Retrato

Luiz, 100, poeta, feliz

José Eduardo Souza Ele caminha a passos lentos, firmes, encurvado pelo peso da idade. Tem 100 anos, completados em 10 de outubro, e uma lucidez invejável. “É importante a gente […]

José Eduardo Souza

Ele caminha a passos lentos, firmes, encurvado pelo peso da idade. Tem 100 anos, completados em 10 de outubro, e uma lucidez invejável. “É importante a gente viver para contar as coisas do passado para os mais novos; importante para as crianças, ‘os sem-terrinha’ que marcham na luta pela terra, para o movimento e para mim também”, diz Luiz Beltrame de Castro. Desde 1996, ele já esteve em diversas cidades com o MST e “sempre que chamam, se posso, vou apresentar minha poesia que fala da luta pela terra”. Fez nove viagens a pé, sempre levando à frente a bandeira do Brasil, duas delas a Brasília, uma partindo de São Paulo e outra do Rio de Janeiro. “É a linha para melhorar o Brasil, reforma agrária.” Seu Luiz não usa óculos e gosta de escrever à noite. Paciência é sua receita de longevidade: “As pessoas estão muito agitadas, nervosas, assim não se vive”.

Anda para todos os cantos do assentamento, participa de reuniões, festas e nem procura parceiras para dançar: é disputado por elas. Luiz Beltrame deixou Paramirim (BA) com 15 anos. Em 1925, sua família começou a lidar na lavoura, em Bebedouro (SP). A sua terra, sua, mesmo, conquistou recentemente. Por conta da idade avançada quem a recebeu foi um filho que, antes dele, já se foi. O lote está com sua nora e os netos.

Em janeiro, o poeta-militante pretende voltar pela primeira vez à sua terra natal para o lançamento de seu segundo livro de poesias. “Parece que estou vendo a casa onde nasci, dizem que tem uma lagoa perto.” Seu Luiz teve oito filhos com dona Avelina Angélica de Castro. Aos 60, ficou viúvo e não se casou mais. Tem 47 netos, 68 bisnetos e, “por enquanto”, 10 tataranetos. Vive entre Coroados e o Assentamento Reunidas, em Promissão, região de Araçatuba (SP).

“Estou feliz. Às vezes dá até vontade de trabalhar na roça, mas só tenho força para escrever. Para ser poeta, basta observar as coisas que acontecem em volta”, ensina seu Luiz, com sua mania de irradiar esperança, coragem e respeito.