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De olho nos rins

Especialistas em doenças renais fazem campanha para combater a desatenção e a desinformação. Diagnóstico precoce e tratamento adequado podem manter os rins trabalhando sem atrapalhar a vida de seu dono

mauricio morais

Pressão em dia – A professora Alexandra tem metade da capacidade renal, mas com acompanhamento leva uma vida normal

Análise de urina e creatinina no sangue. São exames simples, mas sua função é nobre: revelar possíveis alterações no funcionamento dos rins e mostrar se as impurezas estão sendo filtradas e expelidas adequadamente pelo organismo. Resultados alterados sinalizam que esses órgãos podem não estar trabalhando como deveriam. Os rins eliminam toxinas e ainda contribuem para a formação do sangue, estimulando a produção dos glóbulos vermelhos – responsáveis pelo transporte de oxigênio às células. Também regulam a pressão sanguínea e o balanço químico de líquidos do corpo. Por isso precisam trabalhar em plenas condições.

“A doença renal crônica pode levar à perda progressiva e irreversível de todas as funções dos rins, e isso hoje é questão de saúde pública”, alerta Gianna Mastroianni Kirsztajn, da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e coordenadora de uma campanha de prevenção (veja no destaque). Quase 2 milhões de brasileiros sofrem do mal e 60% deles nem desconfiam. O pior é que esse número pode estar subestimado. Enquanto no Brasil a estimativa considera o risco para quase 2% da população, nos Estados Unidos, onde há maior rigor na notificação de ocorrências, a incidência deve atingir 20 milhões de pessoas, ou quase 7%.

Além de dificultar a vida dos pacientes, o problema é oneroso para o sistema público de saúde, que com diálises e transplantes para pacientes em estágios mais avançados gasta em torno de 1,4 bilhão de reais por ano. O aumento dos casos se deve principalmente ao avanço do diabetes, que no Brasil – oitavo país no ranking mundial – afeta 10 milhões de pessoas. Em 2000, eram 4,6 milhões. Essa disfunção provoca acúmulo de açúcar no sangue, o que danifica vasos e nervos. Como eles existem em todo o corpo, qualquer órgão pode ser prejudicado seriamente, inclusive os rins. A lesão renal também tem como causa a pressão alta, presente em 30 milhões de brasileiros, dos quais uma escassa parcela controla a doença. Resultado: de cada dez pacientes com lesão renal terminal, sete estão com a pressão elevada.

A doença renal crônica pode ainda resultar de inflamações de origem desconhecida, assim como de outras doenças que acabam por repercutir nos rins, comprometendo seu funcionamento. É o caso do lúpus eritematoso sistêmico – distúrbio de causas desconhecidas caracterizado por alterações no sistema imunológico. Os portadores desenvolvem anticorpos que reagem contra as células normais do próprio organismo, atingindo assim pele, articulações, rins e outros órgãos.

A professora de Sociologia Alexandra Topal Celli, de 35 anos, descobriu aos 18 que tinha lúpus. Em seguida, uma biópsia revelou um grave quadro de nefrite (inflamação renal). A capacidade funcional de seus rins caiu a 40%, exigindo tratamento intenso e prolongado. Passada a fase mais aguda, ela foi tratada com medicamentos para normalizar a pressão arterial e controlar a proteinúria – presença de proteínas na urina devido à lesão renal. “Meus rins hoje funcionam com metade da capacidade, mas consigo levar uma vida praticamente normal”, diz Alexandra.

O diagnóstico precoce é fundamental. “O controle adequado das taxas de açúcar no sangue e dos níveis de pressão, com dietas, exercícios físicos recomendados por médicos e, quando for o caso, medicamentos, pode curar a lesão nos rins ou retardar sua falência”, explica a nefrologista Gianna Kirsztajn. O que a preocupa é que o problema, em muitos casos, só dá sinais quando está em estágio avançado. Quando os rins já não funcionam adequadamente, há a necessidade de fazer diálise.

mauricio moraisMaria Aparecida
voluntária – Os problemas renais de Maria Aparecida começaram aos 20 anos e só se resolveram quando ela recebeu um rim do irmão. Hoje ela é voluntária no Hospital São Paulo

Foi o que aconteceu com a costureira aposentada Maria Aparecida Aversente. Aos 20 anos, ela desmaiou na rua e foi levada a um hospital. Somente dez dias depois fez exames que detectaram seus problemas renais e foi direto para a diálise. Diferentemente da hemodiálise, que consiste na filtragem artificial do sangue por meio de equipamentos, a diálise peritonial aproveita o revestimento interno abdominal do paciente para fazer esse trabalho. A aposentada ficou internada por dois meses e meio, submetida ao tratamento. Com a função renal parcialmente recuperada, seu tratamento passou a ser à base de dieta e medicamentos.

“Não foi fácil. Para ajudar, recorri a acupuntura, massagens, psicoterapia e à fé. Muita gente não acreditava que eu sobreviveria”, conta Aparecida. Em 2002, já aos 43 anos, recebeu um rim do irmão e sua vida mudou. O trabalho voluntário que fazia desde os anos 80 foi intensificado. Ela dedica dois dias na semana ao setor de transplantes do hospital da Universidade Federal de São Paulo e participa de campanhas preventivas. O trabalho ainda é de formiguinha. Requer muita atenção tanto dos pacientes quanto da própria classe médica. Se hoje há 70 mil doentes renais fazendo diálise, outros 80 mil que já deveriam estar submetidos ao tratamento nem sabem – e talvez nem venham a saber – que estão doentes.

A importância dos rins
• Limpam do sangue toxinas nocivas, eliminando-as pela urina
• Regularizam concentrações de cálcio e fósforo e contribuem para a saúde dos ossos
• Ajudam na maturação dos glóbulos vermelhos, cuja falta pode causar anemia
• Contribuem para o controle da pressão arterial. A hipertensão prolongada danifica vasos sanguíneos, causando falha renal

São sintomas de doença renal crônica
• Náuseas, fraqueza, fadiga, desorientação, dificuldade respiratória, palidez, inchaço nas pernas, rosto, olhos, ou no corpo todo. Urina com espuma ou avermelhada indica presença de sangue
• Devem fazer exame de urina e de creatinina no sangue pessoas que sentem os sintomas acima
• Exames são também recomendados para pessoas com histórico familiar de diabetes ou pressão alta; pessoas acima do peso recomendado; com 65 anos de idade ou mais; com doenças cardiovasculares (infarto, angina ou dor no peito)