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Caça à precarização

Enquanto a lei não limita a terceirização, sindicatos apostam nas campanhas salariais para garantir condições decentes de trabalho

Roberto Parizotti

Obra em São Bernardo: dos 250 funcionários, 70% são terceirizados

O paranaense Adjário Ferreira Silva, de 40 anos, começou a trabalhar como pedreiro antes de completar a maioridade. No início da década de 1980, mudou-se para São Paulo e aprendeu a função de armador de vigas, atividade que executa de segunda a sábado em um empreendimento residencial em São Bernardo do Campo, na região do Grande ABC. Apesar de a responsabilidade da obra ser da construtora Sinco, o vínculo profissional é com a empreiteira RLJ.

A terceirização ganhou força nos últimos 20 anos como alternativa para redução de custos e já envolve todos os ramos de atividade sob a justificativa de que moderniza a gestão. No entanto, esse é um recurso ao qual as empresas deveriam recorrer apenas para suprir a necessidade de um serviço especializado durante um breve período, as chamadas atividades-meio. Só que as construtoras, cuja atividade-fim é erguer imóveis, não hesitam em contratar mão de obra terceirizada para fazê-lo.

Segundo Clayton Rodrigues, gerente da obra onde Adjário trabalha, o principal problema do mercado é a falta de qualificação dos profissionais. “Realmente passamos para terceiros alguns serviços específicos, como colocação de gesso e de alumínio. Mas o que dá para fazer com funcionários próprios nós fazemos. Falta mão de obra qualificada, e por isso precisamos contar com as empreiteiras.”

Conforme aponta estudo realizado pelo economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, o segmento de trabalhadores terceirizados foi o que mais cresceu no Brasil entre 1995 e 2005, ocupando 8,9 milhões de pessoas. Uma das explicações para esse avanço é a baixa remuneração. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, a média salarial paga aos contratados por meio da terceirização corresponde a um terço do que recebem os contratados diretamente pelas empresas. 
De acordo com Rodrigues, no empreendimento de São Bernardo, dos 250 funcionários, 70% são terceirizados. “Antes de as empresas terceiras começarem a prestar serviço, visitamos uma obra, verificamos se registram os trabalhadores, se pagam INSS, se batem cartão de ponto, quanto tempo têm no mercado. Não buscamos o menor, e sim o melhor preço.”

Mas o critério apontado pela construtora Sinco é uma exceção, conforme Claudeonor Neves da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bernardo do Campo e Diadema (Sintracom). Ele diz que a falta de regulamentação e de definição sobre quais são as atividades-meio e as atividades-fim permite situações calamitosas.

“As construtoras conseguem o dinheiro público para executar uma obra, mas é a terceirizada quem toca o projeto e contrata os trabalhadores, muitas vezes sem respeitar a convenção coletiva da categoria, sem efetuar o registro em carteira e sem oferecer condições mínimas de trabalho”, afirma Claudeonor. Um exemplo dessa realidade está localizado a menos de um quilômetro da obra da Sinco. Durante os nove meses em que o pedreiro Pedro da Silva Filho, de 24 anos, trabalhou para a empreiteira Eidy, que constrói duas torres de 19 andares no bairro Ferrazópolis para a construtura Plano e Plano, ele enfrentou atraso de salário e de cesta básica. No último dia 3 de março, ao lado de outras 120 pessoas, foi dispensado.

“Enquanto não houver uma legislação que determine a responsabilidade solidária, que delegue à empresa tomadora de serviço o ônus de arcar com os custos trabalhistas e uma fiscalização austera, a solução do caso ficará nas mãos da Justiça”, protesta o presidente do Sintracom. No caso da Eidy, a dívida ultrapassa os R$ 400 mil.

Contudo, a precarização não é exclusividade da construção civil, muito menos do setor privado. A única proteção legal dos trabalhadores terceirizados é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ainda assim, o documento permite a terceirização de serviços de vigilância, conservação e limpeza, desde que não sejam atividade-meio da empresa tomadora de serviço. A definição acaba provocando sérios problemas em diversos Estados. 

No Espírito Santo, cerca de 450 funcionários públicos do setor de limpeza da Prefeitura de Vitória aguardam há dois anos o pagamento pelos serviços prestados à Promentec. Lamentavelmente, uma situação que já conhecem bem. “O mesmo já havia ocorrido com a Serves. Os servidores trabalharam dois anos, a empresa faliu, e eles tiveram de entrar com uma ação na Justiça. Para resolver a situação, o prefeito João Coser (PT) fez um acordo e pagou 80% da dívida. Aí entrou a Promentec e aconteceu o mesmo. O pior é que isso ocorre em quase todos os contratos do Estado”, denuncia José Paulino, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Asseio, Conservação e Limpeza do Espírito Santo (Sindilimpe).

Para resolver esse dilema, Lucilene Binsfeld, a Tudi, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços, defende a alteração da Lei nº 8.666 de 1993. A legislação estabelece as normas sobre licitações, definindo que o menor preço não seja o único critério para a contratação. “Nos editais devem existir outras exigências, como idoneidade da empresa e se essa possui capital social para garantir todos os direitos trabalhistas”, opina.

Prejuízo social e financeiro

A secretária de relações do trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e uma das organizadoras do livro Terceirização no Brasil – Do Discurso da Inovação à Precarização do Trabalho, Denise Motta Dau, ressalta que a tentativa das empresas privadas e do Estado de aumentar a receita diminuindo os gastos com os funcionários custa caro para a sociedade. “A falta de treinamento e de vínculo direto dos terceirizados com a empresa gera um prejuízo financeiro e social por conta da baixa qualidade dos serviços prestados e das mutilações e mortes de pessoas que não são preparadas para executar as atividades. A irresponsabilidade da terceirização provoca custos para o SUS (Sistema Único de Saúde) e para a seguridade social”, explica.

O Congresso possui três projetos de lei relativos à terceirização. Dois deles, o PL 4.302/1998, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o 4.330/2004, do deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), jogam a favor da precarização e têm como objetivo permitir a terceirização irrestrita. Já o 1.621/2007, construído a partir de uma parceria entre a CUT e o deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, proíbe a terceirização de atividades-fim.

Em 2009, um acordo entre as centrais sindicais e o Ministério do Trabalho e Emprego resultou em um outro PL, que obriga as empresas a comunicar com antecedência de 120 dias os motivos, serviços e atividades que pretendem delegar a terceiros, além de apontá-los como solidariamente responsáveis pelas obrigações trabalhistas dos terceirizados. A proposta aguarda encaminhamento na Casa Civil.

Porém, para Denise, a luta não deve ficar apenas no ambiente parlamentar. “Nas campanhas salariais de 2010, os sindicatos devem incluir nos acordos coletivos cláusulas de combate à terceirização. Isso representaria um avanço e criaríamos uma conjuntura favorável à aprovação dessa bandeira da classe trabalhadora.”