saúde

Perigosa dose de prazer

Desinformação, falta de fiscalização e oba-oba fazem o Viagra figurar no rol das drogas usadas por jovens sem nenhuma disfunção sexual

Paulo Pepe

A função do medicamento – atuar como um auxiliar no tratamento da disfunção erétil adulta – foi clara desde seu lançamento no mercado, em 1998. Mas rapidamente a utilização do Viagra foi desvirtuada. Por insegurança, pressão da sociedade, necessidade de se afirmar sexualmente ou simples diversão, muitos jovens brasileiros têm ingerido a famosa pílula azul combinada com drogas como o álcool e o ecstasy, uma prática comum entre muitos freqüentadores de casas noturnas e raves.

Quando surgiu, o remédio revolucionou o tratamento da impotência masculina, para a qual havia poucas soluções, como o uso de próteses e de dolorosas injeções localizadas. Segundo seu fabricante, o laboratório Pfizer, o medicamento é hoje um dos mais comercializados no país – o Brasil está entre os cinco maiores mercados mundiais do Viagra. Depois dele, surgiram outros similares, como o Uprima, da Abbott, Cialis, da Eli Lilly, e o Levitra, da Bayer/Glaxo. A larga escala de consumo não chega a assustar a classe médica, mas a falta de fiscalização e de informação, além da perigosa facilidade de acesso à droga, sim. O espaço aberto para sua utilização está se transformando em um problema de saúde pública entre os jovens que, mesmo sem qualquer problema de disfunção, o consomem indiscriminadamente.

“Há três anos, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o comércio do medicamento sem receita médica. Ou seja, indivíduos de qualquer faixa etária podem comprá-lo no balcão da farmácia, mesmo sendo recomendado apenas para maiores de 18 anos”, explica Roni de Carvalho Fernandes, professor-assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e secretário da Sociedade Brasileira de Urologia em São Paulo. Segundo ele, o comércio informal existente na internet e em festas e boates, onde cada comprimido pode ser adquirido por 25 reais, em média, agrava a situação.

O urologista e terapeuta Celso Marzano, diretor do Centro de Orientação e Desenvolvimento da Sexualidade e do Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática, alerta para os efeitos colaterais do Viagra. “O Viagra provoca efeitos potentes na esfera cardiovascular. A receita deveria ser obrigatória, o que exigiria uma avaliação prévia do urologista quanto à indicação ou não do uso do medicamento aos pacientes, que devem ser informados sobre os prós e contras decorrentes do seu uso.” Entre os efeitos colaterais mais comuns estão as dores de cabeça e alterações na pressão arterial. “A associação com outras drogas pode potencializar ainda mais esses efeitos, gerando até a morte súbita por parada cardíaca”, afirma Roni Fernandes.

Pressão por “metas”?

Especialistas afirmam que a crescente procura pelo Viagra tem uma causa emocional: a série de cobranças e pressões às quais os jovens são constantemente submetidos – pela televisão, internet ou por meio das próprias relações sócio-culturais. Tais motivações despertam cada vez mais cedo o interesse de crianças e adolescentes pelo sexo. Alguns, despreparados psicologicamente para lidar com tantas cobranças, procuram uma droga que os ajude a enfrentar os seus medos.

Embora seja cada vez mais difundida a cultura do esclarecimento e da afetividade – segundo a qual, em se tratando de sexo, o que vale é qualidade e não quantidade –, ainda é muito comum o caráter consumista ou exibicionista ditar a conduta das pessoas, sobretudo em relação ao próprio corpo. “Imagine um jovem, que ainda não teve a oportunidade de ter sua primeira relação sexual, ouvir os amigos mais velhos contarem que ‘dão três ou quatro’ em uma só noite. Isso, com certeza, irá gerar neste adolescente muita ansiedade. Para se sentir mais seguro, poderá, cedo ou tarde, querer fazer uso do medicamento”, explica o professor Roni de Carvalho Fernandes.

“Todo homem se preocupa com seu desempenho sexual. Por mais que hoje constatemos que as mulheres tomam iniciativas no plano sexual, o homem ainda acha que é ele que deve liderar. Se a ereção ou seu desempenho não estão a contento, sua masculinidade corre perigo. A mídia reforça esses mitos nas novelas, nas entrevistas de artistas e até em programas humorísticos”, complementa o terapeuta Celso Marzano. Segundo ele, mesmo para os raros casos de disfunção erétil orgânica entre jovens, a indicação mais adequada é a terapia sexual e não o uso de medicamentos.

Marzano acredita que uma forma de combater esse tipo de problema é o próprio poder público tomar a dianteira, promovendo a restrição, a fiscalização e o esclarecimento. “A conscientização deveria partir dos órgãos governamentais responsáveis pela saúde da população, por meio de campanhas de alerta e de orientação quanto ao uso destes medicamentos”, defende. Fazer frente ao consumismo, ao machismo e à banalização do sexo é outro desafio. “As pessoas precisam aprender a dar valor a si próprias e às que estão ao seu redor.”