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Outras independências virão

Depois de conquistar a auto-suficiência no petróleo, o Brasil tem potencial para liderar a produção de “combustíveis verdes”

Ricardo Stuckert/pr

Plataforma P-50 na Bacia de Campos: auto-suficiência reduz a vulnerabilidade externa

A conquista da auto-suficiência na produção do Petróleo pelo Brasil – obtida com o início das operações da plataforma P-50, instalada em 21 de abril – reduz a dependência externa do país em um momento em que o preço do produto atinge altas recordes. Em 2005, a Petrobras obteve déficit comercial externo de 130 milhões de dólares. Neste ano, deverá registrar superávit de 3 bilhões de dólares. A tendência é de que em 2010 o país produza 300 mil barris diários a mais que o consumo nacional, excedente que poderá virar exportação e gerar divisas.

Nem sempre foi assim. Há pouco mais de 20 anos, 80% do petróleo consumido no Brasil vinha de fora. Se mantivesse aquele passo, o país teria de importar hoje cerca de 1,5 milhão barris/dia e gastar mais de 30 bilhões de dólares. Esse cenário pessimista não existe mais. “A auto-suficiência dá uma tranqüilidade maior à economia brasileira”, afirma o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Em setembro, a plataforma P-50 deverá atingir seu pico de 180 mil barris/dia. A produção brasileira estará em 1,9 milhão de barris/dia; o consumo, em 1,8 milhão.

A situação do Brasil será bem diferente, por exemplo, da encontrada nos Estados Unidos, que importam mais de 70% do petróleo que consomem. Essa é uma das razões do gigantesco déficit comercial do país e um dos motivos pelos quais não tira o olho do Oriente Médio. “Ser auto-suficiente reduz a vulnerabilidade externa”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Helder Queiroz.

Porém, especialistas acreditam que daqui a 50 anos os últimos barris possam ser extraídos. Dois gigantes campos da Arábia Saudita, que suprem mais de 20% do petróleo mundial, começam a dar sinais de que o pico da produção já passou. É nesse contexto que governo e empresários brasileiros começam a investir cada vez mais no álcool combustível e no biodiesel.

O setor de álcool está em franca expansão. A alta do preço do petróleo, que motiva a busca de novas fontes de energia, e a elevada demanda interna – carros bicombustíveis já respondem por 80% das vendas de veículos no Brasil – estão fazendo dezenas de projetos de usinas saírem do papel.

Devem entrar em operação, só neste ano, 19 novas unidades industriais, outras 25 em 2007. “São investimentos de 10 bilhões de dólares, mas ainda insuficientes para o potencial da demanda futura”, diz o diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Antonio Pádua. Estudo encomendado pelo governo federal à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que o potencial de áreas ainda a ser cultivado poderia abastecer 10% do mercado mundial de combustíveis.

“Somos os xeques do álcool”, diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), ligada ao governo federal. Em outra frente, o país avança no uso do biodiesel, o que poderá levar a uma economia anual superior a 100 milhões de dólares com a redução na importação do derivado de petróleo. “A intenção do governo é de que até 2013 a frota nacional de veículos esteja rodando com 5% de biodiesel em seus tanques”, diz Décio Gazzone, secretário-executivo da Câmara Setorial da cadeia produtiva de oleaginosas e biodiesel do governo.

Com esses investimentos, a participação das fontes renováveis na matriz energética do Brasil deve ultrapassar os atuais 50%. O Brasil poderá se tornar, além de exportador de petróleo, grande fornecedor global de álcool e biodiesel. Investidores japoneses, americanos, chineses e europeus estão de olho nos avanços brasileiros.

Longa história

A Petrobras foi criada pelo então presidente Getúlio Vargas em 1953, visando a obter controle sobre as jazidas encontradas no Brasil, que exportava 98% do petróleo que consumia. Meio século depois, a produção energética volta a ocupar lugar de destaque na agenda nacional.

O programa biodiesel, por exemplo, é tido como prioridade pelo presidente Lula. É uma alternativa aos derivados do petróleo fabricada a partir de fontes renováveis (girassol, soja, mamona, dendê, babaçu), que emite menos poluentes e ainda tem potencial para bancar um imenso programa de geração de emprego e renda no campo e se tornar, também, alternativa importante para a erradicação da miséria no país.

A questão energética é um dos principais componentes das relações internacionais. No início de maio, após o anúncio da nacionalização do gás pelo governo da Bolívia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o país investiu pouco em pesquisa sobre gás natural, mas tem como produzir outras fontes de energia e não ficar na dependência dos recursos de outra nação.

“Nós vamos trabalhar como nunca para ser auto-suficientes em outras matrizes energéticas que precisamos”, disse Lula.O presidente defende o direito da Bolívia de nacionalizar suas reservas naturais e de reivindicar preço justo. Mas pondera que a Petrobras deve ser reconhecida pelos investimentos feitos no país vizinho e defendeu a negociação de um preço viável pelo gás importado.

Renato Pinheiro/petrobrasLonga história
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