O desmonte da Federação

Privilégio aos estados mal considerados produtores de petróleo terão efeito eleitoral

O debate em torno dos roy­­al­ties do petróleo pode servir à rediscussão do problema federativo. O Senado e os meios acadêmicos estão estudando o tema. Os Estados federados são antigos na História, e alguns deles serviram de modelo às Federações modernas. Hoje, os exemplos mais notáveis são Alemanha e Estados Unidos. E há simulacros de Federação, com ensaios descentralizadores, na Espanha, em Portugal e na Itália, mediante as “autonomias regionais”, embora continuem constitucionalmente unitários. 

O predomínio de Madri está fomentando, na Espanha, o separatismo. Ou a Espanha aceita e discute a transformação em uma confederação, em que os bascos, os galegos, os catalães tenham independência tributária e legislativa, ou estes se tornarão plenamente independentes. O mesmo ocorre na Itália, com o separatismo no norte. No sul do Brasil, movimentos racistas falam em criação de um “estado europeu” independente. 

Argumentaram os estados brasileiros litorâneos – frente aos quais se encontram os depósitos petrolíferos abaixo da crosta de sal – que deles deve ser a parte do leão dos royalties compensatórios. Explicaram que a exploração em suas costas marítimas reclama investimentos de infraestrutura e custeio, no suporte à atividade, como rodovias, saneamento das cidades atingidas, segurança pública, educação e saúde.

É bem verdade que as atividades de exploração lhes trazem também maior tributação e aumento na participação dos recursos arrecadados diretamente pela União e repassados pelos fundos correspondentes.

Parece justo e razoável que, na repartição dos royalties, eles tenham uma parcela um pouco mais elevada do que a dos estados não produtores, como compensação por tais gastos, mas bem mais modesta do que a pretendida.

A soberania sobre as águas de nosso interesse – que são de 200 milhas náuticas – se projeta entre o paralelo da Boca do Oiapoque, ao norte, e o Arroio Chuí, ao sul. Esse mar é de todos os brasileiros, e não só dos brasileiros desses estados. E deve ser dos brasileiros em geral a parcela de indenização pelo petróleo extraído de seu fundo. Nem todos os estados litorâneos estão nessa campanha pelos royalties diferenciados. 

Só Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, em cujo litoral foram encontradas jazidas do chamado “pré-sal”, insistiram em que a presidenta vetasse o texto aprovado no Parlamento, o que ela fez de modo parcial. E nem todos eles com a veemência do Rio de Janeiro, em que o governador Sérgio Cabral fez do problema um caso bélico, convocando – mediante o esperto recurso do ponto facultativo do funcionalismo – as massas para protestar contra a divisão decidida.
No dia seguinte, os governadores das 24 unidades federativas restantes, incluído o do Distrito Federal, publicaram nos jornais apelo à chefe de governo para que mantivesse o texto legislativo aprovado. Enfim, só os estados diretamente interessados em ter mais do que os outros permanecem na posição discriminatória.

Em termos políticos, a contrapressão deveria ser mais poderosa do que o esforço de Sérgio Cabral e dos governadores dos dois estados que com ele confinam. Os efeitos desse privilégio dos estados mal considerados produtores provavelmente serão sentidos eleitoralmente. E há mais: como o dinheiro dos royalties será usado na educação, os estados mais carentes serão discriminados nessa distribuição.

Rediscutir o pacto federativo é rediscutir a distribuição de recursos tributários. Desde 1964, os direitos fiscais dos estados vêm sendo corroídos pela solerte apropriação por parte do poder central. E esse saqueio legal, mediante as medidas provisórias, tornou-se ainda mais cruel durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Só uma ação coordenada e forte dos estados poderá levar o Congresso a reformar a Constituição, a fim de restaurar – em toda a sua amplitude – o pacto federativo republicano de 1891.

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