O cozinheiro do Figueiredo

Em Florianópolis, você não pega táxi na rua. É preciso telefonar. De preferência com antecedência, marcar hora. O taxista desta história foi chamado pelo hotel. Aproveitei para anotar seu celular. Assim, teria a quem recorrer dali para a frente

(Ilustração:Vicente Mendonça)

O homem é atarracado, o rosto estufado, de quem come bem e gosta de uma cerveja. Não parece velho. Deve ter entre 55 e 60 anos. Chamo-o de Quincas.

Para sair do pátio do hotel, ele precisou dar a ré e esterçar. Já na avenida, depois de alguns minutos, disse:

— Agora manobro carro, mas antes eu manobrava fogão.

— Como assim, o senhor era cozinheiro?

Então senti que ele disse o que estava querendo dizer desde o começo, talvez para mostrar que não era um taxista qualquer, que tinha uma história.

— Eu fui cozinheiro do Figueiredo.

— Do general Figueiredo? E como era ele?

— Gostava de carne doce, costela, maminha, tinha de pôr fruta, maçã, pêssego, abacaxi; quando comia fora eu é que provava.

— Tinha medo de ser envenenado?

— Era do regulamento; para onde ele ia, eu ia junto.

— E como é que o senhor virou cozinheiro do general Figueiredo?

— Eu sou militar.

— Com que patente?

— Taifeiro da Aeronáutica.

— Mas taifeiro não é de navio, da Marinha?

— Eu era da Marinha, mas passei para a Aeronáutica; lá também tem taifeiro, os cozinheiros, os ajudantes, são todos taifeiros.

— E como era o Figueiredo como pessoa?

— Era um homem bom, ruim era o Geisel, esse era tão mau que acho que não gostava nem dele mesmo.

— Então você gostou de trabalhar com o general Figueiredo?

— Só o que ele fez de ruim foi dar anistia para esses vagabundos lá de fora, eu disse para ele que estava errado, mas ele disse que precisava fazer isso.

A conversa parou aí. Por sorte, chegara aonde tinha de chegar. Paguei. Saí. Risquei o celular do Quincas da minha agenda.

Prefiro andar a pé, pensei.

Passei o resto do dia triste com meu país.