Artigo

Crescer mais e melhor

O Brasil precisa crescer mais economicamente, mas sobretudo socialmente. Para o que é indispensável mudar o modelo econômico, sair de um modelo que tem como prioridade objetivos econômico-financeiros, e não sociais e culturais

Marcello Casal/ABr

O Brasil precisa crescer mais economicamente, mas sobretudo socialmente

Toda a gritaria sobre os índices de crescimento – baixos – da economia brasileira foi canalizada para a quantidade: precisamos crescer mais! É certo. Não porque os outros crescem mais – queremos modelos de crescimento desordenados como o da Índia, por exemplo? –, mas porque a economia brasileira precisa – e pode – crescer muito mais.

No entanto, não se ouviram vozes sobre o essencial: precisamos crescer de outra maneira. Buscar maior crescimento, no modelo atual, significa exportar mais, multiplicar a produção de automóveis e de outros produtos de luxo. E concentrar ainda mais a renda. É isso o que queremos e precisamos?

A economia brasileira já cresceu muito mais. Na época da ditadura militar – significativamente sob ditadura, tempos a que aparentemente ninguém mais quer voltar – o Brasil cresceu a 7%, a 10%, a 13% ao ano. A que preço? Comque transformações na sociedade brasileira? Beneficiando a quem, à custa de quem?

Sabemos que desde aquele momento o modelo econômico se voltou para a exportação e para o consumo suntuário, em detrimento da expansão do mercado interno de consumo de massas. O arrocho salarial era essencial à política econômica da ditadura. Degradaram-se os serviços públicos de educação e de saúde, o consumismo começou a se disseminar no lugar da solidariedade social. Acentuou-se a desigualdade social, com contenção repressiva do acesso popular ao consumo dos bens essenciais, enquanto o eixo dinâmico da economia se concentrava no consumo das elites e no mercado externo.

Podemos dizer que o modelo atual não se diferencia desse, com o elemento agravante de que a pauta exportadora regrediu, com peso crescente de produtos primários, a desvalorização correspondente e a criação menor e de piores empregos. Queremos crescer mais por esse caminho, que acentuou as desigualdades? (O que fez melhorar, pela primeira vez, um pouco a desigualdade foram as políticas sociais, na contramão do modelo econômico.)

O Brasil precisa crescer mais economicamente, mas sobretudo socialmente. Para o que é indispensável mudar o modelo econômico, sair de um modelo que tem como prioridade objetivos econômico-financeiros, e não sociais e culturais. É indispensável expandir a economia na direção do mercado interno de consumo popular, para o que é condição uma muito mais significativa elevação do poder de consumo da grande massa da população.

O crescimento com critérios sociais e culturais – qualitativos – não se contrapõe a um maior crescimento. Ao contrário: a distribuição de renda expande a capacidade de consumo da grande maioria da população, que por sua vez eleva a demanda dos bens produzidos por empresas que não demandam importações de insumos, que mais criam empregos e pagam impostos. Em suma, a reversão do modelo atual – que não gera um circuito de distribuição de renda, criação de empregos e pagamento de impostos – gera um circuito virtuoso, associando crescimento econômico com desenvolvimento social. Essa reversão permitirá, finalmente, cumprir a promessa da prioridade do social, que tantas esperanças tinham suscitado. Teremos dado início ao pós-neoliberalismo.

Emir Sader, articulista da agência Carta Maior, é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de A Vingança da História (Boitempo, 2004)