Academia, melhor que hospital

Oferta de espaços públicos adequados, com orientação profissional, democratiza o acesso à atividade física, traz benefícios para a qualidade de vida e para a saúde coletiva

O aposentado Ricardo, de Recife, tem maior disposição desde que começou a frequentar a Academia da Cidade (Foto: Leo Caldas/RBA)

Subir as escadas de casa não e mais problema para o vendedor Ricardo Mosart dos Santos, morador de Recife. Aos 43 anos, ha quatro Ricardo vem enfrentando o sedentarismo e a indisposição, quando passou a frequentar uma academia publica. Com melhor condicionamento devido a atividade física regular orientada por profissional, passou a correr e ate a participar de maratonas, como a São Silvestre, em São Paulo. “Para quem subia uns degraus quase morrendo, nada mau disputar essas provas. A mudança na minha vida e tao grande que estimulou minha mulher a frequentar as aulas também”, diz. 

Ricardo e um dos 60 mil frequentadores da Academia da Cidade, mantida desde 2002 pela Secretaria de Saúde da capital pernambucana. Ginastica, dança, lutas, corridas, rodas de conversa sobre saúde e nutrição estão no rol de atividades dos 38 polos instalados em praças, parques e praias. Para participar, o aluno preenche uma ficha e passa por avaliação da pressão arterial, peso, gordura corporal e capacidade cardiorrespiratória. Em caso de altera coes, e encaminhado ao serviço de saúde – e sera indicado para uma atividade apropriada a sua condição. 

Em cada polo, a programação e definida conforme a procura. “A ideia e promover a saúde da população e melhorar a qualidade de vida por meio da atividade física, do lazer e da orientação para hábitos saudáveis, além de potencializar o uso de espaços públicos e equipamentos de saúde”, explica a professora Geanine Barros da Silva, coordenadora do programa. A iniciativa venceu em 2005 o 2o Concurso Cidades Ativas, Cidades Saudáveis, da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do Centro de Controle de Doenças, dos Estados Unidos, e é considerada uma das 50 melhores experiencias do mundo em inclusão social pelo observatório internacional União das Cidades e Gestores Locais (UCLG, na sigla em inglês).

Em Vitoria, a ideia das academias populares, publicas e gratuitas, ao ar livre, sempre com orientação profissional, surgiu em 1990, com um modulo na praia do Camburi, ao norte da capital capixaba. Atualmente são 13, funcionando em parques, praças, praias, postos de saúde e outros espaços públicos, nos quais 50 professores de educação física, todos efetivos, dão aulas de alongamento, ioga, hidroginástica no mar, dança, programas de caminhada e volei adaptado para os mais velhos. 

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Em Curitiba, muitas academias populares possuem piscinas. Hoje, há 59 unidades distribuídas pela cidade, especialmente nos bairros mais carentes (Foto: Maurício Cheli/SMCS)

“Ninguém resiste. Ate turistas participam das atividades”, diz o educador físico Edson Camargo de Araújo, coordenador do Serviço de Orientação ao Exercício da Secretaria de Saúde de Vitoria. A clientela estimada e de 25 mil alunos. Como em Recife, a matricula inclui testes para detectar pressão alta, obesidade e nível de sedentarismo, entre outras possíveis restrições.

Parte da rotina

Moradora de Vitória, a aposentada Olinda Marta Andreao, 59 anos, não perde nenhuma aula. Praticante de esportes desde a infância, quando jogava futebol e volei, nunca se tornou sedentária. Quando se aposentou, ha 11 anos, temia abandonar o antigo habito. Chegou a entrar em academia particular, mas saiu devido a aposentadoria minguada. “A minha salvação foi conhecer as academias populares da cidade. Ha vários professores, todos capacitados, que ensinam os exercícios e corrigem os erros”, conta. 

Esses programas inspiraram gestores de Belo Horizonte, que em 2006 abriram a primeira academia, num salão próximo ao centro de saúde de Mariano de Abreu, bairro carente da zona leste. Hoje são 59 unidades distribuídas pela cidade, em especial nos bairros mais carentes, nas quais trabalham 163 professores de educação física em fase de efetivação por concurso publico. Todas funcionam em locais fechados, pela manha, de segunda a sábado, e 15 delas ampliaram seu horário a tarde e a noite para atender um publico total de 25 mil pessoas. 

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Há aulas de exercícios aeróbios (corrida, dança, step, corda e minicama elástica) e de musculação, também e feita avaliação da condição de saúde e encaminhamento para acompanhamento medico, se necessário. “Enfatizamos sempre que a pratica da atividade física deve ser incorporada a rotina diária, como dormir, tomar banho e escovar os dentes“, diz a educadora física e coordenadora Vera Regina Guimarães. 

A aposentada Olinda Andreao, de 59 anos, frequentadora de academias populares de sua cidade, Vitória (Foto: Fábio Vicentini/ RBA)

Além de parcerias com faculdades de Nutrição e apoio de universidades como o Instituto Izabela Hendrix, que abriga uma das academias. Em breve haverá na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e na UniBH. 

Em Curitiba, onde a demanda por esse atendimento vem desde o final da década de 1960, a Secretaria do Esporte, Lazer e Juventude mantem 34 núcleos no centro e nas chamadas Ruas da Cidadania, extensões da prefeitura nos bairros que oferecem serviços municipais, estaduais e federais, além de comercio e lazer. Todos são cobertos, têm salas de ginástica equipadas e espaço para caminhada. Em seis deles há piscina, com aulas de natação e hidroginástica. São beneficiadas 306 mil pessoas. Os 250 professores são concursados. “Como a demanda é grande em algumas atividades, como natação, há fila de espera. Mas a população nunca fica sem alternativas”, afirma o educador físico Dalton Grande, gerente do Centro de Referência Qualidade de Vida e Movimento da Prefeitura de Curitiba. 

A oferta de espaços públicos adequados para a prática de atividade física, sempre com orientação de profissional, é estratégica na luta contra a obesidade e problemas decorrentes, como diabetes, infarto, derrame e alguns tipos de câncer, que quando não incapacitam acabam com a qualidade de vida das pessoas e afetam gravemente os cofres públicos com internações, cirurgias, medicamentos e aposentadorias. Além de prevenir esses males ou evitar seu avanço, os exercícios melhoram a saúde mental, diminuem o risco de depressão e aliviam a ansiedade. 

Política nacional 

“A epidemia mundial de obesidade é causada por hábitos alimentares inadequados, com consumo excessivo de refrigerantes, doces e alimentos gordurosos. Outra causa importante é o sedentarismo. O acesso ao exercício físico é fundamental porque a doença está crescendo mais entre as pessoas de baixa renda, que não podem pagar uma academia nem têm orientação nutricional”, explica o endocrinologista Walmir Coutinho, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. 

Segundo Coutinho, o sedentarismo é alto até em cidades aparentemente ativas, como o Rio de Janeiro. “Quem passa na orla da zona sul e vê as pessoas se exercitando acha que e assim em toda a cidade. Mas não é. Além de  academias publicas e gratuitas, com orientação especializada, e necessário ainda condições urbanísticas para a atividade física informal, como ciclovias e transporte publico de qualidade para que as pessoas deixem o carro em casa”, diz o medico, lembrando que em cidades como Amsterdã, na Holanda, e Copenhague, na Dinamarca, onde se caminha e pedala mais, ha poucos casos de obesidade.

monitorCade o monitor?

Lauro dos Passos, 52 anos, morador do Jardim do Lago, em Jundiaí (SP), vai à praça várias vezes por semana. E observa: “Seria importante ter pelo menos um estagiário para acompanhar as pessoas, orientar os exercícios”. A instalação de equipamentos em praças e parques, cada vez mais comum, é melhor do que nada, mas não resolve. Para Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, o benefício
trazido é limitado. Sem orientação profissional as pessoas podem desistir por não sentir melhora em sua condição física ou se machucar. Há riscos de lesões quando se desconhecem limites ou ações adequadas a cada necessidade. “Não se trata de ter personal training, mas dispor de professores para orientar um grupo populacional é essencial.”

“A logica da promoção da saúde deve estar na prevenção, com menos pessoas ficando doentes – e não no tratamento, um modelo que tem demonstrado não funcionar”, opina Pedro Hallal, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Hallal e autor de estudos de grande repercussão que comprovaram que o sedentarismo e tao nocivo a saúde quanto o cigarro, ate então o maior fator de risco para diversas doenças. Segundo seus estudos, publicados na revista britânica Lancet, uma das mais importantes do mundo em medicina, um terço dos adultos não pratica atividade física suficiente, o que 5,3 milhões de mortes por ano em todo o mundo.

No Brasil, a inatividade e culpada por 8,2% das doenças cardíacas, 10% dos casos de diabetes tipo 2, 13% das ocorrências de câncer de mama e 14%, de cólon. “Entre as recomenda coes dos estudos esta a urgência de oferta de atividade física para as comunidades, em espaços públicos e com orientação profissional”, diz Hallal. Como ele destaca, a decisão de praticar exercícios e individual. Pesquisas demonstram, porem, que tal decisão envolve ainda aspectos ambientais. “A existência de locais de boa qualidade para a pratica e determinante para as pessoas começarem a se exercitar e se manter ativas.”

Experiencias como em Recife, Vitoria, Curitiba, Belo Horizonte e Aracaju, e o trabalho de universidades como a Federal de Pelotas – que identifica a importância de espaços públicos para motivar a população a atividade física regular –, inspiraram o Ministério da Saúde na criação do programa Academias da Saúde, no final de 2011, como parte do Plano Nacional de Enfrentamento das Doenças Cronicas Não Transmissíveis.

“Trata-se de uma expansão dos projetos já existentes e de uma oportunidade para os municípios passarem a oferecer o serviço”, diz a medica Deborah Malta, diretora do Departamento de Analise de Situação em Saúde do Ministério. O orçamento e de R$ 300 milhões para a construção de 4 mil academias em todo o pais. Já estão em funcionamento 155 delas e, segundo Deborah, os prefeitos apresentaram mais de 6 mil projetos. Na avaliação de Pedro Hallal, um dos muitos benefícios das Academias da Saúde e a tendencia a atrair mais as mulheres, em especial as mais velhas. “Isso e excelente porque esse publico e o mais sedentário. Os que mais praticam exercícios são os homens mais jovens de maior poder aquisitivo.” Democráticas, essas academias estão incluindo na atividade física justamente os grupos mais afastados.