Minha primeira passeata

Ilustração: Vicente Mendonça Nessa onda da renúncia do Papa Bento XVI e escolha de seu sucessor, lembrei-me de uns padres da minha terra, no meu período de infância e início […]

Ilustração: Vicente Mendonça

Nessa onda da renúncia do Papa Bento XVI e escolha de seu sucessor, lembrei-me de uns padres da minha terra, no meu período de infância e início da adolescência. Imagine uma cidadezinha de 2 mil habitantes no perímetro urbano, perdida no alto de uma serra no sul de Minas, onde chegava uma “jardineira” por dia, trazendo cartas e poucos jornais, e pouca gente tinha rádio. A gente ouvia falar de greves, passeatas e outras coisas, mas como algo distante, que acontecia num mundo paralelo. E também de “comunistas” que faziam essas coisas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros poucos lugares.

Mas já havia lá, desde 1957, um “ginásio comercial”, no qual terminávamos o equivalente ao nono ano atual, mas com uma formação muito melhor, e a gente aprendia nele tudo o que era necessário para trabalhar num escritório, inclusive datilografia e caligrafia. Recebíamos o diploma de “auxiliar de escritório”. O responsável por isso foi o padre Caio, com sua visão progressista, numa época em que a economia regional estava totalmente estagnada e os jovens saíam para trabalhar, como mão de obra barata, em São Paulo e outras cidades grandes. Ele convenceu a população a levantar o dito estabelecimento escolar, com a colaboração de professores que trabalhavam praticamente de graça.

Saindo com formação, os jovens poderiam arrumar empregos melhores nas cidades grandes e ter chance de continuar os estudos. Mas, como a prefeitura e o estado não toparam assumir o ginásio construído pelo povo, ele se tornou “propriedade” da igreja, e do padre, do diretor. O padre Caio, porém, se casou e teve de deixar Nova Resende. Aí começou uma fase de dificuldades.

Por ali passaram alguns diretores provisórios até aparecer um padre húngaro direitista, neurótico de guerra. Durou pouco. Veio o padre Adriano, um holandês completamente maluco. Estava quase sempre meio bêbado. Fumava muito, e na aula de inglês, em que era professor, dava charutos para o aluno que quisesse. Tinha uma adega ótima para os padrões regionais, com vodca, rum e gim, e os coroinhas e amigos podiam atacá-la à vontade.

Como era de imaginar, sua administração no ginásio foi um caos. Não pagava nem aquele salariozinho ínfimo dos professores. E começou a ter problemas. Chegou a ponto de nós mesmos, alunos, concluirmos que se ele ficasse ali mais um tempo acabaria com o ginásio construído com muita dificuldade. Fizemos a primeira greve estudantil de Nova Resende e a coroamos com uma passeata, também a primeira da história da cidade, por volta de 1960. Demos uma volta na praça gritando palavras de ordem e fomos para a casa paroquial. Cercamos a casa e continuamos nossa manifestação.

Ele não ligou muito, mas a passeata teve um resultado inesperado: as crianças de 5 ou 6 anos de idade nunca tinham visto uma coisa daquelas e resolveram imitar os estudantes. Todos os dias, se juntavam em bandos, saíam gritando as nossas palavras de ordem contra o padre, cercavam a casa dele e continuavam a gritaria. Depois de uma semana ele não aguentava mais, e resolveu se mandar. Foi de um extremo do estado para outro: a igreja o transferiu para o nordeste do estado, lá no Vale do Rio Doce. Foi para Governador Valadares, a mais de mil quilômetros de distância. O nosso ginásio voltou a funcionar bem e nos deu uma formação de fazer inveja às escolas atuais.

Foi ou não foi uma passeata bem-sucedida? Ah, se a molecada de hoje fizesse coisas como essa em vez de brigar entre eles e agredir professores… Bem, os diretores não são todos como o padre Adriano, há muitos bons. Seria legal se os adolescentes, como nós éramos na época, se dedicassem hoje a ir mostrando para as crianças de 5 ou 6 anos o bom caminho da azucrinação construtiva sobre secretários de Educação e outros responsáveis pelo caos no sistema de ensino.