros lugares do mundo, quando o sistema político está perante questões que não são partidárias são quase consenso. Em questões como essa eu acredito que o mais correto seria o parlamentar votar contra o consenso. E, na votação do Código Florestal, vimos isso. Quem acabou apoiando não foi o setor diretamente interessado, mas uma coalizão na qual há pessoas que no fundo não acreditam que essa é a melhor solução para o Brasil. Votaram desse jeito apenas para derrotar o posicionamento do governo. Isso que eu acho que era um mau ensinamento da época em que o próprio PT tinha um comportamento muito negativo, mas revisto quando o partido chegou ao governo. O que é estranho é que as atuais oposições que foram governo e cobravam do PT agora fazem o mesmo jogo. 

Dilma tem conseguido imprimir essa mudança de lógica política ou ainda é cedo? Qual o limite dessa mudança?
Acho que ela está fazendo. Se consolidará como uma marca da sua administração, talvez seja coisa a dizer. A Dilma, ao contrário dos políticos tradicionais, não tem um projeto de ficar no poder. Tem um projeto de administração e enxerga dificuldades para executar esse projeto de administração de uma maneira bem diferente de um político mais tradicional, até do Lula, que tinha uma tolerância que ela não tem. E isso é muito salutar para ficar na política brasileira. Agora, até que ponto ela irá, é difícil dizer. Acho ela vai tão longe quanto conseguir, e é desejável para todos que ela tenha apoio.

Você tem alguma expectativa de que a CPMI do Cachoeira resulte em revelações efetivas ou se transformará em mais um palco para essa partidarização excessiva? 
É um exemplo 100% político. Em outros casos não vejo, pelo menos por enquanto, que já esteja na hora de invocar o que seria, digamos, interesse nacional. Acho, no entanto, que já está na hora de uma oportunidade para uma revisão do relacionamento do sistema político com os grupos de interesse, nesse caso envolvendo uma organização com atividades ilegais ou criminosas. É o mais longe que se pode ir na privatização da política, fazendo parte do sucesso não só de um grupo econômico e de um grupo de interesses, mas de um grupo econômico e de interesses cujas raízes estão na ilegalidade. Se for colocada essa discussão, o assunto passa a ser suprapartidário. Mas, por enquanto, estamos vendo um tensionamento político característico da vida parlamentar. 

Discutir a relação entre veículos de imprensa, criminosos e políticos pode ser benéfico à sociedade?
Para mim não tem dúvida. O que tivemos nos últimos anos e as revelações que até agora foram feitas sugerem que houve uma deliberada concordância dos veículos de imprensa em nada fazer para denunciar uma coisa que estavam vendo – denunciar como imprensa, e não como autoridade policial, que não é o caso – em troca de uma estratégia de tomada de posição política dos veículos. O que se fez foi a aplicação do velho princípio de que os fins justificam os meios. Para atacar o governo vale qualquer coisa, inclusive fazer um papel muito discutível de colaboração duradoura, digamos assim, com o grupo do Cachoeira. Dizer que quando alguém que questiona isso está questionando a imprensa é usar o conceito de “liberdade de imprensa” para se proteger, para proteger uma prática que é francamente condenável. Não se conhece nos anais da imprensa política internacional um caso desse tipo. No Watergate, os repórteres do Washington Post usaram de alguém que fazia confidências e estava diante do governo. É completamente diferente.

A tendência é que a candidatura de Serra veja crescer a rejeição ou consiga superar de alguma maneira essa rejeição?
O problema do Serra não é que a rejeição aumente, pode até acontecer. Do modo como ele conduziu a campanha de 2010, por exemplo, não seria surpreendente se voltasse a usar estratégias que possam provocar um aumento de rejeição. Não acho que esse seja o problema. O problema do Serra é que a imagem dele já chegou num teto em matéria de conhecimento da cidade. Quando se pega qualquer pesquisa feita há mais tempo e outra agora, ele é conhecido por praticamente 100%. E uma maioria diz que o conhece muito bem. Então, se é verdade que ele tem poucas chances de que a rejeição aumente, também tem poucas chances de que a simpatia aumente.

Não há nada que ele possa dizer – pelo menos ao que parece – que faça com que o eleitor melhore a imagem que tem dele. Também tem pouca coisa a dizer que provoque rejeição, porque todo mundo já sabe o que ele tem de bom e o que ele tem de ruim. É nesse balanço de coisas boas e ruins que a candidatura dele tem uma grande dificuldade. 

O fato de o PSDB apostar em alguém que já foi candidato várias outras vezes é emblemático do momento do partido?
Integralmente. E representa um recuo. Uma parcela grande do PSDB de São Paulo não queria que a eleição ficasse dessa forma. Queria avançar com as prévias, queria fazer com que elas permitissem, pelo menos começassem, uma vida partidária real dentro do PSDB e pelos integrantes das instâncias mais capilares que efetivamente tivessem voto e influência na decisão do partido. Isso não aconteceu, e essa é a frustração que marcou a candidatura do Serra desde o nascimento e se traduziu na vitória apertada que ele teve no que acabou ficando como prévia. Então, as prévias de verdade foram suspensas, os candidatos de renovação tiveram de recuar e, ao invés do passo adiante, que parecia que iriam dar, deram dois passos para trás. De outro lado, você tem o Lula mostrando que pesquisa não é para ser obedecida. Pesquisa é para ser analisada politicamente. Se o Lula tivesse se baseado em pesquisa, não teria lançado a Dilma nunca, não teria lançado o Fernando Haddad. O Lula está pensando na frente e o PSDB está pensando para trás, essa que é a diferença.