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No escurinho dos jornais

A forma como os meios de comunicação noticiam os movimentos de trabalhadores tenta afastar do grande público as razões que movem essas lutas

Nada sobre o motivo da greve: o projeto de privatização do governo tucano

Na transformação de um acontecimento em notícia, a informação é tão lapidada por versões que, muitas vezes, no final, o fato que a originou desaparece. Em alguns casos, acessar diferentes canais de comunicação ajuda. Em outros, nem isso é possível, porque os vários veículos reproduzem versões semelhantes, em sintonia com seus interesses econômicos e políticos.

 Os movimentos de trabalhadores estão entre os casos mais significativos desse distanciamento entre fato e notícia. Quando o sujeito da frase é algo como greve, assembléia, passeata, abaixo-assinado, campanha, sempre vem em seguida um verbo como “afetou”, “prejudicou”, “parou”, “perturbou” e quase nunca “reivindicou”, “uniu”, “cobrou” ou “conquistou”.

Por exemplo, nos últimos cinco meses, a Volkswagen do ABC tentou obrigar os trabalhadores a aceitar “ajustes” como 3.672 demissões, redução salarial e horas extras gratuitas. A empresa chantageou a opinião pública, alegando que fecharia a fábrica. Os funcionários fizeram greve, protestos, e a empresa retrocedeu. Depois de 110 horas de negociações, alcançaram um acordo que contém sacrifícios, mas preserva os direitos e estabelece um incentivo financeiro para até 3.100 trabalhadores que optarem – voluntariamente – por um plano de demissão (PDV).

Mas quem viveu o episódio não se reconhecia nas páginas dos jornais do dia seguinte à aprovação do acordo. O Diário do Grande ABC tascou “Metalúrgicos aceitam demissões”, o Estadão, “Sai acordo e Volks vai demitir 3.600”, e o Diário de São Paulo, “Trabalhador da Volks aceita acordo que prevê demissões”. No site UOL, a manchete era “Funcionários da Volks aprovam acordo para demissão de 3.600 no ABC”. A manutenção dos direitos e dos salários, o congelamento das terceirizações e a adesão ao PDV sumiram. A Folha de S.Paulo deu no título “Trabalhador da VW aprova acordo no ABC”. Mas a reportagem cita uma série de depoimentos contrários à proposta. Nenhum a favor.

É estranha também, ao grande público, a luta dos trabalhadores do setor energético dos vários estados contra os processos de privatização da geração e da distribuição de energia. A batalha inclui de greves a pressões sobre os deputados estaduais e, ainda, a tentativa de apresentação de propostas alternativas para garantir o controle público do sistema energético. A mídia, porém, sempre tratou a privatização como necessidade urgente “para o Estado poder investir os recursos em saúde e educação”. Em São Paulo, o programa de desestatização, comandado por Geraldo Alckmin, arrecadou 72 bilhões de reais de 1997 a 2004. Mesmo assim, a dívida pública cresceu 33,5%. E a saúde e a educação dispensam comentários.

Para os trabalhadores do setor energético, a privatização representou corte de 50% dos postos de trabalho, substituição de profissionais qualificados, terceirização de atividades e precarização das condições de trabalho. E na última greve da categoria, no primeiro semestre deste ano, a preocupação dos jornais era: “Pode faltar energia durante a Copa do Mundo”.

Quando o movimento envolve o setor público, a criminalização é a tática preferida. Na greve dos trabalhadores da saúde por reajustes salariais, no final de maio, em São Paulo, a repressão foi de tal monta que houve boletim de ocorrência na delegacia próxima a um hospital e uma orientação às chefias para intimidar os servidores.

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Descuidos com a barriga

No último dia 15 de agosto os metroviários de São Paulo realizaram um dia de greve porque o Metrô de São Paulo passa por processo de privatização da operação da futura Linha 4.

De cada 4 reais investidos na linha, 3 sairão dos cofres públicos. Já a iniciativa privada poderá explorar comercialmente a linha por 30 anos, inclusive toda a arrecadação das bilheterias. A população concordaria com a privatização de uma linha construída essencialmente com dinheiro público?

A forma que a categoria encontrou de levar o debate à opinião pública foi essa paralisação.

E o que saiu nos jornais? Que os passageiros e o trânsito foram prejudicados, que os diretores do Sindicato terão seus bens indisponíveis, que a entidade será multada por não cumprir determinação judicial. “Uma emissora de TV chegou a ficar, ao vivo, com o presidente da Companhia do Metrô no estúdio. Foram 40 minutos de críticas à greve e aos metroviários. Mas terminamos com vitória. Hoje, cada vez que fazemos abaixo-assinado contra a privatização, tem até fila de usuários. Colhemos mais de 5 mil assinaturas a cada 2 horas”, relata o diretor de Comunicação do Sindicato, Manuel Xavier Lemos Filho.

Quando é pauta sindical, a mídia parece também ter aversão a notícias positivas. Ao analisar mudanças no sistema bancário, o colunista do Grupo Estado Celso Ming mencionou o surgimento de um novo trabalhador, o “pastinha”, que visita clientes para vender crédito. Como os bancos usam esse tipo de mão-de-obra com a finalidade de driblar acordos trabalhistas, o colunista emendou ironias aos sindicatos dos bancários, que segundo ele não haviam se dado conta dessas mudanças.

Com uma rápida pesquisa, o colunista saberia que, por pressão sindical, muitos acordos obtiveram o enquadramento de “pastinhas” como bancários. Poderia também ter descoberto que a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), que representa mais de 90% dos bancários do país, foi criada para incorporar a essa representação todos os trabalhadores que têm atividade profissional relacionada ao ramo financeiro. Se experimentasse ouvir o outro lado, Ming poderia ter uma “barriguinha” a menos no currículo – barriga, no jargão jornalístico, é informação errada.

Com reportagens de Lilian Parise, Krishma Carrera e Xandra Stefanel