Números na balança

Medidas de estímulo ainda têm efeito tímido sobre a indústria. Aposta é de recuperação em 2013, se o mundo deixar

Foto:Paulo Whitaker/Reuters
Foto:Paulo Whitaker/Reuters
Redução de impostos: duração e efeitos limitados

Como um time que teve desempenho medíocre na temporada, a indústria brasileira passou os últimos meses de 2012 já fazendo contas para o ano seguinte, quando, espera-se, tudo será diferente. As previsões são mais otimistas, com moderação. O governo adotou algumas medidas de estímulo ao setor, porém com efeito limitado.

O secretário-geral da CUT Sérgio­ ­Nobre, acredita que é o momento de discutir uma mudança de modelo. Ao ­citar o exemplo do Gol como carro 100% ­fabricado no Brasil, ele afirma que o país está se tornando menos produtor e mais importador. O dirigente considera positivo o Plano Brasil Maior, lançado pelo Executivo, “mas seria melhor se nascesse de um pro­cesso de diálogo”. As isenções pontuais de impostos, ­como lembra Nobre, não chegam a toda a cadeia produtiva.

“Foram as medidas possíveis. A ­gente está conseguindo respirar”, afirm­a o ­gerente de Relações do Trabalho da Con­fe­deração Nacional da Indústria (CNI), Emerson Casali, apontando a ­redução de tributos e a desoneração da folha de pagamentos, além do ­câmbio. “­Alguns mantiveram os empregos e conse­guiram crescer. O custo do ­capital talvez ainda esteja um pouco alto. O ­Brasil ficou ­caro para produzir e com muita insegurança jurídica”, acrescenta, citando insumos, ­como a energia, e logística. Segundo ele, o ­custo “derivado da insegurança jurídica é silen­cioso, mas aos poucos inibe e ­afasta ­investidores”.

Para o diretor-superintendente da ­Asso­­­ciação Brasileira da Indústria ­Têxtil e da Confecção (Abit), Fernando Pimentel, ainda é ­cedo­ para uma avaliação mais precisa, já que parte das medidas ainda não foi implementada. “Não é uma panaceia. Estão na direção correta.” Ele lembra que a desoneração da folha de pagamentos (que passou de 1,5% para 1%) é recente: “Não há como medir o impacto, mas vai no sentido positivo”. A prometida redução das tarifas de energia elétrica é outro item aguardado com expectativa. “A energia afeta todos os elos. Mas ainda não aconteceu.”

Segundo o executivo, falta ao Plano Brasil Maior “uma consistência que dê horizonte de médio e longo prazo”, ampliando a segurança para investimentos. “Esse horizonte, esse projeto de país está fazendo falta. Apesar de reconhecer todos os esforços da equipe econômica, aceitando que o Brasil é oneroso e burocrático, o tamanho do desafio transcende a isso. Há muitas coisas no curto prazo”, diz Pimentel. Segundo a Abit, em 2011 a produção caiu 15% no setor têxtil e 4,4% no vestuário – este ano, até setembro, recuou 5,14% e 11,23%, respectivamente. “Vivemos uma situação de excedentes no mundo, e isso está se refletindo nessa queda de produção.”

O secretário executivo adjunto da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Antonio Prado, destaca um cenário de queda no comércio mundial, que no período 2004-2007 – ou seja, antes da crise – cresceu 7,4% ao ano, em média, e deve aumentar 4,7% ao ano de 2011 a 2013. “Existe um processo de desaceleração da atividade industrial, e, é claro, muito mais rápido nos países mais industrializados. As economias emergentes tiveram queda menos profunda e terão recuperação mais rápida. Nas economias avançadas, a recuperação agora será muito mais lenta.”

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Antônio Prado: "A mudança no regime macroeconômico em direção a juros mais baixos e real mais desvalorizado contribuirá para a reativação da indústria. Mas o resultado não é imediato" (Foto:Lorenzo Moscia/CEPAL)Desenvolvimento exige transformação

Antonio Prado, da Cepal, identifica na baixa taxa de investimento um dos motivos que impediram maior dinamismo na indústria. Ele vê sinais de reativação, mas o processo será longo

 

Você diz que a América Latina não soube mudar o padrão de produção. No caso da indústria brasileira, o que faltou? Inovação? Investimento? Diversificação?

A indústria brasileira é a mais diversificada da região, e o Brasil, o país que mais gasta com P&D (pesquisa e desenvolvimento), 1,2% do PIB, mas ainda não tem um parque industrial produtor de alta tecnologia, à exceção do complexo aeronáutico e de prospecção e produção de petróleo em águas profundas. Na microeletrônica desenvolvemos muito pouco. O problema está mesmo na baixa taxa de investimentos. Isso se deve ao longo período de apreciação do real e das altas taxas de juros reais.

O real valorizado estimulou um aumento de itens importados na composição do valor de produção, financiados a juros externos muito baixos. A recente mudança no regime macroeconômico em direção a juros nominais e reais mais baixos e real mais desvalorizado contribuirá para a reativação da indústria. Mas o resultado não é imediato, pois leva tempo mudar o padrão adotado em função da longa fase do real apreciado.

Com a desaceleração no comércio mundial, o Brasil deverá ser mais pressionado por Estados Unidos e China. Está preparado?

Não. Será necessário defender temporariamente a indústria em um momento de superconcorrência internacional, tanto por meio do câmbio como de tarifas. Está claro que as políticas monetárias de emissões de moeda nos Estados Unidos (quantitative easing) terminam por desvalorizar o dólar. Os Estados Unidos já estão superavitários na balança de bens e serviços com o Brasil. O que ainda compensa é o déficit da China com o país, pela importação de commodities – ferro, petróleo, soja, entre outros.

A aposta do Brasil no mercado interno não está chegando ao limite?

O Brasil tem no mercado interno sua principal fonte de dinamismo econômico. Há muito tempo a contribuição do comércio exterior é negativa do ponto de vista macroeconômico. O crescimento do consumo agregado tende a perder ritmo à medida que cresce o endividamento das famílias e satura a demanda por bens duráveis. É importante buscar outras fontes de dinamismo, que no momento estão nos investimentos e particularmente em gastos com infraestrutura.

É importante manter políticas sociais como a do salário mínimo e de transferência de renda?

Desenvolvimento é crescimento com transformação estrutural, diminuição das desigualdades e criação de empregos de qualidade. Uma característica de nossa região, e o Brasil também faz parte desse problema, é que há uma imensa heterogeneidade estrutural que reproduz a desigualdade. Isso significa que os setores de alta produtividade geram cerca de dois terços do PIB e só 20% dos empregos. Os de baixa produtividade geram 10% do PIB e mais de 50% dos empregos, que, logo, são de baixíssimos rendimentos e salários. As políticas de valorização do salário mínimo e de transferência de renda são fundamentais para reduzir essas desigualdades e ajudam a dinamizar economias locais.

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O Brasil, segundo Prado, tem o desafio de aumentar sua taxa de investimento (hoje em torno de 17% do PIB), enquanto a China tende a diminuí-la (50%). Nos próximos anos, o mercado brasileiro também deverá sofrer pressões das ­duas maiores economias mundiais, a americana e a chinesa. “Nossa preocupação é quanto à diferença entre os efeitos do crescimento da renda e nossa indústria. Quando cresce a renda, há pressão para mais importações. E nossa cultura é de consumir bens dos países avançados”, comenta o economista.

A participação de importados na economia brasileira fechou o terceiro trimestre em 22,3%, um ponto percentual acima da verificada há um ano, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Apesar da queda, o coeficiente continua em nível elevado, acima da média histórica (19,8%)”, diz o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da entidade, Roberto Giannetti. Segundo ele, o crescimento das importações nos dois últimos anos reduziu oportunidades de expansão da indústria brasileira.

Contrapartidas

A Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), da CUT, sugere maior taxação para produtos importados, além de políticas específicas para as micro e pequenas empresas, setor prestes a ganhar uma secretaria governamental própria, com status de ministério. A confederação defende também que medidas como redução de impostos e de encargos sobre a folha de pagamentos tenham contrapartidas sociais, como maior proteção aos trabalhadores e menor rotatividade de mão de obra.

O presidente da CNM-CUT, Paulo Cayres, aponta sinais de migração de indústrias do Sudeste para o Nordeste. “Os preços, as empresas, os produtos migram, mas os salários e as condições de trabalho, não.” No início de novembro, a CUT promoveu um encontro entre as entidades do setor para discutir os desafios e as estratégias da indústria. Casali, da confederação patronal, a CNI, observou no evento que o setor já foi responsável por 36% do PIB em 1985 e hoje concentra 15%.

Antonio Prado alerta para a permanência de um ponto de vista que identifica os direitos sociais como responsáveis pela baixa competitividade. “A ideologia do neoliberalismo entrou em crise do ponto de vista do pensamento, mas não político. Continua viva nas propostas de ajuste dos países europeus.”

As medidas adotadas pelo governo começam a repercutir, como avalia o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. Sondagem feita periodicamente pela entidade mostra expectativas positivas para este quarto trimestre e para 2013. Ele considera cedo para avaliar o impacto da desoneração da folha de pagamento, mas lembra que a medida abrange apenas 200 dos 1.200 produtos do setor. A entidade projeta queda de 7% na produção este ano, resultado um pouco melhor que o de 2011 (-9,3%).

Barbato também torce pela redução da tarifa de energia. E defende mais do que providências pontuais. “Estamos precisando de medidas estruturais, horizontais, que possam atingir a economia como um todo”, reivindica. E, embora julgue positivas as reduções da taxa básica oficial de juros, observa que as taxas cobradas do consumidor ainda são altas. “Está faltando os banqueiros fazerem a parte deles”, diz.

A indústria enfrenta ainda o desafio de se renovar. “Qual é nossa capacidade de inserção em mercados mais dinâmicos?”, questiona Prado, da Cepal. “O debate da desindustrialização é secundário. O que nossa região não soube fazer foi mudar o padrão de produção. Essa estrutura é uma fábrica de desigualdade.” Segundo o economista, o desenvolvimento está ilhado: ocorre nas atividades de alta produtividade mais ligadas ao mercado internacional que à economia doméstica. A expectativa é de um ano melhor para a América Latina. “Nossa região está passando de forma positiva pela crise. Mas a crise é séria. Temos um horizonte complexo”, observa Prado.

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Emerson Casali: "A desoneração da contribuição patronal à Previdência foi positiva e evitou demissões em alguns casos" (Foto:José Paulo Lacerda/CNI)Avançamos, mas ainda há distorções

Para Emerson Casali, da Confederação Nacional da Indústria, a economia cresceu, mas a produtividade estagnou e fatores como qualificação, inovação e regulação trabalhista são “deficiências concretas”

 

A participação da indústria no PIB passou de 35,8%, em 1985, para os atuais 14,6%. Em parte, isso se deve a fatores conjunturais. Houve também aspectos estruturais?

A partir de 1985, foram quase dez anos de muita instabilidade econômica. No início da década de 1990, a abertura comercial pegou a indústria pouco preparada para concorrer. Em seguida, vieram o problema da sobrevalorização cambial, os juros altos e a entrada da Ásia de forma muito competitiva nos produtos industrializados. A partir de 2005, o país teve grande crescimento da economia e no consumo, mas a produtividade estagnou, o custo de produção disparou e a competitividade dos produtos brasileiros despencou. A produtividade relaciona-se a qualificação, inovação e regulação trabalhista, e nos três pontos temos deficiências concretas. Os importados aproveitaram o aumento da demanda interna e também tomaram mercado de produtos brasileiros exportados.

A CNI pediu a ampliação de medidas do Plano Brasil Maior. Qual foi o impacto do plano para o setor, até agora?

O plano teve impactos mais localizados, em função de medidas de defesa comercial e de desonerações setoriais. Mas há avanços sistêmicos concretos. Aprovou-se o fim do inacreditável incentivo às importações (guerra dos portos). A mudança no patamar cambial trouxe um alívio maior, enquanto a queda dos juros ainda está começando a ser sentida. As mudanças de base de cálculo da Previdência, com algum grau de desoneração, tiveram efeitos bastante positivos nos setores beneficiados, e no mínimo, em alguns casos, evitaram demissões. Há expectativas com a queda do custo de energia, que tem efeito em toda a cadeia produtiva. O plano está ajudando a evitar mais problemas em um contexto econômico difícil. Além disso, o governo colocou de vez na agenda a preocupação com o custo de produção e a competitividade.

No encontro promovido pela CUT com o setor industrial, você falou sobre convergências entre as posições de empresários e sindicalistas. Quais seriam as principais?

Naturalmente, há divergências significativas. Começamos a nos entender no sentido de que precisamos avançar na melhoria das condições de trabalho, mas temos de pensar em como reduzir alguns custos trabalhistas descabidos e encontrar meios para melhorar a produtividade. É imprescindível, ainda, modernizarmos as relações trabalhistas. É preciso superar esse modelo engessado e com distorções, fortalecendo a representatividade sindical e seu poder de negociar, com segurança jurídica. Precisamos pensar no que queremos para o país para daqui a 10, 20 anos, e começar a avançar logo.

Em relação às divergências, a maior seria relativa à redução da jornada?

Essa é uma. Na visão empresarial, o que temos hoje é um limite máximo de 44 horas semanais, mas já existem muitas jornadas negociadas abaixo disso. A questão da demissão imotivada talvez seja a maior divergência, pois as empresas acreditam que isso tira a dinâmica do mercado de trabalho e traz muita insegurança para quem gera o emprego, em especial no Brasil, com as conhecidas características da sua Justiça do Trabalho.