Crônica

Dicionário ambulante

É divertido ver como as pessoas gostam de previsões sobre a própria vida

mendonça

Astrologia, tarô, biorritmo, quiromancia… Os métodos são muitos. Basta ver num dicionário as palavras com o sufixo “mancia”, que significa adivinhação por meio de qualquer coisa. Aeromancia, geomancia, zoomancia, lampadomancia, selenomancia… Tem adivinhação até por borra de café num fundo de xícara.

Astrologia, segundo ouvi de uma astróloga, não é previsão, é interpretação ou algo parecido. Há horóscopos de jornais e revistas às vezes feitos por esses profissionais, mas em muitas publicações quem faz, mais na linha de “previsão” mesmo (ou copia de qualquer publicação de meses ou anos anteriores), é quem está à toa na redação no momento. Tem gente que leva esses horóscopos muito a sério.

Uma época, trabalhando no Senai, inventei que era craque em “dicionariomancia”, palavra que não encontrei nos dicionários, pois eu mesmo havia criado naquele momento. A primeira colega que quis ver como era pediu para eu fazer uma dicionariomancia para ela.

Fingi me concentrar, fechei os olhos, abri um dicionário Aurélio numa página qualquer, sempre de olhos fechados, e tasquei o dedo indicador numa palavra. Abri os olhos, li a palavra e seu significado, em voz alta. Não me lembro que palavra era, mas a colega achou que tinha tudo a ver com o momento pelo qual estava passando e que era um indicador para ela.

Aí, com sua propaganda, outras pessoas – principalmente moças – até fizeram fila para receber uma mensagem do além através da tal de dicionariomancia. Sempre encontravam um sentido na palavra sorteada e seu significado.

Mas um colega, Gregório, resolveu fazer outra brincadeira tendo como base o dicionário Aurélio. Inventou uma história de que eu havia decorado o Aurelião. Disse que eu havia ficado preso uns tempos e que o único livro que deixavam entrar na cadeia era o dicionário, e todo dia eu decorava um pouquinho. Contou isso várias vezes. Muita gente quis tirar a prova e combinamos uma coisa: escondidos, selecionamos dez palavras bem difíceis, incomuns, e colocamos na mesma ordem, em dois papeizinhos. Um papelzinho ficou com ele e outro comigo. Quando apareceu alguém querendo me testar, ele fingiu procurar uma palavra difícil no dicionário e propôs:

– Vamos ler o significado e ele diz qual é a palavra.

Era, logicamente, a primeira da lista. Quando vi o Gregório vindo com alguém, olhei sorrateiramente a primeira palavra no papelzinho e fingi que estava trabalhando. Chegaram, ele mostrou o dicionário e falou que queria ver se eu sabia mesmo que palavra era. Falou o significado e eu disse a palavra.

O outro ficou admirado, e ele propôs mais uma. Enquanto procuravam uma palavra difícil (o Gregório só fingia, claro, e dirigia a busca para a palavra que queria), eu olhei sorrateiramente a segunda palavra do papelzinho. Leram o significado, e eu acertei de novo. Encheu de gente querendo me testar.

Aí chegou a Cleonice. Testou uma vez, acertei. Quis testar de novo, o Gregório abriu o dicionário numa certa página e fingia procurar uma palavra bem difícil. Ela tomou o dicionário das mãos dele:

– Eu vou escolher. Acho que vocês combinaram alguma coisa.

Não deu tempo prá nada. Escolheu uma palavra, e leu: “Formatura de 1.204 homens da falange macedônica”.

– O que é isso? — perguntou com ar desafiador.

Eu sorri, ela se preparou pra me gozar, mas respondi:

– Essa é muito fácil: quiliarquia.

Ela fez uma baita cara de espanto. E o Gregório e eu caímos na gargalhada. É que ela escolheu justamente a palavra que a gente havia selecionado. O cúmulo da coincidência. Fiquei com uma fama danada.

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