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Ponto para a saúde

Ao aumentar a responsabilidade das empresas por doenças ocupacionais, medida que está nas mãos do Congresso pode gerar uma mentalidade mais preventiva

mauricio morais

Márcio era digitador no Bradesco e não teve a função readequada após os primeiros sintomas da LER

Em 11 de agosto, o Diário Oficial da União publicou a Medida Provisória 316, que embora pouco divulgada pode causar uma pequena revolução no mundo do trabalho. Ao acrescentar artigos à Lei 8.213, de 1991, a MP estabelece o chamado nexo técnico epidemiológico para identificar acidentes e doenças profissionais. Traduzindo: o empregador, e não mais o trabalhador, é que terá de provar que não é responsável pela situação que causou o acidente ou a doença. Como se trata de uma MP, ainda depende de aprovação no Congresso e, em seguida, de regulamentação por meio de decreto presidencial.

O coordenador do departamento de saúde do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o médico Theo de Oliveira, considera a medida um passo importante, que requer ações complementares. “Era uma bandeira antiga dos serviços de saúde do trabalhador e dos sindicatos. É um avanço enorme, porque o trabalhador, quando adoece, não pode nada, e a empresa pode tudo. O problema não é das pessoas que adoecem, mas do ambiente. O que resolve é combater a causa”, observa.

Atualmente a situação mais comum é a seguinte: se a empresa emite a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), a perícia aceita; se for médico do sindicato, não. O problema é que a perícia do INSS não é isenta, já que a constatação do nexo entre doença e ocupação vai gerar “despesa” para o órgão.

Afastada do serviço há mais de um ano, a metalúrgica Fátima (nome fictício) briga para provar que seus problemas de saúde a impedem de trabalhar. No primeiro semestre, o INSS deu alta à operária, que entrou na Justiça para provar que não está em condições de trabalhar. “Tenho tendinite. As dores são tão intensas que você fica irritada. Tem horas que o braço não tem força. E o perito diz que estou bem”, conta.

O bancário Mário Miranda, 47 anos, entrou no Bradesco em 1986. Em 1993, começou a sentir os sintomas da lesão. Mas o afastamento só aconteceu mais de um ano depois, e por meio de um centro de referência de saúde do trabalhador, quando as lesões já haviam se agravado. “Antes, o convênio ficava me pondo gesso e dando remédios fortíssimos. E nada de tratamento nem de readequação de função”, lembra Miranda, que nos últimos 13 anos teve de deixar de praticar esportes, está com os dois braços prejudicados por vários tipos de lesão por esforço repetitivo e está em seu terceiro período de afastamento. “O problema é que todas as vezes que retorno ao trabalho sou submetido às mesmas pressões, agravadas pelo assédio moral e pelos constrangimentos”, denuncia o bancário, que consome 300 reais por mês com medicamentos, inclusive antidepressivos.

Pela MP 316, as empresas poderão ter de pagar mais para o Seguro de Acidentes de Trabalho. O SAT corresponde a uma contribuição mensal com base na folha de pagamentos e no grau de riscos de acidentes e doenças no ramo de atividade da empresa. “Empresas com maior probabilidade de doenças serão penalizadas. Se ficar indicado que investe na prevenção e combate os fatores de risco, ela poderá ser beneficiada. Isso vai estimular a prevenção”, acredita Plínio Pavão, secretário de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf). Pelas mudanças propostas, a alíquota, atualmente de 1%, 2% ou 3% da folha, pode duplicar ou cair pela metade.

O secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, Helmut Schwarzer, ratifica: “Quem prevenir mais pagará menos”. E a redução de acidentes e doenças do trabalho diminuirá despesas com benefícios acidentários no futuro.
A relação entre trabalhadores e peritos costuma ser delicada. “O trabalhador que chega para ser atendido é olhado com desconfiança. Há peritos criteriosos, mas são minoria”, diz Plínio Pavão. A perícia é necessária para concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, além do benefício assistencial a pessoas com deficiência. O INSS alega que o auxílio-doença deve ser concedido apenas quando a doença torna alguém incapaz para o trabalho.

Mas muitas vezes falta bom senso. Como numa situação vivida anos atrás por um metalúrgico da Grande São Paulo. Ele perdeu o movimento de um dedo depois de sofrer acidente em uma máquina. Pediu indenização. Segundo o juiz que analisou o caso, a capacidade de trabalho não havia sido diminuída, “até porque o dedo lesado, o mínimo, muito pouca utilidade tem para a mão e, por muitos estudiosos em antropologia física, é considerado um apêndice que tende a desaparecer com a evolução da espécie humana”. O operário recorreu. A decisão foi revista tempos depois, em outra instância, e o dedo voltou a ser importante.

Mais prevenção

Foram registrados no ano passado 491.711 casos de doenças/acidentes de trabalho. A realidade pode ser ainda pior, já que é grande o número de casos omitidos. A MP 316 deve induzir à redução da subnotificação e estimular políticas de prevenção. A MP é resultado da 3ª Conferência Nacional de Saúde, com 1.500 trabalhadores de todo o país, em dezembro. Para que seja posta em prática, o bancário Mário Miranda defende um controle social: “A empresa tem de ver a saúde como questão de direitos humanos; e o INSS tem de ver o trabalhador como segurado, e não ‘cliente’”.