entrevista

Ganho de qualidade

A greve dos bancários driblou até uma aliança dos bancos com a PM e pode ter deixado referências para os próximos anos

Gerardo Lazzari

“Em muitos lugares, policiais abriram caminho para que grevistas entrassem, e eles se recusavam. Essa dignidade fez a diferença”

Para Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, a greve nacional deste ano fez lembrar a de 1985. E só foi possível porque teve a adesão dos mais diversos segmentos por onde transitam os negócios bancários. A campanha salarial refletiu um processo de organização amadurecido desde o início da década, marcado pela unidade, com bancos públicos e privados na mesma mesa, pelo esforço de comunicação com a categoria e pelo diálogo com vários setores da sociedade. Luiz Cláudio, que integra a diretoria do sindicato desde 1991 e preside a entidade desde 2004, considera diferenciado neste ano o compromisso do BB e da Caixa de abrir 15 mil novos postos de trabalho. E espera ter criado novas tendências para negociações nos próximos anos.

Os bancários têm feito campanhas com greves antes mais comuns no setor produtivo. Por quê?

Os bancários estão entre os protagonistas do novo sindicalismo que emergiu no país no final dos anos 1970 e vêm forjando lideranças de projeção nacional. Ao mesmo tempo, sempre enfrentamos uma classe patronal conservadora, que sempre resistiu a reconhecer o papel da organização do trabalho na democracia e na qualidade da produtividade. Embora tenhamos amadurecido bastante em nossos processos de negociação, a modernização da relação capital-trabalho não se deu nas mesmas proporções.

Em 1985 a maioria dos que estavam na linha de frente das paralisações eram funcionários de bancos públicos e escriturários e caixas. Depois, nos anos 1990, o movimento bancário sentiu o baque que colocou os sindicatos na defensiva. A um só tempo, aconteciam as transformações nos processos de produção e de gestão, com as terceirizações, as grandes fusões, aquisições e privatizações. Tudo isso num ambiente de muito desemprego e forçação de barra para reduzir direitos. A defesa dos direitos e dos empregos dominou a pauta. Ainda assim, conseguimos conquistas importantes, como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), vales-refeição e alimentação, além de expandir nossa organização em todo o país. Conquistar uma convenção coletiva de trabalho com validade nacional foi decisivo para manter coesos os direitos da categoria e coibir a discriminação regional.

A busca de mão de obra mais barata?

Não adiantaria, por exemplo, um banco tirar sua base operacional de São Paulo e se instalar no interior do país. Nem há como pagar para um caixa de uma cidade do Nordeste pisos ou vales-refeição menores que os recebidos por um colega dele do eixo Rio-São Paulo. A organização nacional ajudou na conquista de muitos avanços mesmo num tempo de vacas magras. Aos poucos fomos melhorando a qualidade social da convenção coletiva nacional e recuperando espaço para discutir com mais força os itens econômicos.

Você se refere à greve deste ano?

A greve deste ano foi o ápice de um processo que vem se desenhando desde 2003. De lá para cá, conseguimos introduzir na convenção maior proteção aos portadores de doença ocupacional; temas como combate às discriminações (em contratação, remuneração e ascensão no emprego), terceirização, segurança bancária, planos de carreira, apoio à qualificação profissional e custeio de cursos superiores e de especialização, auxílio-educação em alguns bancos, ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias, entre outros avanços. Este ano, por exemplo, instituímos a igualdade de direitos dos casais heterossexuais aos homoafetivos. E desde 2003 temos aumento real de salário e aprimoramento dos critérios de cálculo da PLR. 

Os bancos estão mais democráticos?

Seria bom, mas, infelizmente, sempre procuram reduzir custos e aumentar lucros onde puderem. Uma prova de que não estavam bem intencionados foi começarem a fazer reuniões com a Polícia Militar de São Paulo antes mesmo de começarem as negociações. Ou seja, sabiam que iam tentar emplacar uma proposta inadequada e a categoria ia fazer greve. Contavam com a força da PM para inviabilizar a adesão dos bancários. Só que não deu certo. Denunciamos ao secretário de Segurança e à opinião pública. Quando a greve começou, a adesão dos bancários desmontou de vez a tática. Em muitos lugares, policiais abriam caminho para que grevistas entrassem, e eles se recusavam. Essa dignidade fez a diferença.

A adesão chegou a níveis como os de 1985?

A adesão foi grande em todo o país. A diferença em relação a 1985 foi que dessa vez o movimento envolveu todo mundo, incluindo analistas, comissionados, pessoal de vendas, retaguarda, de prédios administrativos, gerentes, enfim, toda a cadeia por onde circulam os negócios bancários. Tudo isso é fruto de um árduo processo de preparação que vem se dando nos últimos anos, que passou também pela identificação, por parte do sindicato, do novo perfil profissional formado depois da revolução tecnológica e da modernização do setor. Hoje há muito mais profissionais especializados e fazendo carreira do que há duas décadas. Para dialogar com toda essa diversidade temos investido muito na comunicação, e isso vai desde os equipamentos de som na porta dos locais de trabalho até a produção de mídia propriamente dita. Nosso site teve mais de 100 mil acessos por dia. O sucesso da greve vem de um envolvimento mais consistente e qualitativo da categoria, além de quantitativo. As assembleias voltaram a lotar, com 2 mil, 3 mil bancários. Isso não começou agora, é um processo. Democracia, a economia aquecida e o desemprego em baixa também favorecem a mobilização.

E os resultados?

Além da reposição da inflação, conquistamos 1,5% de aumento real, o que totaliza reajuste de 6% aplicado também aos vales-refeição e alimentação e na 13a cesta-alimentação. Garantimos o cálculo estrutural da PLR, de 90% do salário mais R$ 1.024, podendo chegar a 2,2 salários para cada trabalhador, além de uma parcela adicional de distribuição linear mais perene, de 2% do lucro líquido dos bancos. Os públicos, que negociavam separadamente e atravessaram o período FHC sem reajuste, consolidaram a sua presença na mesa com a Fenaban e passaram a incorporar conquistas. Asseguramos o compromisso de criação de 5 mil novos postos de trabalho na Caixa e 10 mil no BB, o que também vai melhorar as condições de trabalho e de atendimento dos clientes.

Os clientes não ficam bravos com as greves?

Temos como prática dialogar muito com a opinião pública e o conjunto da sociedade. Isso não é pauta da data-base, faz parte do nosso dia a dia. Realizamos eventos em parceria com entidades representativas da sociedade, do meio jurídico, dos consumidores. Promovemos debates e campanhas sobre temas como spread bancário, assédio moral e sexual, cumprimento de metas abusivas nas agências, interditos proibitórios e direito de greve. As pessoas se identificam e se sentem representadas. O sistema financeiro não é, para nós, mero local de trabalho. Tem responsabilidades para com os consumidores e com o crescimento do país. 

Você acredita que esses desdobramentos podem influenciar futuras campanhas?

Ainda podemos avançar em temas, intervir no fim das metas, que hoje adoecem e enlouquecem pessoas, na remuneração variável, buscar ações mais efetivas para eliminar a terceirização, erradicar as discriminações, discutir uma estrutura de aposentadoria complementar, metas de expansão do emprego, do crédito sustentável, enfim, a realidade se modifica cada vez mais rapidamente e temos de estar prontos para adaptar nossas negociações às novas demandas. Os bancos também devem buscar isso, entendendo que, quanto mais compartilharem seus resultados com seus funcionários e com a sociedade, melhor será para todo mundo. Acredito que tenhamos estabelecido novos paradigmas e apontado tendências para os próximos anos. De preferência sem greves, mas se precisar… fazer o quê?