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Acima da média

Com ótimo desempenho, jovens de baixa renda que chegaram à universidade via ProUni valorizam a vaga conquistada

gerardo lazzari

Débora cursa filosofia como bolsista do ProUni mas lembra que para corrigir distorções é preciso investir desde o ensino fundamental

Filho de um mineiro e de uma cearense, o paulista Heitor Augusto de Sousa sempre estudou em escolas públicas. Aos 14 anos, quando estava no primeiro ano do ensino médio, uma professora lhe disse que ele escrevia bem e perguntou: “Você já pensou em seguir uma carreira como a de jornalista?”. Ele mal sabia o que era o tal de “jornalismo”, mas se informou e começou a praticar mais a escrita.

Para superar as deficiências do ensino público, Heitor fez cursinho comunitário e tentou o vestibular de Jornalismo da Universidade de São Paulo (USP), mas não passou. Em sua segunda tentativa, prestou também para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, após estudar mais um ano em outro cursinho popular e, dessa vez, foi bem sucedido. O passo seguinte foi deparar com um problema bastante comum à maior parte dos estudantes que consegue ingressar em uma faculdade particular: como arcar com o alto custo das mensalidades?

“Fui até o expediente comunitário, mas eles me informaram que a faculdade só concedia bolsas a partir do segundo ano”, recorda. Ele, que à época ganhava 476 reais como estoquista, não tinha dinheiro pra pagar a mensalidade de aproximadamente 940 reais do curso. Foi quando viu em um edital que havia vagas remanescentes no Programa Universidade para Todos (ProUni), fez a inscrição e conseguiu uma bolsa para prosseguir nos estudos. “Veio na hora certa, quando ia vencer a segunda mensalidade, que eu não teria como pagar”, conta.

Heitor é um dos 250 mil estudantes que conseguiram uma vaga por intermédio do maior programa de concessão de bolsas da história da educação no Brasil. Quem fez todo o ensino médio em escolas públicas, assim como aqueles que estudaram em escolas particulares com bolsas integrais, podem concorrer ao benefício, bastando atender a dois critérios: ter feito o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e obtido nota mínima de 45 pontos na média da prova escrita e da redação. O alvo prioritário do programa são os estudantes que têm renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo (525 reais), que podem concorrer à bolsa integral. Aqueles que ganham até três salários mínimos por pessoa da família (1.050 reais), podem pleitear a bolsa equivalente a 50% da mensalidade. A partir desse segundo semestre, os professores da rede pública de ensino básico que não têm curso de licenciatura e que fizeram Enem em 2005, também passaram a ter oportunidade de ingressar no ProUni, dispensados da obrigação de comprovar renda.

Triplicar o acesso

O ProUni, juntamente com medidas como a ampliação do número de vagas nas universidades federais, visa ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê, até 2011, a inserção de 30% da população de 18 a 24 anos na educação superior. Isso significa triplicar o nível de inclusão de pessoas nessa faixa etária nas universidades. A elaboração de um programa como o ProUni já vinha sendo discutida desde o início do governo Lula, “Em 2003, à época da gestão do Cristovam Buarque como ministro da Educação, defendi em um seminário sobre o tema a adoção de algum tipo de isenção fiscal mediante oferta de vagas, dado que, em 2000, 26% das vagas nas instituições privadas estavam ociosas. Já em 2004, esse número chegava a 50%”, esclarece Paulo Corbucci, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento. O programa foi implantado em janeiro de 2005.

“A ociosidade no setor estava relacionada não à falta de demanda, mas sim ao fato de esses alunos não poderem pagar as mensalidades. E não seria possível cumprir as metas do PNE nem seguindo a política do governo anterior, que priorizava somente a expansão do ensino privado, paralisando os investimentos nas universidades federais; nem apenas pelo aumento das vagas nas universidades públicas”, explica.

Além de reservar bolsas a alunos oriundos do ensino público, o ProUni também destina parte das bolsas a pessoas com deficiência e aos auto-declarados negros, pardos ou índios, que também têm que se enquadrar nos demais critérios de seleção. O percentual destinado aos cotistas é igual àquele de cidadãos negros, pardos e índios presente em cada estado, de acordo com o último censo do IBGE. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), em São Paulo, do total de estudantes beneficiados pelo ProUni, 40% são afrodescendentes e 1,87% indígenas.

Ricardo Lima/PUC-Campinasisabella
Bolsista do ProUni, Isabella tem notas altas no seu segundo ano de Medicina na PUC de Campinas

Com unhas e dentes

Assim como em outras iniciativas de inclusão educacional, muitos especialistas apontavam para o risco de que, uma vez dentro da faculdade, os estudantes pudessem ter problemas para acompanhar os conteúdos das disciplinas, por conta da baixa qualidade do ensino médio realizado na rede pública. Além disso, havia também o receio de haver dificuldades do ponto de vista da integração social. Mas dados preliminares mostram que isso não ocorreu.

Na PUC de Campinas, por exemplo, os estudantes que possuem bolsas têm apresentado bom desempenho. “Mais de 90% dos alunos inscritos no programa conseguiram cumprir a condição de serem aprovados em pelo menos 75% das disciplinas, o que é uma média altíssima, acima dos demais”, relata Marco Antonio Carnio, pró-reitor de Administração da PUC, uma das 1.142 instituições de ensino superior que fazem parte do programa.

Dentre os alunos citados por Carnio está Isabella Maria Piovezan de Jesus, que está no segundo ano de Medicina da universidade. Se o fato de ter cursado escola pública foi um limitador na hora de pleitear uma vaga nas concorridas universidades públicas, o mesmo não se deu no decorrer no curso.

“Não tive dificuldades para acompanhar a turma. Quando entrei, não tinha esse pensamento, sabia que ia ter que estudar muito e foi o que fiz.” Ela também conta que não sofreu qualquer tipo de discriminação pelo fato de ser beneficiada com bolsa. “As pessoas sempre me respeitaram”, assegura.

“Em dado momento, fomos colocados na parede por grupos de alunos que queriam que os estudantes incluídos no ProUni fossem amparados por um trabalho específico. Mas concluímos que isso poderia ser entendido como uma forma de discriminação”, lembra o pró-reitor da PUC. Para ele, o desempenho acima da média dos alunos inscritos no programa tem uma explicação. “Se você não tem condições e alguém lhe oferece uma oportunidade, a pessoa a agarra com unhas e dentes.”

Polêmica

Embora tenha um papel importante na inclusão de estudantes de baixa renda no ensino superior, o ProUni não é uma unanimidade. Roberto Leher, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), afirmava, em entrevista dada ao Correio da Cidadania à época da criação do programa, que ele era uma “bóia de salvação” do ensino privado. “O ProUni é um mecanismo, uma modalidade de parceria público-privada que repassa recursos públicos às instituições particulares. Essa aprovação da MP se dá num contexto em que as universidades públicas e as escolas públicas de um modo geral vivem um momento de muita dificuldade”, argumentava.

“Temos que pensar que, se o governo quisesse colocar 100 mil alunos a mais nas universidades públicas, não conseguiria, até porque a maior parte dessas vagas se concentra no curso noturno, que as universidades federais têm mais dificuldades para criar”, defende José Pio Martins, vice-reitor do Centro Universitário Positivo, de Curitiba, no Paraná. O pesquisador Paulo Corbucci segue raciocínio semelhante e faz um cálculo para comprovar que o montante de isenção fiscal do ProUni não seria suficiente para gerar um número de vagas expressivo.

“O total dos recursos de isenção do programa é de menos de 200 milhões de reais. Para se ter uma idéia, excluindo-se os gastos com inativos e aposentados, as universidades federais têm um orçamento total de aproximadamente 8 bilhões de reais, incluindo aí também gastos com hospitais de ensino, extensão universitária e outros. Se fossem aplicados os recursos destinados ao ProUni, é claro que não seria possível incluir 200 mil estudantes no ensino superior”, analisa. “O ideal seria que toda a educação fosse pública, mas temos que trabalhar a realidade”, completa.

Mesmo os beneficiários do ProUni apontam outras medidas que seriam necessárias para uma efetiva democratização do ensino no Brasil. A estudante de 19 anos Débora Firmiano do Santos, que faz curso de Filosofia no Centro Universitário São Camilo e é bolsista do programa, lembra que, para corrigir as distorções da educação que desembocam na falta de oportunidades de acesso ao ensino superior, é necessário investir desde a outra ponta, no ensino básico. “Precisamos repensar quais são as prioridades, dou aulas em escolas estaduais de São Paulo e vejo que a educação está em segundo plano”, garante. “O ProUni está voltado para o ensino privado, mas o público também tem que ser fomentado”, alerta o estudante da PUC Heitor Augusto.

O pesquisador Paulo Corbucci também pondera a necessidade de se fiscalizar o nível de ensino oferecido pelas instituições que fazem parte do programa. “Temos que conviver com essa relação entre o ensino público e o privado, mas tem que haver maior controle de qualidade em relação às instituições, algo que o Provão não conseguia fazer”, analisa.

gerardo lazzariheitor
Heitor sempre estudou em escolas públicas e cursinhos comunitários. Sem o ProUni não poderia cursar Jornalismo na PUC-SP