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O público é sempre mais inteligente

Marcelo Tas considera que a mídia sem qualidade já não consegue mais enganar o povo. Para ele a tecnologia da informação pode ser uma ótima ferramenta a serviço da inteligência e contra a manipulação

Jailton garcia

Mesmo que demore, aquela fórmula falsa é desmascarada. Não tem como você manter em pé algo que é baseado em um truque”

Marcelo Tas integrou um time de jovens que reinventou a forma de fazer TV no início dos anos 80. Ousadia era o traço principal da Olhar Eletrônico, produtora de vídeo instalada num casebre da praça Benedito Calixto, em São Paulo. O trabalho da moçada chamou a atenção do jornalista Goulart de Andrade, que em 1983 os convidou para estrear quadro próprio dentro de seu Comando da Madrugada, na TV Gazeta. Desse trabalho experimental nasceu o repórter Ernesto Varela, uma divertida ficção encarnada por Tas, acompanhado do inseparável câmera Valdeci.

Por trás das câmeras, o videomaker aprimorava seu estilo para empregá-lo na criação de programas revolucionários como Rá Tim Bum, onde também interpretava o professor Tibúrcio; do Castelo Rá Tim Bum e do Vitrine, todos na TV Cultura (SP) e do Programa Legal, da TV Globo. Hoje Marcelo Tas mantém no UOL um dos blogs mais visitados da internet (marcelotas.blog.uol.com.br) e é um dos apresentadores do Saca-Rolha, da PlayTV, posição que lhe rendeu uma acusação leviana da revista Veja de receber dinheiro do governo federal. Para explicar esse e outros lances da sua movimentada carreira, Tas conversou com a Revista do Brasil por mais de duas horas no último dia 28 de dezembro. Leia a seguir os principais trechos dessa entrevista.

Você é um profissional multimídia premiado. Sua atividade principal hoje é o blog?
O blog começou como uma parte do meu site, em 2003. Hoje virou minha atividade principal. Era uma espécie de ensaio, eu estava experimentando escrever textos. Tenho vários amigos escritores que vivem me pedindo para eu escrever mais. O blog tem uma transmissão simultânea de vídeo também. A do dia 27 de dezembro tinha mais de mil pessoas assistindo simultaneamente e isso num período de festas de final de ano. É muita coisa. Durante a semana a visitação diária varia de 7 mil a 20 mil. Foi aí que eu comecei a perceber a responsabilidade que tenho. Às vezes eu escrevo coisas que atingem as pessoas.

Sobre responsabilidade: a revista Veja publicou que você estaria sendo beneficiado pelo governo Lula. Você desmentiu, escreveu uma carta e a desafiou a mostrar provas. Não houve retratação?
Eles nunca se retratam. Vários veículos de comunicação perderam o pé diante do que a gente está vivendo. E essa revista é um deles, está perdida. Ela fala uma coisa e não se pode desmentir, não publica carta, não ouve o outro lado. Com a internet isso acabou. No mesmo dia que foi publicado já vieram os desmentidos através da própria rede, do meu público, das pessoas que me conhecem tanto da televisão, quanto do rádio e do próprio blog.

Você foi usado numa briga comercial entre a PlayTV, da qual o filho do Lula é sócio, e a MTV, que é da Abril?
Pode ser, mas não sei se de maneira eficiente, porque quem está perdendo a briga comercial são eles, não eu. Esses dias mesmo eles anunciaram no meu blog. Aí um internauta me questionou se eu tinha me vendido para aquela revista, mas eu nem sabia que eles estavam anunciando. Hoje eles precisam mais de mim do que eu preciso deles. No mês que saiu a tal nota, eu tive artigo publicado na Bravo e na Playboy (revistas do Grupo Abril). Eles estão perdidos…

Por causa do resultado das eleições?
Não, o buraco é muito mais embaixo. Várias instituições antigas pensam que o mundo continua o mesmo, que os leitores e telespectadores continuam passivos, aceitando tudo. Isso mudou. Cada um de nós, jornalistas, comunicadores, tem de ter humildade para entrar nesse mundo novo. Estamos acostumados a só quebrar vidraça – é a especialidade daquela revista. Agora, ela também virou uma supervidraça. O público percebe. Quando aconteceu isso eu estava com a peça A História do Brasil Segundo Ernesto Varela. Uma noite, uma garota perguntou: “Marcelo, você ganha dinheiro (para falar bem) do Lula?” Eu disse: “Onde você leu isso?”. Quando ela falou o nome da revista a platéia gargalhou. Quando uma revista que pretende ser de jornalismo vira piada é porque alguma coisa mudou no Brasil.

O que na TV aberta você assiste e acha que tem futuro?
Tenho uma tese: a gente aproveita bem só 5% do nosso dia. Das coisas que a gente fala, dos filmes que estão no cinema só têm 5% bons, os livros que estão à venda também, o que está no jornal também, tudo o que está no ar também. Isso para mim se deve ao limite da criação. O que mais falta hoje em todas as mídias e todos os lugares é ousadia. Colocar ousadia no ar é muito difícil. Você pega o Pânico!, por exemplo, depois que começou a ser sucesso, começou a levar paulada. É um programa muito ousado. Às vezes erra a mão, mas o público reconhece a ousadia. O que o público está premiando no Pânico! não é os caras enfiando a mão na bunda um do outro. É a ousadia, o cara fazer uma pergunta para um político, para uma celebridade…

Dizem que o Vesgo é filho do Ernesto Varela.
(Risos) Eu não sei, mas se fosse eu até me orgulharia desse filho bastardo. A gente esteve juntos algumas vezes e eu gosto muito dos meninos. Eu até reconheci essa paternidade e a gente teve um momento muito divertido.

Como se resolve o problema da criação?
Precisa ser corajoso. E hoje as pessoas são muito medrosas. A TV Globo foi feita por moleques de 20 e poucos anos, Boni, Walter Clark, Daniel Filho. E aí está a coragem e ousadia do Roberto Marinho. Hoje as pessoas não têm essa coragem que ele teve. Tem centenas de moleques na internet, no teatro, debaixo dos viadutos fazendo espetáculos incríveis. Mas as pessoas querem fórmulas, têm medo de não dar certo e quem acaba ganhando com esse medo é a líder. O Brasil é o único país do mundo onde a líder é a mais experimental.

O governo deve exercer algum papel quanto aos abusos da mídia?
Nenhum. Eu acho que esse é um papel da sociedade. Eu acho que tem que existir instituições, a sociedade tem que criar esses mecanismos, como, aliás, já criou. Hoje há várias ONGs e instituições que ficam de olho no que está no ar e pressionam os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo quando acham que houve um exagero.

Você acompanha o trabalho da Radiobras?
Acompanho de perto. Eu tenho muito interesse nesse assunto. Eu fiquei mais de dez anos na TV Cultura e acho importantíssimo que a gente inaugure no Brasil o conceito de veículos púbicos que é diferente de veículos estatais. Eu acho que a TV não tem que ser do governo nem do Estado, ela tem que ser da sociedade. E aí eu reconheço o esforço do Eugênio Bucci para descolar a Radiobras do governo. É muito importante esse esforço. A Radiobras não pode ser uma assessoria de imprensa do presidente, nem do Congresso e nem do Judiciário. Tem que ser uma fonte de informação para o público, principalmente para público que não tem outra fonte de informação.

Você foi roteirista do Telecurso 2000. Como pode ser a relação entre televisão e educação?
Eu acho que ainda existe muito desconhecimento da população sobre essa capacidade de educar da televisão. Ela é um canhão que poderia ser muito eficiente no combate à deseducação que impera no país. O Telecurso 2000 teve mais de 1.300 programas entre 1995 e 1998 e estão sendo usados até hoje. Os números são impressionantes. Já se formaram mais de 5 milhões de pessoas. A gente gosta de falar mal dos programas vagabundos, mas não fala mal dos intelectuais que nutriram preconceito pela televisão, quase um ódio. Você ter ódio da televisão é a mesma coisa que ter ódio do liquidificador. A televisão é só uma ferramenta que pode ser mal usada ou bem usada.

A TV digital vai expandir o acesso à cultura e à educação? Ou só vai, no máximo, oferecer uma imagem melhor?
É a mesma coisa. A TV digital sozinha não é nada, depende de como a gente vai usar. Eu acho bom a sociedade ficar atenta se a televisão vai evoluir, nas mãos de quem ela vai ficar, o que vai proporcionar a cada um de nós, como os canais vão ser concedidos… A TV digital amplia o número de bandas, melhora a imagem, permite a interação. Eu acho sensacional. Meus amigos acham que eu sou otimista demais, mas eu estou muito animado. Eu acho que essas mídias e essa revolução tecnológica colocam muito mais poder nas mãos da sociedade.

O Sílvio Santos tem espaço nesse mundo que está em total transformação com a mídia digital?
Só tem uma pessoa que está mais perdida que a Veja: o Sílvio Santos. Ele, infelizmente, como empresário de comunicação está totalmente fracassado. É uma pena. Ele talvez seja o maior comunicador da história da televisão brasileira, mas é o pior empresário de comunicação da televisão brasileira por uma razão bastante simples: ele não foi capaz de criar uma cultura televisiva no SBT, formar equipes capazes de inventar programas de humor, de jornalismo, de entrevista, de auditório, novelas… Criar aquilo que tem que ser exibido numa emissora. Ele é um gênio, mas não é capaz de compartilhar o conhecimento dele. A emissora depende totalmente da presença física dele. O SBT já foi a minha grande esperança de modelo de televisão popular para o Brasil. Teve um momento que estavam lá ao mesmo tempo o Sérgio Groisman, a Marília Gabriela, a Lillian Witte Fibe, o Boris Casoy e o Jô Soares. Ele não soube valorizar isso nem dividir essa responsabilidade.

Quanto tempo você passa na rede?
Passo o tempo todo. Navego até pelo celular. Recebo e-mail onde quer que eu esteja. O importante é a gente acompanhar essa onda não porque é moda, mas porque a tecnologia liga as pessoas. Hoje há um equívoco muito comum em pensar que a tecnologia afasta as pessoas, que as crianças ficam trancadas dentro dos quartos sozinhas. Os pais estão equivocados. Os filhos estão trancados no quarto para se unir a outras pessoas, diferente deles que estão na sala vendo aquela novela horrorosa. Isso não é diferente de quando o rádio, o cinema, a televisão foram inventados. Muitos dos aflitos que vêm falar comigo nas palestras que eu dou não convidam os filhos para comer uma pizza, para conversar. O problema, então, não é a internet.

Você já se sentiu com overdose de informação?
Claro, muitas vezes. Aí é preciso fazer regime, como na alimentação. Tem que selecionar os veículos que você lê e vê, porque, se não, encontra todo o tipo de maluco e publicação que quer te vender toda a sorte de manipulações ou de temores. Uma coisa que me deixa muito puto são os programas policiais da televisão. Eles vão em cima dessa natureza humana que gosta de ver atropelamento. Explorar isso para vender ou dar Ibope… Aliás, o público acaba rejeitando essa fórmula.

Mas demora um pouco, não é?
Não demora muito, não. Quantos programas desses estão no ar hoje? Acho que nenhum. A maioria deles teve grande audiência e hoje não tem nenhuma importância. O Ratinho está praticamente desempregado. Se aquela fórmula não tem consistência, ela não tem durabilidade. O público é sempre mais inteligente do que quem o tenta manipular. E, mesmo que demore, aquela fórmula falsa é desmascarada. Legal de olhar é que o campeão de audiência de mais de 500 anos é o Shakespeare. Quantos caras que escreveram porcarias já se foram? O Shakespeare continua aí, a gente ainda vê filmes, peças… Ele está dentro daqueles 5%.

O que o Varela perguntaria para os deputados que estão começando ou recomeçando um novo mandato?
A gente nunca começou um ano com tanta desilusão. Não tem mais ilusão para perder. Isso é muito bom, se você quer saber, porque a gente está diante de um momento muito legal. O próprio envolvimento do PT com esses escândalos nos ensinou que não existem salvadores da pátria, que não é o fato de você pertencer a um grupo que você está a salvo e vai para o reino dos céus. A gente tem que trabalhar, questionar, elevar nosso padrão de exigência. É o que essa legislatura que está começando tem que aprender: o brasileiro nunca esteve tão descrente, insatisfeito e indignado. É bom os meninos não brincarem no volante porque a resposta da sociedade vai ser cada vez mais rápida.

Mas existe uma grande parcela da população que não tem acesso a esse tipo de informação. O que fazer para atingir essas pessoas?
Nós devemos fazer o que estamos fazendo aqui e agora. Temos que discutir e informar as pessoas. Elas querem essa informação. É uma coisa gradual que vem acontecendo. Tem uma coisa que a gente não divulga muito talvez porque a gente tenha vergonha dos nossos avanços no Brasil: o país vem diminuindo a pobreza e a desigualdade exatamente desde o tempo que começou a votar de novo. Desde 91 os índices vêm melhorando todos os anos, pouco, é verdade, e menos do que deviam melhorar, mas nunca regrediram.

O computador popular vai ajudar a disseminar a informação?
Ele pode ajudar desde que ele seja realmente popular. O que precisa ser feito é uma iniciativa séria, estratégica e forte de corte radical de impostos para toda a área da informação. É um absurdo você comprar um computador no Brasil e pagar a mesma quantidade de impostos que paga por um maço de cigarros. Um governo sério tem que olhar para essas ferramentas todas – caderno, lápis, computador, caneta Bic, livros – e zerar. Tem que ser uma estratégia de guerra, como os coreanos fizeram. Tem que fazer que nem os EUA, que enfiaram a mão no bolso e mandaram um homem para a lua. A nossa lua é educar o povo brasileiro para que não existam os Inocêncios de Oliveira. Você tem que trabalhar de uma maneira estratégica, investir maciçamente na educação desse povo.

Quem falta você entrevistar?
Um astronauta… no espaço. Esse é o meu grande sonho porque eu não vejo a hora de sair desse planeta. (risos)