Análise

Pensar ‘fora do quadrado’

É de estranhar como os temas emprego, desemprego e salário, que afetam tanto seu dia-a-dia, têm importância menor no debate econômico. Por que será?

A porta de entrada de qualquer pessoa na cidadania, em termos econômicos, é a obtenção de um emprego ou de uma ocupação. Em qualquer lugar do mundo. Aqui, 90,8 milhões de pessoas estavam ocupadas em 2007, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. A Pnad, realizada uma vez por ano em setembro, é o principal levantamento nacional sobre diversos temas, entre eles o mercado de trabalho. A mesma pesquisa mostrou que 8,1 milhões de brasileiros estavam desempregados em 2007. Contando os dependentes dessas pessoas, a ocupação e o desemprego são os indicadores mais importantes para avaliar a situação socioeconômica de um país. Contudo, os analistas econômicos tratam exaustivamente de inflação, juros, taxa de câmbio, gastos públicos, dívida pública, Bolsa de Valores. E só parcimoniosamente de emprego, desemprego e salários.

Esse “descaso” com assuntos que afetam praticamente toda a população tem a ver com a história do pensamento econômico no século 20. A teoria econômica sempre deixou em segundo plano os temas do mercado de trabalho. No pensamento neoclássico, todo o desemprego era voluntário. Quem não estava trabalhando, não o fazia porque não aceitava o salário que era oferecido no mercado! John Maynard Keynes, o pensador que mais influenciou o debate econômico após a década de 1930, mudou um ponto importante da teoria, ensinando que o nível de emprego depende da demanda agregada (soma do consumo e do investimento). É o nível de atividade econômica que explica se o desemprego é alto ou baixo.

Com a crise econômica mundial, a Organização Internacional do Trabalho estima que haverá 20 milhões de novos desempregados até o final de 2009. Pela primeira vez, será ultrapassada a cifra de 200 milhões de desempregados no mundo. Nos EUA, a taxa de desemprego está próxima de 7% e deve continuar crescendo. Se chegar a 10%, será a mais alta nos últimos 50 anos. As principais economias avançadas já estão em recessão e devem continuar assim. Os países emergentes, o Brasil incluído, estão crescendo, mas devem desacelerar o atual ritmo em 2009. Entretanto, é difícil prever o tamanho e a duração da desaceleração, nos emergentes, e da recessão, nos países centrais.

Uma coisa é certa: a manutenção dos níveis de emprego e de massa salarial é decisiva para evitar uma brusca queda da atividade econômica no próximo ano. Os sinais de desaceleração já são claros em alguns setores, entre eles o automobilístico e a construção civil, que dependem fortemente do crédito que escasseou. Como o investimento privado está em queda, o nível de consumo das famílias (principalmente salário e emprego) e do gasto do governo (PAC, salários do funcionalismo) será crucial para que a desaceleração seja a menor possível.

As negociações coletivas foram muito favoráveis em 2008. A política de salário mínimo deverá assegurar, em fevereiro de 2009, um aumento real de 5,7% (crescimento do PIB de 2007). O salário mínimo afeta os níveis de renda de milhões de brasileiros. Esse aumento funcionará como um colchão amortecedor para a sustentação dos níveis de consumo, especialmente nas regiões menos desenvolvidas do país.

Assim, a variável decisiva será a preservação do nível de emprego para impedir que a massa salarial caia em 2009. É hora de pensar e de agir “fora do quadrado”, fora da cartilha conhecida. Além das medidas que o governo vem tomando para que o crédito não seque, outras precisam entrar na agenda pública. Por exemplo, a aprovação da convenção 158 da OIT (que inibe a demissão sem justa causa); contrapartidas de emprego quando empresas e setores usufruem do financiamento público; utilização dos fundos públicos (FAT e FGTS, principalmente) e dos bancos públicos para estimular crédito e produção.

Nos próximos meses, a situação econômica internacional vai se agravar. O imenso mercado interno brasileiro e a preservação do nível de emprego e da massa salarial são trunfos fundamentais para enfrentar e mitigar os efeitos da crise no Brasil.