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Maestros da festa

No hip-hop, funk, ou música eletrônica, os DJs são o combustível da balada. A maioria rala para dominar o assunto e fazer bonito, além de dividir o tempo com outras atividades para ganhar a vida. Mas alguns já são tratados como astros

Rodrigo Queiroz

Augusto: “Trabalhamos muito para que a noite das pessoas seja a melhor possível”

A atividade de disc jockey (DJ) é bastante valorizada e já produz artistas tratados com honrarias de reis da noite. A maioria, no entanto, ainda é anônima e rala para alcançar reconhecimento na profissão. Disc jockey é o profissional que seleciona e toca as mais diferentes canções gravadas e mixadas previamente para animar bailes, clubes, boates e danceterias. No início, o termo era utilizado para designar gente de rádio que se limitava a colocar os discos para tocar no gramofone. Aos poucos, passou a ser o artista que deve ter sensibilidade e grande conhecimento musical para saber como, quando e o que tocar. “É preciso ter uma técnica razoável o bastante para não judiar dos ouvidos dos dançarinos e, o que é mais importante, ter o feeling para entender que se deve servir à pista, e não a si mesmo”, indica Claudia Assef, autora do livro Todo DJ Já Sambou – A História do Disc-Jóquei no Brasil e que toca na noite paulistana.

Em 1958, o técnico em rádio e TV Osvaldo Pereira trabalhava numa loja de revenda de LPs e assistência técnica de aparelhos eletrônicos. Não fazia a menor idéia de que, no Rio de Janeiro, João Gilberto e Elizeth Cardoso davam à luz a bossa nova, com a gravação de Chega de Saudade, de Tom e Vinicius – o estilo musical que iria mudar a história da música brasileira. O sonho de Osvaldo era mais modesto: freqüentar os melhores salões de baile de São Paulo, como o Clube 220, no Edifício Martinelli. Foi quando teve a idéia de construir um sistema de som e utilizá-lo em festas de aniversário e casamento, até que conseguiu alugar o tal salão todos os domingos. Surgia o primeiro DJ brasileiro. “Depois dele, outros começaram a usar som mecânico para fazer festas mais baratas, em substituição ao som de bandas”, destaca Claudia Assef. “No final dos anos 60, no Rio, as boates começaram a fazer a transição da música ao vivo para a mecânica e aí aparece o fenômeno do baile da pesada, marcado pela black music, com Ademir Lems e Big Boy. Os DJs tomam conta do palco. Hoje, apesar de ficarem à mercê das equipes de som e de poucos conseguirem se tornar mais importantes do que elas, os DJs de funk possuem o respeito do público e se destacam pela seleção musical e por animar os bailes”, explica Silvio Essinger, autor de Batidão, uma História do Funk.

Exportação

Um dos DJs mais conhecidos e respeitados, não só do funk carioca, mas da música brasileira, é Fernando Luis Mattos da Matta, o Marlboro, que começou em 1977. “Naquela época não havia reconhecimento profissional. Os pais das minhas namoradas me colocavam para correr quando eu dizia que era DJ. Agora fui contratado para tocar em Porto Seguro por um pai que perguntou para sua filha qual banda queria para sua festa de 15 anos, e ela: ‘DJ Marlboro’ (risos)”, conta. Marlboro foi um dos responsáveis pela nacionalização do funk, compondo e lançando os primeiros cantores do ritmo.

“Hoje o funk quase não tem relação estilística com a música eletrônica de fora. É praticamente um samba eletrônico. Os DJs desenvolveram linguagem própria, criaram a música eletrônica brasileira”, avalia Silvio Essinger.

Em 2003 Marlboro tocou no Central Park, em Nova York, e abriu portas no exterior para outros DJs brasileiros. Sany Pitbull, por exemplo, atualmente realiza turnê pela Europa, misturando músicas do seu estúdio Carioca Funk Clube com clássicos de James Brown a Rolling Stones. “Hoje o DJ é figura à frente (antigamente ficava atrás e de costas) de uma grande casa ou baile, mas o Brasil tem muito a melhorar. Na Europa, os DJs ganham cachês tão altos que às vezes superam popstars. Para ser DJ hoje em dia não basta juntar seus MP3, ligar o laptop, arrastar os móveis da sala e pôr os amigos para dançar. Não pode ser apenas ‘tocador’ de músicas. Precisa ser músico de verdade, produzir seu próprio som”, avalia Pitbull, que também já sofreu com a rejeição. “Várias vezes tive de dormir na casa dos amigos, porque meu pai trancava a porta e não me deixava entrar. Com o passar do tempo, ele me viu crescendo dentro da profissão e foi aceitando.”

Na década de 90, Pitbull brigou pela regulamentação da profissão até desanimar com a força das equipes de som e a desunião da classe. A pesquisadora Claudia Assef considera difícil regulamentar a profissão: “Seria muito subjetivo julgar numa prova, como é feito na Ordem dos Músicos, quem é e quem não é DJ”. Existe até projeto de lei no Congresso propondo que apenas possa exercer a atividade profissionalmente quem for habilitado, por meio de cursos reconhecidos, a apresentar ou animar festas populares, eventos e espetáculos e fazer improvisações para divertir o público. “Da maneira como está redigida, de modo superficial, em vez de ajudar, essa proposta de lei impedirá milhares de DJs de trabalhar”, avalia a VJ Bete Rum.

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Claudia: “Vivemos uma suruba musical. O rock mesclado com disco, tecno com étnica, hip-hop com sons árabes”

Som ilustrado

Bete é uma espécie de “ilustradora” de músicas, ao manipular imagens que potencializam as sensações causadas pelo som. “Tem VJ que trabalha só com vídeo ou animação. Às vezes o cara é muito bom em 3D, mas, se você não gostar da estética, ele pode ser um primor que não vai agradar. Cada som tem sua estética, sonoridade e ritmos específicos. A prova é que tem gente que só trabalha dentro de um mesmo tema”, descreve. “O VJ é importante, sempre dá um brilho a mais, não só de luzes, mas de imagens que têm a ver com a música. Esse conjunto cativa muito mais a atenção do público e faz com que a festa seja única”, acrescenta o DJ de tecno Augusto Rizzi.

O tecno é um dos estilos da música eletrônica, assim como acid house, trance, hardcore techno, breakbeat, drum’n’bass, house e ambient tribal, entre tantos outros. Aos poucos, no Brasil, esses estilos passaram a se misturar com samba, maracatu, bossa nova. “Vivemos um período de suruba musical. O rock mesclou com a disco music, o tecno foi atrás da música étnica, o hip-hop flertou com sons árabes”, acrescenta Claudia Assef. Prova disso é que muitos outros DJs brasileiros se destacam internacionalmente.

Porém, a maioria segue no anonimato. “Há incontáveis DJs desconhecidos fazendo discotecagem dentro de favelas. Uma vez eu vi um DJ da Rocinha, chamado Gordura, que era fabuloso e não ficava a dever em nada aos famosos do Rio de Janeiro”, avalia Silvio Essinger. O carioca Augusto Rizzi afirma que muitas vezes é tratado pelos proprietários de casas noturnas como barman e seu cachê é semelhante. “Muitas pessoas nem sabem quem é o DJ, que acaba sendo apenas mais um funcionário da casa”, reclama Rizzi, que não sobrevive exclusivamente como DJ e defende o estabelecimento de um piso para o cachê.

Com papel de destaque no hip-hop, o DJ Kurts também já enfrentou situações constrangedoras: “Uma vez, de madrugada, vindo de apresentações, eu e o Fernandinho Beat Box, que toca com o Marcelo D2, levamos um enquadro de policiais e tivemos de fazer um som ao vivo para eles. Tocamos Mamonas Assassinas para não apanhar”. O constrangimento e a paixão pelo trabalho o estimularam a teimar em seguir na profissão. “Vivo a discotecagem 24 horas por dia. Às vezes abro mão até de minhas filhas por conta dos toca-discos, mas hoje estou sem nenhum, pois tive de vendê-los para pagar a faculdade”, acrescenta Kurts, que é DJ há 16 anos e dá aulas como forma de obter um acréscimo em seu orçamento e passar adiante o que já aprendeu. Já há muitas escolas oferecendo cursos para DJs, com destaque para a arte de mixar em discos de vinil, CDs e computadores nos mais diferentes estilos.

“A atividade de DJ é muito associada às festas e às drogas. Então muitas pessoas consideram que ele também é drogado ou que faz apologia ao uso de drogas. E, como o DJ tem hábitos noturnos e ouve música alto, todos acham que ele não faz outra coisa. Mal sabem que nós trabalhamos muito para que a noite das pessoas seja a melhor possível”, explica Augusto Rizzi.

Agulha no vinil

back-to-back: repetição de um mesmo trecho da música, feita a partir de duas cópias do mesmo vinil, para o DJ brincar com a divisão dos compassos, cortando e abrindo o som de uma pick-up para outra.

mixagem: o momento da passagem de uma música para outra, que deve ser a mais sutil possível. Numa mixagem bem-feita dificilmente se reconhece o momento exato em que uma música termina e outra começa.

mixer: aparelho que serve para conectar toca-discos e CD-Js (tocador de CD especial para fazer mixagens) entre si. É no mixer que o DJ conecta seu fone e consegue ouvir as faixas antes de tocá-las.

pick-up: o toca-discos ganhou esse nome por causa do gestual que se faz no momento de colocar a agulha sobre o vinil.

remix: versão de uma música já gravada, que foi retrabalhada por DJ ou produtor

sambar: quando um DJ erra a mixagem, ouvem-se batidas desencontradas, um batuque que soa desagradável.

set: nome que se dá à seleção de músicas de um DJ. Um set dura em média duas horas.

Fonte: Todo DJ Já Sambou – A História do Disc-Jóquei no Brasil, Claudia Assef (Conrad, 2003)