entrevista

Dívida não saneada

O engenheiro Raul Pinho alerta que só um terço do esgoto produzido no Brasil recebe tratamento. E a demanda não será resolvida por um governo: tem de ser política de Estado

Jailton Garcia

O Instituto Trata Brasil é composto por profissionais, empresas e entidades da sociedade civil especializados em saneamento básico. A organização divulgou recentemente estudo segundo o qual 6 bilhões de litros de esgotos sem tratamento são despejados diariamente em rios e praias brasileiros. O levantamento abrange apenas cidades com mais de 300 mil habitantes (81 municípios em todo o país). O esgoto não tratado poderia encher 2.360 piscinas olímpicas por dia. Para o engenheiro Raul Pinho, consultor do Instituto, o problema do saneamento é uma agenda atrasada em grande parte por ser uma ação de governos – municipais, estaduais e federal – que ora recebe atenção, ora não recebe, já que avenidas e viadutos rendem mais votos. Outro problema é a população não cobrar as autoridades e ainda conviver com gente que não tem o hábito de se preocupar com o lixo e o esgoto que vão para os rios. A questão é também de educação. A criança, segundo o engenheiro, leva para casa ensinamentos, e quem toma bronca de criança por jogar lixo pela janela do carro tende a pensar duas vezes. No último dia 12 de maio, Pinho conversou com a rádio Jornal Brasil Atual. Acompanhe os principais trechos.

Qual é o trabalho do Instituto Trata Brasil?
O Instituto é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos, que tem como proposta de trabalho e como meta perseguir a universalização dos serviços de saneamento e principalmente da coleta e tratamento de esgoto, que é a agenda mais atrasada que temos no Brasil. É um trabalho de informação à população sobre a importância do saneamento e os impactos da falta desses serviços, por exemplo, na área da saúde, na enfermidade e mortalidade, na questão da educação, dos impactos nas finanças dos municípios, na questão do turismo. É uma agenda que está muito atrasada, só a metade da população brasileira tem esgotos coletados através de redes e tubulações, e só um terço de esgoto no Brasil é tratado. Ou seja, 70% são jogados nos nossos rios sem nenhum tipo de tratamento, e isso é uma coisa que a gente tem de brigar como cidadão para reverter o cenário.

No levantamento que vocês fizeram, a Região Metropolitana de São Paulo despeja em vários rios e afluentes 18 milhões de litros por hora de sujeira. O que isso significa?
Ficamos muito tempo, no Brasil, sem fazer investimento em saneamento. Esses investimentos foram retomados desde 2003, com a criação do Ministério das Cidades e com o PAC, lançado em 2007. A gente pode dizer que esses investimentos começam a ser feitos. Nesse ranking que divulgamos, a cidade de São Paulo aparece em torno da 20ª posição e nela tem se mantido desde o início, com cerca de 90% da população atendida com rede, mas com pouco menos de 60% do esgoto tratado. Quer dizer, o que não é tratado na cidade de São Paulo é jogado nos rios que correm pela cidade. É uma situação que era muito ruim, sem nenhuma perspectiva, e hoje a gente vê os investimentos começando a acontecer.

Agora, tem uma questão que é fundamental: o saneamento, no Brasil, não vai ser um governo que vai resolver. O PAC destina R$ 10 bilhões por ano para obras de água e esgoto, e o Brasil precisa de R$ 200 bilhões por ano. Só aí são 20 anos, cinco governos. É necessário que todos os governos, o federal, os estaduais e municipais, mantenham uma política de investimento. Se você interrompe, certamente estará aumentando esse déficit, porque todo dia nasce gente, e uma cidade como São Paulo recebe uma forte imigração, então é preciso investir sempre. É política de Estado, não de governo.

Eu lembro de campanhas de 1992, em que o governo estadual gastou US$ 3 bilhões na despoluição do Rio Tietê. O que aconteceu?
Não adianta você simplesmente limpar o rio e continuar jogando esgoto.

Na época a gente se perguntava se seria possível nadar no Rio Tietê como meu pai fazia.Será que pelo menos meus netos poderão?
O investimento deveria ter continuado. Não adianta fazer uma campanha para despoluir se vão continuar jogando esgoto. Tem de fazer a infraestrutura, as redes de esgoto, e tem de tratar o esgoto, senão não vai despoluir. A Sabesp está trabalhando com a meta de universalizar o serviço na Região Metropolitana até 2018. Então, cabe a nós, cidadãos, cobrar. Eles divulgaram esse plano, e a nós cabe fiscalizar e cobrar os investimentos para que em 2018 você possa até nadar no rio. É fundamental a mobilização da sociedade. Na hora que o cidadão chega em casa e não tem água, ele liga imediatamente para a concessionária para reclamar. Mas, quando ele aperta o botão da descarga, o problema foi embora. Então, a gente esquece e não se preocupa com o destino daquele esgoto. Só que hoje, com o inchaço das cidades, esse problema está muito mais próximo de nós. É por isso que precisamos realmente fiscalizar e cobrar. Temos eleições em outubro, vamos votar em quem está comprometido, porque isso é uma agenda ganha-ganha: é bom para a população, para o governo, gera emprego e renda, diminui gasto com saúde, aumenta qualidade de vida. Só tem benefícios, só que não estamos acostumados a nos preocupar com essa agenda.

De acordo com o Instituto, atualmente são gerados na Região Metropolitana de São Paulo 61,2 milhões de litros de esgoto por hora.
Esses dados são todos fornecidos pela própria Sabesp, a base de dados que a gente utiliza é oficial e pública, qualquer um pode entrar no site do Ministério das Cidades e procurar essas informações no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento. Não trabalhamos com dados que não sejam de domínio público e oficiais.

Mas também é uma questão de cultura, de as pessoas lembrarem de não jogar nada no rio.
É comportamental. Tudo começa na escola. Fizemos uma pesquisa no ano passado com o Ibope e uma das demandas que apareceram na população das maiores cidades que participaram do mapeamento – são 81 cidades brasileiras – foi de ter na escola, no ensino básico já, noções do uso racional da água, da importância do saneamento, como se comportar…A criança, aprendendo, leva para dentro de casa esses ensinamentos.

Se o pai fizer algo errado, o filho corrige, né?
É como jogar a latinha de cerveja pela janela do carro. O adulto aprende com a criança. Falar de adulto para adulto, ele não assimila, mas, na hora que o filho ou uma criança chama atenção, ele pensa duas vezes.

Existem exemplos de rios que foram despoluídos e os problemas de saneamento foram resolvidos?
Existem. Os próprios canais de televisão apresentaram, na Coreia do Sul, cidade que teve seu rio tratado (Seul). Era um rio totalmente poluído, como é o Tietê. E o próprio Tâmisa, em Londres, foi despoluído e virou um rio até piscoso. Então, é possível fazer, sim, só tem de parar de jogar esgoto, tratar os esgotos e ir limpando o rio. A própria natureza vai se encarregando de limpar, desde que você pare o processo de contribuição. E isso só é possível fazer com investimento, não tem outra forma.

Investimento contínuo, educação e cobrar os políticos. É obrigação nossa ficar atentos aos candidatos que estão atentos a essas questões.
E valorizar o político que faz. Está cheio de prefeito que fez obra de saneamento e não foi reeleito porque a obra fica lá enterrada, e o adversário que faz a pracinha, o campo de futebol, acaba se elegendo. Tem de ter consciência e cobrar a sequência das políticas, porque normalmente o candidato que entra acaba parando o que o antecessor estava fazendo.

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