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Para o Brasil, nada

A aquisição do Real pelo Santander é mais um capítulo da abertura do setor bancário, iniciada na década de 1990, acirrando um processo de concentração que fez muito bem aos bancos, muito mal aos empregos, muito pouco pelos clientes e nada pelo crescimento do Brasil

No domingo à noite, após o Grande Prêmio de Fórmula 1 que decidiu o campeonato de 2007, um grupo de executivos espanhóis andou pela cidade de São Paulo com um largo sorriso nos lábios, apesar da derrota do compatriota Fernando Alonso. Em sua primeira viagem ao Brasil depois que o consórcio de bancos formado pelo Santander, RBS e Fortis comprou o ABN Amro Bank, o presidente mundial do Santander, Emilio Botin, não tinha do que reclamar: obteve as operações brasileiras do Real, dobrou seu volume de ativos no Brasil e pulou da sétima posição no ranking geral dos bancos para a terceira, à frente do Itaú e apenas 20 milhões de reais atrás do Bradesco, o segundo.

Mais um capítulo da abertura iniciada na década de 1990, o episódio ilustra dois pontos que vêm acompanhando a história do setor financeiro nos últimos 15 anos: o avanço da participação estrangeira e o forte crescimento da concentração bancária, que acirra o apetite entre os concorrentes por novas fusões, mas não traz grandes vantagens para os clientes. Ao contrário, a concentração aumenta o poderio das instituições.

Em 1994, primeiro ano do real, os estrangeiros representavam 7,2% dos ativos totais do Brasil. Em 2000, impulsionados pela aquisição do Banespa pelo Santander, respondiam por quase um terço dos ativos totais. No início do real havia no país 241 bancos. Hoje são 177. O número tende a cair ainda mais, segundo especialistas. “O potencial de crescimento do mercado brasileiro ainda é muito grande, portanto a competição deve continuar”, afirma Alberto Borges Matias, da ABM Consulting. O problema é que a competição não se dá com a expansão do mercado, mas com sua absorção por poucas e grandes corporações financeiras.

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Tanto é que os dez maiores bancos do país empregavam diretamente 403 mil pessoas em dezembro de 1994. Ao final do ano passado, um pouco menos que isso, 395 mil. Entretanto, para se ter uma idéia, o “potencial do mercado” só verteu vantagens para o setor, os dez maiores tinham ativos que somavam menos de 350 milhões de reais no período, montante que hoje se aproxima de 1,5 bilhão, e com dois bancos a menos entre esses dez maiores, pois tanto o Banespa quanto o Real já terão sido engolidos pelo Santander. Enfim, em pouco mais de uma década, os empregos estão de igual a menores, o número de instituições idem, mas seus ativos quase quintuplicaram.

O Bradesco, por exemplo, maior banco privado do país, empregava 60 mil pessoas, e hoje tem um pouquinho mais, 63 mil funcionários, mesmo tendo abocanhado no período instituições importantes como BCN, Mercantil Finasa, Cidade, American Express, entre outros, além dos estaduais de BA, AM, CE. Seus ativos engordaram de 30 bilhões para 265 bilhões de reais, quase 1.000%, e os postos de trabalho, 5%. Na cola, os ativos do Itaú saltaram de 20 bilhões para 210 bilhões de reais – seu tamanho cresceu mais de dez vezes –, enquanto o número de empregos variou de 37 mil para 44 mil (19%), mesmo com a incorporação de bancos como BFB, BankBoston, BBA, AGF, Banerj, Banestado, Bemge, BEG.

Avanço

O Banco Real caiu como uma luva para a estratégia do Santander na América Latina. A aquisição consolidou o poderio no mercado da Região Sudeste, por onde circulam mais de 60% das exportações do país. No Rio de Janeiro, onde tinha 63 agências, o banco passa a ter 211; em Minas, de 32, ganha mais 143. O banco avança também no Nordeste. Na Bahia, passa de 4 para 35 agências. Em Pernambuco, de 1 para 87. Na Paraíba, de 1 para 21.

Mas foi em São Paulo, responsável por um terço do PIB do Brasil, que o Santander ampliou ainda mais sua presença. Ao adquirir o Banespa em leilão de privatização, tornou-se a instituição financeira com maior participação no estado, à frente de Banco do Brasil, Bradesco e Itaú. “A aquisição do Real faz o Santander se consolidar no centro financeiro da América Latina e com que avance em estados com grande potencial de crescimento, como os do Nordeste, onde a penetração do setor bancário na baixa renda ainda é pequena e onde o setor poderá ingressar com maior intensidade”, afirma Ariadne Arnosti, analista do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad).

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Desde a concretização do negócio, no início de outubro, os bancos envolvidos na operação começaram um período de silêncio, que deverá se prolongar até o fim deste ano. Não falam sobre a operação nem sobre eventuais reflexos. Em comunicado aos acionistas, na segunda semana de outubro, o Santander informou que deve extinguir a marca Real em três anos e pretende manter os bons resultados obtidos pela instituição no Brasil.

Há incertezas também em relação ao emprego no setor bancário. “O cenário realmente preocupa”, afirma a economista Ana Carolina Tosetti, do Dieese. E as maiores incógnitas estão justamente na cidade de São Paulo, onde o Santander ampliou ainda mais sua presença e estão localizados os principais centros administrativos das duas instituições financeiras.

O problema não é só a extinção da marca. A analista do Inepad Ariadne Arnosti observa que o Santander e o Real, somados, teriam 53 mil postos de trabalho. “É possível que seja aberto um Programa de Demissão Voluntária, como quando o Santander adquiriu o Banespa, devendo abranger entre 2 mil e 4 mil funcionários”, diz Ariadne. Posteriormente, poderão ser feitos mais cortes, principalmente nos centros administrativos, onde funções ficariam duplicadas. Há cálculos que apontam uma eventual supressão de 10 mil empregos – cerca de 20% dos postos dos dois bancos.

A experiência do Santander com níveis de emprego, no Brasil, é avassaladora. Mesmo depois de aquisições como Banco Geral do Comércio, Noroeste, Bozano, Simonsen e o próprio Banespa, o grupo espanhol emprega hoje no país 23 mil pessoas, número que o banco estadual paulista empregava sozinho quando foi privatizado.

Concentração e poder

O movimento do grupo espanhol deve provocar novas reviravoltas no mercado. Analistas indicam que o Unibanco – o sexto maior – possa ser o novo alvo. “Começa a fazer sentido para Bradesco e Itaú buscarem um ativo maior”, afirma o gestor de recursos da Joule Asset Management José Luiz Junqueira. Diante dessa percepção, as ações de Unibanco, Bradesco e Itaú têm sido vedetes dos relatórios de analistas de recursos financeiros. “Há também dúvidas em relação ao Citibank, que vem investindo muito na modernização de suas agências, mas cuja posição no Brasil ainda é incipiente. Se os americanos quiserem crescer no Brasil, terão de comprar algo como o Unibanco. Senão, mantêm a posição frágil dos dias de hoje”, afirma um analista de uma das principais corretoras do mercado paulistano.

Em 1994 os cinco maiores bancos do país respondiam por 45% dos ativos totais. Hoje respondem por 66% do mercado – um aumento de 6 pontos percentuais em relação ao balanço realizado antes da fusão Santander-Real, segundo estudo feito pela Austin Rating. As cinco maiores instituições detinham em 1994 48% dos depósitos feitos no Brasil; agora passam a deter 70%. “Essa competição tende a continuar, os bancos são grandes e isso garante competição a eles”, afirma o presidente da Austin Rating, Erivelton Rodrigues.

Em reunião com analistas de mercado, o presidente do Bradesco, Marcio Cypriano, no entanto, disse que o avanço de sua instituição passará pelo crescimento orgânico, de olho na abertura de novas contas e na expansão do crédito imobiliário. Com o maior crescimento do país e aumento de renda nas classes baixas, o banco estaria de olho nesses novos clientes. Mas a frase não reduziu a aposta dos analistas. “Ele não poderia falar abertamente em crescimento via aquisição, já que isso poderia inflacionar o preço do ativo cobiçado”, afirma um analista presente ao encontro.

“Aumenta a concentração, aumenta o poder de quem fixa o preço, conseqüentemente, podendo aumentar seus lucros. Os bancos sempre atuaram no mundo como oligopólios. No Brasil, não é diferente”, afirma o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo.

Sem concorrência

paulo pepe/sindicato dos bancários de são PauloOperários
Operários levam a placa de bronze que indicava a agência do Banco Mercantil de São Paulo na Avenida Paulista, em 2002

Ariadne, do Inepad, também não acredita em redução de tarifas ou de custo do crédito, que têm grande participação na margem de lucros dos bancos. “A concorrência bancária não existe para a maioria dos clientes, que não consegue comparar tarifas e nem tem histórico de mudar freqüentemente de instituição financeira”, diz. Os gastos dos clientes com tarifas tiveram um aumento médio de 384% em cinco anos, de acordo com a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Não é à toa que as tarifas têm representado parcela importante da receita dos bancos.

Os dez maiores arrecadavam menos de 6 bilhões em 1994 e agora devoram nada menos que 42 bilhões. As tarifas correspondiam a menos de 38% das despesas com pessoal e hoje a mais de 125% – ou seja, dão conta sozinhas de todas as despesas de pessoal e ainda sobra um bom troco.

Para pessoas físicas, existem mais de 60 tarifas que podem ser cobradas. Para passar 1.000 reais por DOC eletrônico para a conta de outra pessoa, via internet, um pequeno correntista vai gastar em torno de 8 reais (0,8% do valor numa única transação). E mesmo em transações eletrônicas superiores a 5 mil reais e feitas nas próprias agências, e não em casa, pela internet, os bancos chegam a cobrar mais de 10 reais para fazer a transferência.

Mas a tal concorrência não mexe com as tarifas? “A maior disputa se vê no segmento de alta renda, ao qual se oferecem taxas de administração mais baixas para aplicação em fundos de investimento e isenção de tarifas nas operações”, observa Luiz Gonzaga Belluzzo. Para a maioria dos clientes, a realidade não muda. “Alguém terá de cobrir os custos de operação”, diz. Ou seja, os pequenos correntistas pagam a “competição” dos bancos pelos grandes.

O governo está buscando regular as tarifas do sistema bancário. Um dos alvos é a taxa de abertura de crédito (TAC), cobrada do cliente que estiver tomando um empréstimo pessoal para quitar uma dívida ou adquirir um bem. Outro alvo é a taxa de quitação antecipada de um empréstimo – pasme, mas o cliente que contraiu um empréstimo de dez anos e quiser quitá-lo antecipadamente deve pagar uma taxa ao banco.

Conter a fúria

Desde 1997, quando o Santander comprou o Banco Geral do Comércio, a instituição vem crescendo no Brasil. Em 1998, compraria o Noroeste. Dois anos depois, o Bozano, Simonsen. Nesse momento, ao desembolsar 1,8 bilhão de reais, anunciou ao mercado que não iria parar por aí. Em 20 de novembro de 2000, em um leilão que durou dez minutos, arrematou o Banespa por 7 bilhões, lance 281% acima do preço mínimo fixado. Os bancos adquiridos foram integrados à cultura do Santander, tendo suas marcas, com exceção do Banespa, extintas.

No mês passado, o consórcio formado pelo Santander teve sua proposta aceita pelos acionistas do ABN Amro Bank. As atividades do ABN na Itália e no Brasil ficaram com o Santander, que assim se tornou o segundo maior banco privado brasileiro.

O Brasil respondeu por cerca de 10% dos resultados do Santander no primeiro semestre, enquanto o Real foi a unidade mais lucrativa do ABN no mundo.

Os sindicatos de bancários tentam de várias maneiras deter os efeitos nocivos da concentração para os empregos, os consumidores e a economia do país. E passaram o último mês em peregrinações em Brasília, entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Congresso Nacional e reuniões com integrantes do governo.

O Cade recuperou na Justiça, recentemente, o direito de avaliar fusões de bancos – atribuição que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso havia limitado ao BC, cujo comando pouco mudou da década de 90 para cá. No BC, aliás, há quem veja o menor número de bancos como saudável. Estudo disponibilizado no site da instituição, assinado por quatro economistas do Departamento de Pesquisa Econômica – Benjamin Miranda Tabak, Solange Maria Guerra, Eduardo José Araújo Lima e Eui Jung Chang –, indica que a concentração bancária fortaleceu o sistema financeiro nacional. “E os grandes bancos brasileiros conseguem ter um portfólio diversificado de crédito”, afirma o estudo de 29 páginas publicado em inglês no site da instituição. No rápido resumo do relatório, há a indicação de que esse estudo pode servir de discussões para a regulação bancária no país.

No dia 25, a presidente do Cade, Elizabeth Faria, recebeu dirigentes e ouviu seus temores. “Levamos nossas preocupações sobre os impactos das fusões para a população em relação a abusos com juros, tarifas e os riscos aos empregos, com demissões ou sobreposição de tarefas”, disse Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo. O dirigente afirmou ainda que está havendo pressões junto ao Executivo e ao Parlamento para que o Brasil endosse a convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na Europa os danos de incorporações desse tipo sempre são menores, já que boa parte dos países é signatária da convenção, que protege os empregos em casos de fusões, aquisições e coíbe demissões imotivadas.

“O Brasil vive um grande momento, de expansão econômica e de empregos formais. Seria salutar que o setor financeiro acompanhasse essa expansão”, observa Marcolino. “Vamos cobrar isso. E cobrar também do governo, do Legislativo, dos órgãos fiscalizadores e reguladores que acompanhem com responsabilidade os desdobramentos dessa fusão. Não podemos tolerar que se reproduza a conduta anti-social que se vinha adotando em anos anteriores.”