O cozinheiro do Figueiredo
Em Florianópolis, você não pega táxi na rua. É preciso telefonar. De preferência com antecedência, marcar hora. O taxista desta história foi chamado pelo hotel. Aproveitei para anotar seu celular. Assim, teria a quem recorrer dali para a frente
Publicado 13/11/2012 - 15h16
O homem é atarracado, o rosto estufado, de quem come bem e gosta de uma cerveja. Não parece velho. Deve ter entre 55 e 60 anos. Chamo-o de Quincas.
Para sair do pátio do hotel, ele precisou dar a ré e esterçar. Já na avenida, depois de alguns minutos, disse:
— Agora manobro carro, mas antes eu manobrava fogão.
— Como assim, o senhor era cozinheiro?
Então senti que ele disse o que estava querendo dizer desde o começo, talvez para mostrar que não era um taxista qualquer, que tinha uma história.
— Eu fui cozinheiro do Figueiredo.
— Do general Figueiredo? E como era ele?
— Gostava de carne doce, costela, maminha, tinha de pôr fruta, maçã, pêssego, abacaxi; quando comia fora eu é que provava.
— Tinha medo de ser envenenado?
— Era do regulamento; para onde ele ia, eu ia junto.
— E como é que o senhor virou cozinheiro do general Figueiredo?
— Eu sou militar.
— Com que patente?
— Taifeiro da Aeronáutica.
— Mas taifeiro não é de navio, da Marinha?
— Eu era da Marinha, mas passei para a Aeronáutica; lá também tem taifeiro, os cozinheiros, os ajudantes, são todos taifeiros.
— E como era o Figueiredo como pessoa?
— Era um homem bom, ruim era o Geisel, esse era tão mau que acho que não gostava nem dele mesmo.
— Então você gostou de trabalhar com o general Figueiredo?
— Só o que ele fez de ruim foi dar anistia para esses vagabundos lá de fora, eu disse para ele que estava errado, mas ele disse que precisava fazer isso.
A conversa parou aí. Por sorte, chegara aonde tinha de chegar. Paguei. Saí. Risquei o celular do Quincas da minha agenda.
Prefiro andar a pé, pensei.
Passei o resto do dia triste com meu país.